Kierkegaard (CA): instante
O instante designa o presente como um tal que não tem pretérito nem futuro; pois é aí que reside justamente, aliás, a imperfeição da vida sensual. O eterno significa igualmente o presente, que não possui nenhum passado e nenhum futuro, e esta é a perfeição do eterno.
Se se quiser usar agora o instante para com ele definir o tempo, e fazer o instante designar a exclusão puramente abstrata do passado e do futuro e, como tal, o presente, então o instante não será exatamente o presente, pois o intermediário entre o passado e o futuro, pensado de maneira puramente abstrata, simplesmente não é nada. Mas assim se vê que o instante não constitui uma mera determinação do tempo, dado que a determinação do tempo é apenas que ele passa (e se vai), razão por que o tempo – se há de ser definido por qualquer das determinações que se manifestam no tempo – é o tempo passado. Se, ao invés, o tempo e a eternidade se tocarem um no outro, então terá de ser no tempo, e agora chegamos ao instante.
“O instante” é (na língua dinamarquesa) uma expressão figurativa, e até aí não é tão bom ter de lidar com ela. Contudo, é uma bela palavra para examinar. Nada é tão rápido quanto uma olhadela e, contudo, ela é comensurável com o conteúdo do eterno. Assim, quando Ingeborg mira o oceano à procura de Frithiof, temos uma imagem para o que esta expressão figurativa significa. Um arroubo de seu sentimento, um suspiro, uma palavra, por serem sonoros, já teriam neles, como som, antes a determinação do tempo, e seriam mais presentes como algo que se esvai, e não têm tanto a presença do eterno em si, como, aliás, também por isso, um suspiro, uma palavra, etc., têm poder para aliviar a alma de um peso que acabrunha, justamente porque este peso acabrunhante, apenas expresso, já começa a tornar-se algo de passado. Uma olhada, por isso, constitui uma designação do tempo, porém, bem entendido, do tempo nesse conflito fatal ] em que é tocado pela eternidade ]. Aquilo que denominamos o instante, Platão chama τὸ ὲξαίφνης (o súbito). Qualquer que seja sua explicação etimológica, sempre estará relacionada afinal com a categoria do invisível; porque o tempo e a eternidade eram entendidos de modo igualmente abstrato, dado que se carecia do conceito de temporalidade, e o motivo era que faltava o conceito de espírito. Em latim, ele se chama momentum, que pela derivação (de movere) expressa apenas o mero desaparecer ].
Entendido dessa forma, o instante não é, propriamente, um átomo do tempo, mas um átomo da eternidade. É o primeiro reflexo da eternidade no tempo, sua primeira tentativa de, poderíamos dizer, fazer parar o tempo. Por isso o mundo grego não compreendia o instante, pois, ainda que chegasse a entender o átomo de eternidade, não chegava a entender que este equivale ao instante; não o definia como avançando, mas como o que recuava, porque, para o mundo grego, o átomo de eternidade era essencialmente a eternidade, e assim não se fazia verdadeiramente justiça nem ao tempo nem à eternidade.
A síntese do temporal e do eterno não é uma outra síntese, mas é a expressão daquela primeira síntese, segundo a qual o homem é uma síntese de alma e corpo, que é sustentada pelo espírito. Tão logo o espírito é posto, dá-se o instante. Por isso, pode-se dizer, com justiça, de um homem, como uma censura, que ele vive apenas no instante, dado que isso só ocorre por uma abstração arbitrária. A natureza não se situa no instante.
(KIERKEGAARD, Søren. O conceito de angústia : uma simples reflexão psicológico-demonstrativa direcionada ao problema dogmático do pecado hereditário. Tr. Álvaro Luiz Montenegro Valls. Petrópolis: Vozes, 2017 (epub))
