(FRER:94)
Desde antes do desafio trágico de Sansão e de Saul, o Oriente Próximo mais antigo inventou o protótipo do herói trágico com a figura que se encontra no limite entre o divino e o humano, com Gilgamesh. A trajetória de vida de Gilgamesh passa por três pontos fixos: o início é o despertar do Si humano no encontro com Eros; segue-se a linha reta de feitos notáveis, que se rompe abruptamente no episódio último e decisivo, o encontro com Tânatos. Este último é concretizado com força na medida em que não se trata, inicialmente, da própria morte que aguarda o herói, mas da morte do amigo; apenas com ela, ele sente o medo da morte em geral. As palavras lhe faltam neste encontro; ele “não pode nem gritar nem silenciar”, mas também não se submete; toda sua existência consiste em passar com sucesso por este encontro; sua vida recebe a morte, sua própria morte vislumbrada na morte do amigo, como único conteúdo. Para ele, tanto faz que a morte acabe por levá-lo também; o essencial já está atrás dele; a morte, sua própria morte, tornou-se o evento que domina sua vida; ele próprio entrou na esfera onde o mundo, com sua alternância de gritos e silêncios, torna-se estranho ao homem; ele entrou na esfera do mutismo puro e soberano, a esfera do Si.