Epicurismo, terapêutica da angústia

(Hadot2018)

O epicurismo é, antes de tudo, uma terapêutica da angústia. Os homens ficam aterrorizados porque acreditam que os deuses se ocupam dos homens e lhes reservam punições após a morte. Os homens se perturbam com o temor da morte, são devorados pelas preocupações e sofrimentos que resultam dos desejos insatisfeitos. E, para alguns, existe aquela inquietação moral, provocada pelo escrúpulo de agir com perfeita pureza de intenção. A prática do epicurismo emancipará os homens desses múltiplos tormentos. Os próprios deuses vivem em perfeita tranquilidade, sem ser perturbados pela preocupação de produzir o universo ou de governá-lo, visto que este último é o resultado mecânico de um encontro de átomos que existem eternamente; portanto, eles não ameaçam os homens. A alma não sobrevive ao corpo e a morte não é um acontecimento da vida; por conseguinte, a morte nada é para o homem. Os desejos só nos perturbam quando são artificiais e inúteis: é preciso rejeitar os desejos que não são naturais nem necessários; satisfazer com prudência os naturais, mas não necessários; satisfazer antes de tudo os desejos que são indispensáveis à sobrevivência da existência. Quanto à inquietação moral, ela será totalmente apaziguada se não hesitarmos em reconhecer que o homem, como todo ser vivo, é sempre conduzido pelo prazer. Se buscamos a sabedoria é simplesmente porque ela proporciona a paz da alma, isto é, no fim das contas, um estado de prazer. E, precisamente, o epicurismo propõe uma sabedoria, uma sabedoria que ensina a relaxar, a suprimir a inquietação, uma sabedoria, aliás, que só aparentemente é fácil, pois é preciso renunciar a muitas coisas para desejar apenas o que se tem certeza de obter e para submeter os desejos ao julgamento da razão. Trata-se, na realidade, de uma transformação total da vida. Ora, um dos principais aspectos dessa transformação é a mudança de atitude diante do tempo.

Para os epicuristas, os insensatos – isto é, a maioria dos homens – são corroídos por desejos insaciáveis por riquezas, por glória, por poder, pelos prazeres desordenados da carne.56 O que caracteriza todos esses desejos é que não podem ser satisfeitos no presente. Eis por que – dizem os epicuristas – “os insensatos vivem à espera dos bens futuros. Sabendo que estes são incertos, são consumidos pela ansiedade e pelo temor. E, mais tarde – esse é o pior de seus tormentos percebem que foi em vão que se apaixonaram pelo dinheiro, ou pelo poder, ou pela glória, pois não extraíram prazer algum de todas essas coisas pelas quais, na esperança de possuí-las, foram inflamados e que, para serem conquistadas, lhes custaram tão penoso esforço”. “A vida do insensato é ingrata e inquieta”, diz uma sentença epicurista: “lança-se por inteiro na direção do futuro.”