Giuseppe Lumia: existencialismo teísta – Louis Lavelle

Mais fortemente tingido de misticismo, um misticismo neoplatônico e agostiniano, é o pensamento de Louis Lavelle (1883-1951). Antes de Sartre, e com não menor energia, Lavelle afirmou que no homem a existência precede a essência. «A existência tem sentido em nós só para consentir-nos, não realizar uma essência já formada, mas determiná-la com a nossa escolha e coincidir com ela. Em vez de dizer que a essência é a possibilidade da existência, diremos que a existência é a possibilidade da essência. Com a escolha da nossa essência fixamos no ser o nosso lugar eterno». Mas a escolha que o eu faz de si próprio implica um ato de liberdade, de criação, que revela a sua participação no Ser absoluto, em Deus, que é precisamente puro ato criador. Há, por isso, entre o Ser absoluto e os seres finitos não tanto uma analogia, como uma identidade, ou, como diz Lavelle, uma «univocidade» qualitativa. A dialética da participação revela-nos assim a «presença total» do Ser nos seres, de Deus nas criaturas.

É evidente como esta concepção leva em linha reta ao panteísmo. Lavelle, que se proclama católico, procura evitar este perigo, sublinhando que a criatividade do homem parte sempre de uma situação determinada. Mas o certo é que a afirmada univocidade do ser não permite estabelecer uma diferença qualitativa entre Deus e os seres finitos. Isto mesmo notaram os escritores católicos, que não deixaram de olhar com reserva as ideias de Lavelle.

Ao problema das relações intersubjetivas dedicou Lavelle um ensaio, Conduite à l’égard d’autrui, publicado em 1957 após a sua morte. Já no Erreur de Narcisse ele tinha precavido contra o perigo de esterilidade a que conduz um pensamento totalmente voltado para si próprio; sublinha a este respeito que «as nossas relações com os outros homens formam a própria substância da vida». No exame do problema, o ponto de partida de Lavelle não é muito diferente do de Sartre, de cuja sugestão talvez não esteja isento. Também para Lavelle a presença do outro «obriga-me a conservar-me em um estado de alarme». «Tal como o animal que, observando diante de si uma presença desconhecida e sentindo pulsar nela uma vida que não é a sua, se reduz inteiramente à alternativa ansiosa de fazer dele uma presa ou de tornar-se ele próprio sua presa, também o homem, quando encontra um seu semelhante, considera-o um estranho que tem semelhanças humanas com ele, e interroga-se numa espécie de temor, hoje como no primeiro dia, sobre se ele se lhe apresenta para partilhar consigo a sua própria vida ou para destruir-lha». «O contrato com outro é sempre uma laceração do amor próprio»; «há um ódio profundo e irredutível que nasce em um ser só por ver um seu semelhante, cuja presença no mundo parece condenar a sua». Mas enquanto Sartre não sai deste inferno, Lavelle apela para um ato de fé, afim-de transformar em uma «ferida de amor» a laceração que o outro inflige ao meu amor próprio. É na verdade um ato de fé que, por detrás de cada corpo semelhante ao meu com que deparo, me faz ver uma alma, outro ser capaz de dizer eu como eu digo, e que me permite estabelecer com ele uma relação de comunicação espiritual. Mas na presença do outro, presença que é acima de tudo espiritual, eu revelo-me a mim mesmo, pois que a minha existência tem sempre necessidade de ser confirmada pelos outros. Se assim não for, eu fico separado do mundo e da própria existência. Fora das relações com os outros eu sou apenas uma pura possibilidade, incapaz de distinguir do sonho a realidade; é a presença dos outros que testemunha a minha existência, que lhe confere consistência e realidade.

Na comunicaçãoLavelle a mais alta forma de realização da existência, a ponto de escrever que «Deus quis que os homens pudessem comunicar com ele comunicando entre eles, como se ele não fosse mais do que esta comunicação vivente». Mas a comunicação não se realiza na vida social. Identicamente a Marcel, sustenta que a maioria dos homens não mantém entre si senão relações anônimas, das quais é constituída «aquela sociedade aparente que mereceria de preferência o nome de rebanho». A sociedade autêntica é, pelo contrário, a que nasce na intimidade da consciência pelo encontro de dois seres: ela é necessária e rigorosamente bilateral, porquanto «um a mais é sempre um terceiro e, como costuma dizer-se, está sempre a mais».

O pensamento de Lavelle não é, pois, senão uma variante daquele «aristocratismo existencialista» que, embora não se fechando no isolamento, despreza todavia a multidão, bastando-lhe o encontro excepcional com o indivíduo num plano associai e metapolítico. Mas Lavelle parece preocupado com o atomismo a que esta concepção conduz, pois na introdução, que ficou incompleta, à Conduite à l’égard d’autrui escreve textualmente: «Não existe uma multiplicidade de consciências isoladas que procuram inutilmente superar a distância que as divide; há só uma consciência, da qual nós somos as sombras dispersas».

Mas que sociedade é mais «aparente» do que esta sociedade de sombras? É esta a dificuldade insuperável com que se debatem todas as doutrinas que pretendem fundar a sociedade partindo de um monismo absoluto, quer seja idealista ou espiritualista. Se a única consciência real é a consciência transcendental, que realidade têm as consciências singulares, e que valor podem ter, a não ser de mera aparência, as relações que entre elas se estabelecem? É esta a dificuldade que Gentile encontrou, e à qual Lavelle, com as premissas de que parte, não podia de modo algum subtrair-se.

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