(Hadot2018)
Gratidão, maravilhamento: já havíamos encontrado esses sentimentos entre os epicuristas, a propósito da miraculosa coincidência entre as necessidades do ser vivo e as facilidades que a Natureza lhe proporciona. O segredo da alegria epicurista, da serenidade epicurista, é viver cada instante como se fosse o último, mas também como se fosse o primeiro. Experimentamos o mesmo maravilhamento reconhecido quando recebermos o instante como se ele fosse inesperado, ou quando o acolhemos como se ele fosse inteiramente novo:
“Se o mundo inteiro”, diz Lucrécio,“hoje, pela primeira vez, aparecesse aos mortais, se, bruscamente, de surpresa, ele surgisse diante de seu olhar, o que se poderia citar de mais maravilhoso do que esse conjunto, cuja existência a imaginação dos homens não teria ousado imaginar?”
O segredo da alegria, da serenidade epicurista, é, por fim, a experiência do prazer infinito proporcionado pela consciência de existir, nem que seja por um instante. Para bem mostrar que um único instante de existência é suficiente para conceder esse prazer infinito, os epicuristas se exercitavam a dizer a cada dia: tive todo o prazer que podia esperar. Horácio afirma: “Passará a vida alegre e senhor de si mesmo aquele que puder dizer a si mesmo, dia após dia: eu vivi”’.66 Também se vê aqui o papel do pensamento da morte no epicurismo. Dizer a cada noite:
“eu vivi”, isto é, minha vida está concluída, é praticar o mesmo exercício que consistia em dizer: hoje será o último dia de minha vida. Mas é precisamente esse exercício de conscientização da finitude da vida que revela o valor infinito do prazer de existir no instante. Na perspectiva da morte, o fato de existir, nem que seja por um instante, se reveste bruscamente de um valor infinito e proporciona um prazer de uma intensidade infinita. Só se pode dizer, sem se perturbar,“minha vida está concluída” quando se tomou consciência do fato de que já se teve tudo, neste instante da existência.
Tudo isso deve ser reposicionado, aliás, dentro de uma visão geral do universo. Graças à doutrina de Epicuro – que explica a origem do universo pela queda dos átomos no vazio aos olhos do filósofo, como o diz Lucrécio, as muralhas do mundo se afastam, todas as coisas aparecem no vazio imenso, na imensidade do todo. Assim como Metrodoro, o epicurista deve exclamar: “Lembra-te de que, nascido mortal, com uma vida limitada, tu te elevaste pelo pensamento da natureza até a eternidade e infinitude das coisas, e de que contemplaste tudo que foi e tudo que será.”
Aqui se reencontra o contraste entre o tempo finito e o tempo infinito. No tempo finito, o sábio apreende tudo que se desenrola no tempo infinito; mais exatamente, como disse Léon Robin ao comentar Lucrécio: “O sábio se situa na imutabilidade, independente do tempo, da eterna Natureza.” O sábio epicurista percebe, assim, nessa consciência do existir, a totalidade do cosmo. De certa forma, a Natureza lhe dá tudo, no instante.