(MVKS:339-342)
Fichte enuncia os três princípios primeiro no escrito programático O Conceito da Doutrina da Ciência, e pouco depois os desenvolverá em alguns parágrafos famosos do Fundamento. 1. O Eu se põe. 2. O Não-Eu se opõe ao Eu. 3. O Eu põe no Eu um eu divisível e um não-eu divisível. Essas três definições deveriam corresponder a três absolutos. Tratar-se-ia aqui dos números das grandes categorias metafísico-lógicas da tese, da antítese e da síntese ou das três ideias da dialética transcendental. O próprio Fichte dará, em um resumo sugestivo, uma interpretação popular: o Eu é Deus, o Não-Eu é o Mundo e o eu divisível, finito, o Homem. Os três princípios continuam a formar a estrutura ou melhor, o alicerce conceitual da Doutrina da Ciência, mesmo que o Não-Eu “empalideça”, ou mesmo desapareça quase completamente desde o final do período de Iena. A Wissenschaftslehre tardia não cessará de reformular a dialética das relações entre o Absoluto e sua Aparição, de noções claramente identificáveis como avatares do Eu e do eu divisível. Fichte cede, aliás, à tentação, desde o Fundamento, de identificar o “Eu absoluto” ao primeiro princípio, enquanto o Eu divisível, em interação dinâmica com o Não-Eu divisível, é identificado sem mais à consciência. O grande problema do fichtianismo consistiria então na clarificação das relações entre o Eu absoluto, o Eu como ideia, por um lado, e o eu limitado, a saber, a consciência, por outro. Tanto quanto dizer que a interrogação incidiria sobre a dedução da consciência a partir de um princípio supra ou infraconsciencial. E essa dedução responderia igualmente à questão da individuação. A consciência seria o Eu individual, seu surgimento corresponderia à refração da Ideia nas condições da finitude, as do mundo sensível-transcendental.
Essa interpretação de inspiração ontológica é, certamente, justificável, ou mesmo não pode deixar de ser formulada e reformulada. Ela permanece inevitável, incontornável, na medida em que se quer pensar o idealismo alemão sobre o fundo da metafísica clássica do Ocidente, do que se poderia chamar — em um sentido neutro, puramente etimológico do termo — onto-teologia. No entanto, uma leitura propriamente metafísica desse idealismo se orientaria antes para uma consideração horizontal e não vertical. A noção de sujeito, de eu, não saberia se esgotar na interrogação do advento da consciência a partir de um fundamento último apofático e absoluto. Deveria antes se dirigir para a análise da categoria do eu, do que, de tempos em tempos, Fichte designa por “Ichliches”, e que vale tanto para o primeiro princípio quanto para o terceiro, para o Eu-Ideia quanto para o eu-Consciência.
O Eu do primeiro princípio se põe incondicionalmente, tanto na forma quanto na matéria, enquanto o eu do terceiro princípio é posto de maneira condicionada, tanto na forma quanto na matéria. Em outras palavras: o “primeiro” Eu determina o eu da consciência segundo a existência e segundo a essência, a saber, sua estrutura, seus conteúdos. Por conseguinte, encontra-se uma continuidade conceitual entre eles. Sem dúvida, à primeira vista, essa continuidade não é nada evidente: acreditar-se-ia poder notar antes a diferença do que a similaridade ou a identidade. A consciência é o mundo do eu divisível-individual que existe como relação mútua da clareza e das trevas, da atividade e da passividade. A consciência, por sua natureza, não é senão um equilíbrio relativo, uma espécie de compromisso entre a luz do Eu e a obscuridade do diverso, entre um fundo de Não-Eu e conceitos que articulam esse fundo. Por outro lado, o Eu puro, absoluto, o Eu como ideia, parece ser uma realidade homogênea e indivisa, apresentando-se como uma clareza para sempre turva, como um ser ou um ato uno. No entanto, o eu não é um ser primeiro — nem mesmo no sentido dinâmico-verbal do ser — que se manteria diante de suas repercussões separadas e destacadas. O eu não é, mas antes se põe, e essa posição não o concerne apenas de maneira subsequente e secundária. O eu é — e não é — senão ao se pôr, e a posição de si, esse retorno sobre si primitivo, essa duplicidade original é a consciência. A consciência é condicionada pelo Eu do qual depende absolutamente, mas o próprio Eu não é — senão na abstração, mas seria então uma abstração ilegítima — senão em e através da consciência. A consciência é, certamente, a manifestação por excelência do para-si, mas essa realidade metafísica já é prefigurada pelo Eu puro que é, ele também, posição de si, ser-para-si. E o cumprimento histórico do fichtianismo é expor o eu em todos os planos como decorrente de um novo regime de ser, de adicionar ao ser da ontologia clássica o ser-para-si do idealismo transcendental.
Sem dúvida, essa visão do transcendental não é evidente, ela não se impôs com toda a clareza desejada ao próprio Fichte senão durante os últimos anos de sua vida, através da reflexão sobre a Imagem. Não se saberia acessar o plano desse segundo ser senão após ter conduzido a interrogação a partir das origens. É pela interrogação sobre a origem, sobre a constituição e sobre o surgimento da consciência que se pôde acessar o plano do ser transcendental, que se pôde enunciar em toda a sua radicalidade a categoria central do para-si. Mas quando a via para os começos se mostrou impraticável, impôs-se então uma reflexão referente ao ser do eu como para-si. Mais exatamente: só se acessa realmente o plano transcendental no momento em que a questão sobre a origem se transpõe na do princípio. A impraticabilidade da busca das origens não acua o filósofo ao absurdo, não o empurra para um beco sem saída onde ele deveria, por assim dizer, “se voltar” para uma especulação sobre o para-si. A busca das origens, em um sentido mais ou menos francamente cronológico, pode e deve “se subsumir” — no sentido hegeliano da expressão — em uma leitura aprofundada do transcendental. A verdade das questões ingênuas sobre o que esteve na origem da consciência, sobre o nascimento e a causa do saber, deve ser buscada na noção idealista do transcendental. Afinal, o próprio termo “princípio” viveu na história da linguagem segundo essa economia que acaba por mudar, por decantar o cronológico em principial!
A consciência é, sem dúvida, um fato, ou mesmo o fato por excelência da existência racional e, ao menos no plano empírico, constatam-se seus eclipses em si mesmo e sua perda definitiva nos outros. Põe-se então fatalmente a questão de sua origem, mas essa questão não faz muito sentido. O sujeito pensante se pergunta: o que eu era antes de ter vindo à consciência? Ora, a própria formulação da pergunta impede qualquer resposta. Pergunta-se o que se era antes de ser consciente. No entanto, só se é si mesmo como consciência, a consciência é a própria essência do eu; por conseguinte, perguntar o que se poderia ser antes de ter sido consciente equivale a se pressupor em uma condição de não consciência. Ora, sendo a consciência a essência do eu, se houvesse um momento em que ele teria sido não consciência, não poderia ter sido si mesmo. Não se pode, não se deve pôr a questão da origem da consciência pela boa razão de que não se pode se preceder. A busca das origens implica a absurda exigência de fornecer uma história da consciência antes que ela tenha sido… consciente, ou seja, antes mesmo que ela tenha realmente existido.
Essa reflexão conduz a um certo número de paradoxos que são, no entanto, implicações lógicas, inevitáveis da noção de sujeito. Busca-se o imediato que seria o princípio último da consciência, mas o imediato não é senão ideia e não vem à consciência. Mais precisamente: é a consciência pura que nunca vem à consciência. O imediato, o primeiro momento da consciência, nunca é objeto de uma apreensão refletida, de uma representação explícita. A consciência, em seu ser primitivo, é nosso eu profundo, mas desse eu profundo não se saberia tornar consciente. Não se é consciente dos primeiros passos que se dá no reino da consciência. Muito pelo contrário, já se encontra no meio das percepções conscientes, das respostas ao exterior, da acolhida do mundo. O eu nunca foi dado, ou seja, nunca se deu a si mesmo em um momento preciso. Se doação houve, ela ocorreu em um momento ou melhor, em um plano extratemporal.
A impossibilidade manifesta ou melhor, o absurdo evidente da interrogação sobre uma cronologia ou melhor, sobre um nascimento empírico da consciência conduz Fichte a escrever a Jacobi que poderia não haver nenhum começo, nenhum primeiro momento da consciência. A consciência é desde sempre, seu primeiro momento nunca é senão um “segundo” momento. E com