Descombes (1991:545-576) – quatro questões sobre “eu” e “si”

destaque

1) Uma questão de gramática filosófica: quais diferenças notáveis existem, do ponto de vista do emprego, entre estas palavras que nós preguiçosamente colocamos em uma única categoria de pronomes pessoais (e particularmente aqui eu, mim, ele/ela, si).

2) Uma questão de filosofia da ação: qual é o status das intenções de agir? Eles são principalmente propriedades da ação ou propriedades do agente?

3) Uma questão de metafísica: Devemos distinguir, como propõe Ricœur, dois conceitos de identidade, identidade como semelhança (idem) e identidade como ipseidade (ipse)?

4) Uma questão de filosofia da mente: o que é esse eu que aparece na expressão autoconsciência?


A “disputa do Cogito” desenrola-se sobre pronomes pessoais. Por um lado, a filosofia do eu invoca um sujeito rebelde a qualquer “objetificação”. Sobre este assunto, não há dúvida no discurso, a menos que ele decida se perguntar, na primeira pessoa. Do lado oposto, simetricamente, é chamado um “julgamento sem sujeito”, que deve ser falado na terceira pessoa: “Ele pensa em mim”, “fala”, etc. Assim, esta doutrina do anticogito é tão bem oposta à primeira que dela compartilha a premissa decisiva: não há verdadeiro sujeito senão à primeira pessoa.

Agora, a filosofia prática, cujo objetivo é detalhar as formas e os fins da ação humana, exige que este caso seja esclarecido a partir de pronomes pessoais. De fato, as duas doutrinas opostas na disputa têm outro ponto em comum. Ambas tendem a dificultar a concepção da ação humana como tal. A egologia não é favorável a uma verdadeira filosofia prática, porque se inclina ao solipsismo. Para o ego dos filósofos, a vida na sociedade sempre parece ser uma opção facultativa. Quanto à doutrina oposta, a que desafia as reivindicações desse ego filosófico, sustenta precisamente que as coisas acontecem literalmente sem nós. A nela crer, o que se toma por um agente, um sujeito prático, é mais uma espécie de bolha de “subjetivação” no fluxo de conjunto, bolha suscitada por insidiosos “dispositivos” ou “aparelhos”.

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