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Onfray (2015) – As formas líquidas do tempo
ONFRAY, Michel. Cosmos: une ontologie matérialiste. Paris: Flammarion, 2015.
A Abordagem Empírica e Sensível da Temporalidade
- A definição do tempo deve preterir a abordagem transcendental em favor de uma perspectiva empírica que, conforme explorado na obra As formas líquidas do tempo, demonstra a inexistência do tempo perdido ao se mobilizar não uma apreensão puramente cerebral ou conceitual, mas uma inteligência sensual e uma memória afetiva capazes de resgatar o passado através de sinestesias e correspondências poéticas, como exemplificado pela recuperação de uma safra de champanhe antiga.
- A grandeza filosófica de Bergson é suplantada pela narrativa romanesca de Proust, o qual, ao narrar o tempo perdido e reencontrado em vez de dissecá-lo como um filósofo institucional, demonstra que a filosofia atinge seu ápice quando não exercida por profissionais da disciplina, da mesma forma que a intuição do instante em Bachelard se engrandece ao ser confrontada com uma poética dos espaços domésticos ou com a fenomenologia olfativa de um almoço dominical.
A Pedagogia Silenciosa da Natureza e o Trabalho
- A investigação sobre o tempo, desenvolvida em As Geórgicas da alma, afasta-se das definições curriculares para reencontrar a temporalidade na experiência da infância e na observação da natureza, onde a metodologia de trabalho é absorvida silenciosamente através da contemplação da ordem imposta a uma horta, cujos alinhamentos e disposições espaciais ensinam o gosto pela tarefa bem executada sem a necessidade de instrução verbal.
- A conexão entre o trabalho e a experiência sensorial, narrada anteriormente no prefácio de A Razão gourmande, estabelece que a natureza constitui a cultura primordial, exigindo um longo discernimento para separar a cultura deletéria, que aliena o ser humano do mundo natural, daquela benéfica, que promove o retorno à essência terrena através de odores e sabores que transfiguram a percepção da realidade.
Crítica à Textolatria e o Tempo Genealógico versus Niilismo
- A pretensão dos textos religiosos fundadores de abolir outras literaturas e monopolizar a explicação do real é refutada pela sabedoria prática observada no jardim, que se revela uma biblioteca superior, ensinando que a verdadeira grandeza de um livro reside na sua capacidade de incitar o leitor a abandonar a leitura para voltar sua atenção aos detalhes do mundo tangível.
- O tempo genealógico, regido pelos ritmos naturais e vivido por aqueles que trabalham a terra, opõe-se radicalmente ao tempo contemporâneo, caracterizado como um tempo morto, niilista e virtual, composto por instantes dissociados de memória e futuro, imposto por mecanismos tecnológicos que substituem a realidade material pela desmaterialização das telas e pela esterilidade urbana.
- O esquecimento do tempo virgiliano e a ignorância dos ciclos naturais constituem a causa e a consequência do niilismo atual, pois a vida confinada em estruturas de concreto e aço, isolada da biosfera e submersa em poluição e vigilância eletrônica, reduz o ser humano à condição de objeto entre objetos, impossibilitando a compreensão de seu lugar no cosmos e perpetuando uma existência de sepultamento em vida.
A Sabedoria Nômade e a Resistência à Civilização Sedentária
- A análise do povo cigano em Depois de amanhã, amanhã será ontem revela uma coletividade que preserva o sentido do cosmos, a oralidade e o silêncio, resistindo à ditadura do trabalho produtivista e ao conceito de pecado original, vivendo em consonância com o tempo dos astros em detrimento do tempo cronométrico imposto pela civilização sedentária.
- A existência natural das tribos nômades constitui uma afronta à vida mutilada dos não ciganos, pois a persistência de suas tradições atesta a memória de uma humanidade pré-sedentária que privilegiava a meditação e a convivência simbiótica com os animais, contrastando com a barbárie moderna do transporte de massa e do abate industrial, sendo a perseguição histórica a esse povo um sintoma do pesar pela liberdade perdida.
O Tempo Material, a Força Estelar e o Hedonismo
- A hipótese apresentada em A dobradura das forças em formas sugere que o tempo reside intrinsecamente em cada célula da matéria, sendo a manifestação de uma cadência estelar colapsada que dita o ritmo biológico de todas as entidades, desde minerais e plantas até os seres humanos, que portam relógios internos com tensões desiguais determinadas pelo cosmos.
- A abolição do tempo longo, historicamente associado ao passo do cavalo e vigente desde a Antiguidade até o século XIX, foi precipitada pela invenção do motor e das máquinas de tempo virtual, gerando a necessidade, explorada em Construção de um contratempo, de se inventar um contratempo hedonista que, numa apropriação infiel da lição de Nietzsche, selecione aquilo que se deseja ver repetido eternamente.
- A alma humana é uma entidade material que carrega a memória de uma duração situada além do bem e do mal, a qual a civilização busca domesticar e rentabilizar, transformando a força estelar a priori, que é a própria velocidade da matéria e a definição do vivo, em tempo mensurável, ocultando a permanência do ritmo cósmico que nos constitui.
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