Onfray (2015) – Uma ontologia materialista
ONFRAY, Michel. Cosmos: une ontologie matérialiste. Paris: Flammarion, 2015.
Ainda que a trajetória intelectual pregressa tenha resultado na publicação de mais de oitenta volumes versando sobre uma multiplicidade de disciplinas que inclui a ética, a estética, a bioética, a política, a erótica, a religião, a psicanálise e a gastrosofia, somada à produção de haicais, prosas poéticas, narrativas de viagem, crítica de arte contemporânea, diários hedonistas e uma extensa contra-história da filosofia, a presente obra, intitulada Cosmos, impõe-se fenomenologicamente como se fosse a escritura inaugural, a despeito de todos os livros anteriores terem fluído necessariamente para este momento como rios que, em última instância, convergem para o mar.
A gênese desta ontologia materialista encontra-se inextricavelmente vinculada a uma ruptura existencial definitiva provocada pela morte do pai, um evento que cinde a biografia em duas metades irreconciliáveis e torna qualquer perda subsequente, inclusive a de uma companheira, uma ocorrência de natureza distinta; tal confronto com a realidade material do caixão sobre a laje de concreto, em oposição à decomposição orgânica na terra, obriga a uma reavaliação crítica e concreta da inadequação semântica e prática da expressão fazer o luto.
A noção convencional de fazer o luto revela-se uma falácia linguística e existencial, porquanto não se executa o pesar com a mesma agência pragmática aplicada às tarefas domésticas ou ao ordenamento cotidiano; o que ocorre de fato é uma sobrevivência mecânica impulsionada pela necessidade ou pela fraqueza de não se ter optado pelo suicídio, resultando em uma continuidade reflexa da vida onde se compõe uma aparência de normalidade enquanto o outro se decompõe, num processo marcado pela consciência da futilidade e insignificância dessa mesma composição.
Cada ocorrência da morte constitui uma singularidade irredutível, cujas variáveis — a idade do falecido, seja um recém-nascido ou um centenário, o grau de intimidade, a natureza da causa mortis, seja suicídio, assassinato ou doença, e o momento cronológico da vida do sobrevivente — impedem qualquer generalização, fazendo com que a experiência da perda de um pai na infância difira radicalmente daquela vivenciada na senectude, estabelecendo contextos emocionais incomparáveis.
A tentativa de viver filosoficamente enfrenta seu teste supremo quando a morte transita de um conceito abstrato para um objeto pessoal, especificamente a morte na segunda pessoa descrita por Jankelevitch, onde a meditação sobre a imortalidade da alma no Fédon de Platão ou as promessas escatológicas dos Evangelhos mostram-se inócuas para quem não partilha da fé, assim como os argumentos estoicos sobre a inevitabilidade do destino ou a insignificância das representações mostram-se incapazes de mitigar a densidade real do sofrimento e do desgosto.
O possível consolo da tradição filosófica revela sua impotência diante do luto concreto: o argumento de Epicuro, segundo o qual a morte nada é pois quando ela está presente nós não estamos, aplica-se apenas à morte na primeira pessoa e silencia sobre a dor da perda do outro; o materialismo de Lucrécio, que promete a sobrevivência sob a forma de átomos, oferece pouco conforto a quem chora a perda da forma humana específica; as exortações de Montaigne e Cícero de que filosofar é aprender a morrer falham perante a unicidade do evento; a racionalização de Schopenhauer sobre a preservação da espécie em detrimento do indivíduo é irrelevante para a dor pessoal; a paciência sideral exigida pelo eterno retorno de Nietzsche é exaustiva; e o próprio Jankelevitch termina por confessar a impossibilidade de qualquer afirmação conclusiva sobre o tema.
Diante da vacuidade das retóricas, sofísticas e ficções consoladoras que a razão oferece mas que o corpo em sofrimento rejeita, a única superação autêntica reside em conceber a morte como uma herança ética, onde o sobrevivente honra a memória daqueles que viveram com bondade e generosidade laicas através da fidelidade aos seus princípios, incorporando suas virtudes e perpetuando sua potência de existir, agindo sob o olhar internalizado do desaparecido e retomando sua arte de produzir doçura.
O propósito de Cosmos, subtitulado Uma ontologia materialista, consiste em transmutar a catástrofe da perda em fidelidade ética, estruturando-se na forma de um pentagrama de pentagramas dividido em cinco partes que exploram, respectivamente: a recuperação do tempo virgiliano e sereno do pai; a compreensão da vida como uma força situada além do bem e do mal; a aceitação das consequências da tese de Darwin sobre a continuidade entre homem e animal; a meditação sobre o cosmos como lugar genealógico de uma sabedoria pagã e imanente; e, finalmente, a experiência do sublime decorrente da tensão entre a vastidão do espetáculo mundano e a finitude da consciência humana.
