Epicurismo, prazer

(Hadot2018)

A sabedoria epicurista realmente propõe, portanto, uma transformação radical da atitude humana diante do tempo, transformação essa que deve ser efetiva a cada instante da vida. É preciso saber desfrutar do momento presente sem se deixar desviar desse prazer, evitando pensar no passado, se este for desagradável, ou no futuro, na medida em que esse futuro provoca em nós receios ou esperanças desordenadas. Somente o pensamento do agradável, do prazer, passado ou futuro, é admitido no momento presente, sobretudo quando se trata de compensar uma dor presente. Essa transformação pressupõe certa concepção do prazer segundo a qual a qualidade do prazer não depende nem da quantidade de desejos que ele satisfaz nem da duração durante a qual ele se realiza.

A qualidade do prazer não depende da quantidade de desejos que ele satisfaz. O melhor e mais intenso prazer é aquele que é menos mesclado de preocupação e que garante com mais certeza a paz da alma. Será proporcionado, portanto, pela satisfação dos desejos naturais e necessários, dos desejos essenciais, necessários à conservação da existência. Ora, esses desejos podem ser facilmente satisfeitos sem que se tenha necessidade de aguardá-los do futuro, sem que se fique entregue à incerteza e à preocupação de uma longa busca por eles. “Rendamos graças à bem-aventurada Natureza”, diz uma sentença epicurista, “que fez que as coisas necessárias sejam fáceis de alcançar e que as coisas difíceis de alcançar não sejam necessárias. É tudo que é doença da almapaixão humana, desejo da riqueza ou do poder ou da depravação – que obriga a pensar no passado ou no futuro. No entanto, o prazer mais puro, mais intenso, pode ser facilmente alcançado no presente.

O prazer não apenas não depende da quantidade de desejos satisfeitos, como, acima de tudo, não depende da duração. Não precisa ser longo para ser absolutamente perfeito. “Um tempo infinito não pode nos fazer experimentar um prazer maior do que aquele que um tempo que julgamos limitado nos faz experimentar.”

Isso pode parecer um paradoxo. Este se baseia primeiramente numa representação teórica. O prazer é concebido pelos epicuristas como uma realidade em si, que não é situada na categoria do tempo. Aristóteles já havia dito que o prazer é completo e total a cada momento de sua duração, e que seu prolongamento não modifica sua essência. A essa representação teórica se acresce, nos epicuristas, uma atitude prática. Ao se limitar àquilo que assegura a paz perfeita da alma, o prazer atinge um ápice que não pode ser ultrapassado, e é impossível aumentar esse prazer no tempo. O prazer está, por inteiro, no momento presente e não é preciso esperar o que quer que seja do futuro para aumentá-lo.