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Visão via Platonismo e Cabala em Reuchlin (Vieillard-Baron)

JLVB1988 Se Deus é o objeto por excelência da visão interior, não é, no entanto, o único objeto dessa visão. Pelo contrário, platonismo e Cabala se encontram na extraordinária riqueza do conteúdo visionário. Hierarquia e dialeticidade são os traços dominantes da concepção paralela do microcosmo e do macrocosmo, do homem e do mundo. O microcosmo, situado no meio das Sefirót, possui uma estrutura hierárquica e dialética no que diz respeito ao conhecimento. A noção de microcosmo, que Reuchlin aproxima de Tipheret — uma das Sefirót —, é platônica, pois Proclo a tematiza pela primeira vez em seu Comentário ao Timeu, mas ela já aparece nos fragmentos de Demócrito que Platão critica justamente no Timeu. O conhecimento é subdividido em três domínios encabeçados pela mens. Esses domínios não são estáticos, mas ascendentes (in isto ascensu). Primeiro: o objeto, o diáfano, o sentido externo; essas três etapas dialéticas constituem o conhecimento sensível, tanto a parte rei quanto a parte subjecti. A segunda região compreende: o sentido interno, a imaginação ativa (phantasia) e o juízo bruto (judicium brutum); a associação da imaginação ao sentido interno, sua posição intermediária, explica o papel ativo que ela desempenha na visão espiritual. E a terceira região sobe gradualmente do juízo humano à razão e depois ao intelecto. Por fim, a Mens, que engloba os nove níveis anteriores sem constituir um décimo, é a única que permite a própria visão espiritual. Platonismo e Cabala também se encontram na noção de reminiscência: para os cabalistas, o mundo terreno é noite, e o mundo superior é dia. “Lá vivem escravos, aqui vivem homens livres. Àqueles é preciso dizer: Atenção, cuidado, observai. A estes: lembrai-vos, recordai, rememorai”. A reminiscência é o preceito positivo que permite aos sábios e crentes acessar o conhecimento verdadeiro. Esse conhecimento, acessível ao olho interior do homem, é apresentado sob a forma tradicional da cadeia. Excelente comparatista, Reuchlin explica: “segundo vossa expressão, é a cadeia de Homero; para nós, judeus, que falamos conforme a palavra de Deus, é a escada de nosso pai Jacó”. Não se trata aqui das “cadeias de razões” admiradas por Descartes, mas dos elos da tradição que, de sábio em sábio, transmitiram a revelação sagrada. Em Marsílio Ficino, Cristo, Orfeu e Zoroastro desempenham o papel essencial. Mas é também a cadeia que liga as realidades mais modestas a Deus, tudo estando conectado elo após elo, sem que nenhuma realidade seja indiferente ou rejeitada. A divisão radical entre um mundo superior e um mundo inferior, sensível, implica relações estreitas de correspondências: antes do pecado original, dizem os cabalistas, havia a divina coabitação (Shekhinah) que unia o céu e a terra, submetendo o alto e o baixo ao influxo divino. Reuchlin não aceita a tese dos cabalistas segundo a qual a construção do Templo por Salomão teria restabelecido os canais por onde passa o influxo divino; ele prefere a tese de que haveria não mais um intercâmbio, mas apenas um paralelismo entre o santuário celeste e o terrestre. Disso resulta que há dois paraísos, um terrestre e outro celeste, duas cidades, a Jerusalém terrestre e a Jerusalém celeste. São imagens que traduzem o dualismo fundamental que dissocia o mundo invisível. Mas é sempre este último que dá sentido ao primeiro: uma leitura científica e racionalista do mundo sensível é, portanto, rejeitada. A estrutura do macrocosmo se apoia em fontes diversas, seja o Timeu de Locres ou Isaías. Reuchlin distingue três mundos, mantendo-se fiel ao dualismo já mencionado. São eles: o mundo arquétipo (exemplar) ou mundo da divindade, o mundo cópia (exemplum) ou mundo inteligível das formas, e, por fim, o exemplarium ou mundo corpóreo e sensível. Regras extraídas do Timeu ou da Cabala asseguram a correspondência. Reuchlin não decide entre essa cosmologia grega e a da Cabala, que ele expõe assim: A morada de Deus é chamada mundo dos anjos, Olam ha-malakim; o mundo dos orbes ou das esferas é animado pelo influxo dos anjos, Olam ha-galgalim; abaixo dele está o mundo dos elementos, Olam ha-yesodot, dirigido pelos influxos dos anjos e das esferas; nele está o homem, o microcosmo, Olam ha-qatan, no qual brilham as propriedades de todas as criaturas, das mais elevadas às mais baixas. Pode-se dizer que, com prudência, Reuchlin cumpre sua tarefa cosmológica seguindo a inspiração platônica em seus quadros gerais e introduzindo neles a riqueza dos materiais extraídos da Cabala. Se nos colocamos do ponto de vista da Geistesgeschichte para avaliar o De Arte Cabbalistica, ele aparece como uma das bases da Cabala cristã, junto com as Conclusiones de Pico. Do ponto de vista do platonismo, ele herda de Marsílio Ficino e do platonismo florentino, que associava Platão ao Corpus Hermeticum e à magia branca. Essa herança mesclada de platonismo e Cabala será cuidadosamente recolhida quase um século depois por Robert Fludd e os platônicos de Cambridge, Henry More (grande admirador da Cabala) e Ralph Cudworth (o mais erudito platônico de seu tempo). A associação entre platonismo e Cabala, inaugurada com brilho por Pico e Reuchlin, terá seus prolongamentos no século XVIII com o Platonismo Desvelado do protestante Souverain, com o Magikon de J. F. Kleuker no final do século na Alemanha, e com o círculo de Hemsterhuis nos Países Baixos. Esse é um terreno ainda pouco explorado.

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