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Onfray (2015) – "Decadência do Ocidente"
ONFRAY, Michel. L’été sans bord Journal hédoniste. Paris: Albin Michel, 2025.
Morfologia das Civilizações e a Dicotomia Filosófica Franco-Germânica
- A recepção da obra de Oswald Spengler opera frequentemente sob um reflexo condicionado onde o reconhecimento do nome precede a leitura efetiva, limitando-se habitualmente ao título de sua obra capital, O Declínio do Ocidente, ignorando-se o fato de que este pensador alemão desenvolve uma morfologia das civilizações análoga à biologia, na qual as culturas são compreendidas como organismos vivos sujeitos aos ciclos de nascimento, crescimento, apogeu, declínio e morte, uma metodologia herdada dos estudos botânicos de Johann Wolfgang von Goethe e de sua A Metamorfose das Plantas.
- Existe uma distinção metodológica fundamental entre o pensamento filosófico alemão e o francês, na qual a tradição germânica, representada por figuras como Immanuel Kant, Georg Wilhelm Friedrich Hegel e o próprio Oswald Spengler, tende a impor uma grelha de leitura esquemática, dialética e transcendental sobre o real, priorizando a Ideia, o Conceito e o Espírito com maiúsculas em detrimento da realidade tangível, enquanto a filosofia francesa da história, exemplificada por autores como Jacques Benigne Bossuet, Montesquieu e Voltaire, inclina-se a observar o real em sua sinuosidade e complexidade intrínseca sem o subjugar a sistemas pré-concebidos.
- A crítica à sistematização alemã revela que, sob a aparência de uma estrutura teórica densa e militarizada, muitas vezes reside uma substância rarefeita, conforme ilustrado pela anedota de Victor Cousin sobre a culinária de Berlim, sugerindo que a grandiloquência terminológica hegeliana sobre a realização do Conceito ou da Razão na História não passa de uma secularização da teoria da Providência divina, na qual Deus é renomeado por termos filosóficos abstratos sem alterar a essência teológica subjacente.
Michel Houellebecq, o Ensaísmo Vitalista e o Assassinato do Ocidente
- Michel Houellebecq, ao receber o prêmio Oswald Spengler, encarna a tradição do ensaísmo francês na linhagem de Michel de Montaigne, caracterizada não pela tentativa incerta, mas pela capacidade de acompanhar os meandros e a vitalidade do real através do estilo, contrapondo-se ao esquematismo alemão que fossiliza o objeto de estudo; o romancista, embora rejeite o rótulo de ensaísta em favor da ficção, demonstra em sua obra uma compreensão mais profunda do declínio ocidental contemporâneo do que muitos historiadores acadêmicos, validando a literatura como veículo superior de verdade sociológica, tal como a Comédia Humana de Honore de Balzac o foi para o século XIX.
- A análise da condição geopolítica atual transcende o conceito de declínio ou mesmo de suicídio para identificar um processo de assassinato premeditado, cujo agente perpetrador é a União Europeia, descrita como uma entidade imperial que visa a expansão de seu espaço vital em detrimento da soberania das nações que a compõem, operando uma vassalagem ontológica que destrói a configuração de nações associadas em favor de um centralismo burocrático, contando com a cumplicidade de elites locais.
- A concordância de Michel Houellebecq com Oswald Spengler reside nas conclusões acerca do ocaso civilizacional, mas diverge no modo de raciocínio, uma vez que o autor francês adota uma perspectiva vitalista que aplica a finitude não apenas às civilizações, mas aos indivíduos, correlacionando a rigidez intelectual do envelhecimento com a perda da plasticidade cerebral, uma visão que remete à arquitetônica de Arthur Schopenhauer onde o cérebro atua como mediador material entre a Vontade e a Representação.
Reinterpretação Biológica: Darwin, Schopenhauer e a Luta pela Reprodução
- A formação científica em agronomia e genética de populações permite uma releitura do darwinismo que desloca a centralidade da luta pela sobrevivência para a luta pela reprodução, conforme postulado em A Origem do Homem de Charles Darwin, alinhando-se à metafísica do amor de Arthur Schopenhauer, na qual o sentimento amoroso e a atração sexual são estratagemas da Vontade da espécie para garantir a perpetuação biológica, transformando o discurso romântico em uma expressão inconsciente de aptidão reprodutiva.
- Observa-se na natureza uma dicotomia comportamental onde os machos, impelidos pela necessidade de inseminar o maior número de fêmeas no menor tempo possível, desenvolvem ornamentos e comportamentos arriscados, enquanto as fêmeas, encarregadas da sobrevivência da prole, adotam posturas mais discretas e voltadas à preservação, contudo, na espécie humana, que ocupa a posição de predador absoluto desprovido de ameaças naturais externas, ocorre uma inversão estética na qual o elemento feminino assume a função decorativa.
- A interpretação vitalista estende-se à refutação do darwinismo social de Herbert Spencer, que legitimava o liberalismo econômico através da sobrevivência do mais apto, para abraçar a perspectiva de Piotr Kropotkine em O Apoio Mútuo, que identifica a solidariedade e o altruísmo como vetores evolutivos superiores nas espécies sociais, exemplificado pela organização das alcateias de lobos que mantêm sistemas de amparo aos indivíduos incapazes, sugerindo uma hierarquia moral onde o loup e o cão superam o ser humano atual.
A Singularidade Econômica e a Síntese Política Schopenhauer-Comte
- A lógica evolutiva aplicada à economia e à cultura sugere que a melhor estratégia de sobrevivência não reside na competição direta pela produção de bens idênticos com maior eficiência, mas na adaptação a nichos ecológicos onde a concorrência inexiste, valorizando a subjetividade e a singularidade como motores da evolução; transposto para a riqueza das nações, isso implica que a prosperidade advém da capacidade de produzir aquilo que é único e irreplicável, opondo a genialidade particular, como a vinicultura francesa, à produção em massa indiferenciada.
- A aparente incompatibilidade entre o vitalismo pessimista de Arthur Schopenhauer e o positivismo de Auguste Comte é resolvida na obra houellebecquiana pela convergência na necessidade política e social da religião, reconhecendo que o homem é um animal social de tipo religioso e que a fundação de qualquer ordem política estável requer um substrato transcendente ou espiritual que valide o contrato social, uma vez que o fracasso do positivismo religioso de Comte deveu-se à subestimação do desejo humano de imortalidade.
- A filosofia política derivada de Arthur Schopenhauer fundamenta-se em uma ontologia negativa onde o homem é intrinsecamente violento e injusto, necessitando de um Estado forte que detenha o monopólio da violência para garantir a ordem, rejeitando o otimismo antropológico de Jean-Jacques Rousseau em favor de um modelo hobbesiano e aristocrático que preconiza o governo de uma elite intelectual e biológica, assemelhando-se à República de Platao, e que vê na religião o cimento necessário para a coesão nacional, como observado na persistência histórica do povo judeu.
Transhumanismo, Demografia e o Paradoxo do Otimismo Trágico
- A lacuna deixada pela incapacidade das religiões seculares de oferecerem a imortalidade encontra no transhumanismo contemporâneo uma nova via de realização, propondo uma civilização planetária e tecnológica que promete a extensão indefinida da vida, o que paradoxalmente poderia ressuscitar a necessidade de uma religião para os imortais, compatível com espiritualidades sincréticas e neopagãs como a wicca, que amalgamam elementos mitológicos diversos e crenças na reencarnação, alinhando-se a uma cosmovisão pós-ocidental.
- A análise demográfica revela que os picos de natalidade, como o baby-boom de 1942 na França, não se correlacionam com momentos de prosperidade e felicidade, mas sim com períodos de desespero e negatividade social extrema, sugerindo que a reprodução atua como uma resposta vitalista de última instância diante da catástrofe, o que permite vislumbrar, através de uma razão histórica não linear, a possibilidade de um renascimento demográfico e religioso no próprio epicentro do declínio ocidental.
- A posição final diante da história não se enquadra nas categorias simples de otimismo ou pessimismo, mas assume um caráter trágico que encara a realidade sem ilusões, reconhecendo a morte irreversível da civilização judaico-cristã tal como existiu, ao mesmo tempo em que, seguindo a aposta de Michel Houellebecq, admite-se a incerteza do futuro como uma forma de esperança paradoxal, onde o esgotamento de um ciclo civilizacional pode, contra todas as previsões racionais, engendrar novas formas de sacralidade e persistência vital.
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