Deleuze (EFP:68-72) – afecções e afetos

Lins & Lins

1°) — As afecções (affectio) são os próprios modos. Os modos são as afecções da substância ou dos seus atributos (Ética, I, 25, cor.; I, 30, dem.). Estas afecções são necessariamente ativas, já que se explicam pela natureza de Deus como causa adequada, e porque Deus não pode padecer.

2°) Em um segundo grau, as afecções designam o que acontece ao modo, as modificações do modo, os efeitos dos outros modos sobre este. De fato, estas afecções são imagens ou marcas corporais (II, post. 5; II, 17, esc.; III, post. 2); e as suas ideias englobam ao mesmo tempo a natureza do corpo afetado e a do corpo exterior afetante (II, 16). “Chamaremos imagens das coisas as afecções do corpo humano cujas ideias representam os corpos exteriores como se estivéssemos presentes… e, quando o espírito contempla os corpos sob essa relação, diremos que ele imagina.”

3°) Mas essas afecções-imagens ou ideias formam certo estado (constitutio) do corpo e do espírito afetados, que implica mais ou menos perfeição que o estado precedente. De um estado a outro, de uma imagem ou ideia a outra, há portanto transições, passagens vivenciadas, durações mediante as quais passamos para uma perfeição maior ou menor. Ainda mais, esses estados, essas afecções, imagens ou ideias, não são separáveis da duração que as relaciona ao estado precedente e as induzem ao estado seguinte. Essas durações ou variações contínuas de perfeição são chamadas “afetos”, ou sentimentos (affectus).

[56] Observou-se que, em regra geral, a afecção (affectio) se referia diretamente ao corpo, ao passo que o afeto (affectus) se referia ao espírito. Mas a verdadeira diferença não está aí. Ela existe entre a afecção do corpo e sua ideia que envolve a natureza do corpo exterior, por uma parte, e, por outro lado, o afeto que implica tanto para o corpo como para o espírito um aumento ou uma diminuição da potência de agir. A affectio remete a um estado do corpo afetado e implica a presença do corpo afetante, ao passo que o affectus remete à transição de um estado a outro, tendo em conta a variação correlativa dos corpos afetantes. Existe, pois, uma diferença de natureza entre as afecções-imagens ou ideias, e os afetos-sentimentos, se bem que os afectos-sentimentos possam ser apresentados como um tipo particular de ideias ou de afecções: “Por afetos, entendo as afecções do corpo pelas quais a potência de agir desse mesmo corpo é aumentada ou diminuída, favorecida ou impedida…” (III. def. 3); “Um afeto, que chamamos paixão da alma, é uma ideia confusa pela qual o espírito afirma uma força de existir de seu corpo maior ou menor que antes” (III. def. geral dos Afetos). É certo que o afeto supõe uma imagem ou ideia, e dela deriva como da sua causa (II. ax. 3). Contudo, não se reduz a ela; possui outra natureza, sendo puramente transitivo, e não indicativo ou representativo, sendo experimentado numa duração vivida que abarca a diferença entre dois estados. Eis por que Espinosa mostra que o afeto não é uma comparação de ideias, e recusa assim toda interpretação intelectualista: “Quando eu falo de uma força de existir maior ou menor que antes, não entendo que o espírito compara o estado presente do corpo com o passado, mas que a ideia que constitui a forma do afeto afirma do corpo algo que envolve efetivamente mais ou menos realidade que antes” (III. def. geral).

Um modo existente define-se por certo poder de ser afetado (III, post. 1 e 2). Quando encontra outro modo, pode ocorrer que esse outro modo seja “bom” para ele, isto é, se componha com ele, ou, ao inverso, seja “mau” para ele e o decomponha: no primeiro caso, o modo existente passa a uma perfeição maior; no segundo caso, menor. Diz-se, conforme o caso, que a sua potência de agir ou força de existir aumenta ou diminui, visto que a potência do outro modo se lhe junta, ou,. ao contrário, se lhe subtrai, imobilizando-a e fixando-a (IV. 18. dem.). A passagem a uma perfeição maior ou o aumento da potência de agir denomina-se afeto ou sentimento de alegria·, a passagem a uma menor perfeição ou a diminuição da potência de agir. tristeza. É assim que a potência de agir varia em função das causas exteriores, para um mesmo poder de ser afetado. O afeto-sentimento (alegria ou tristeza) emana de uma afecção-imagem ou ideia que ela supõe (ideia do corpo que convém ou não com o nosso); e, quando o afeto retorna à ideia de que provém, a alegria torna-se amor, e a tristeza, ódio. É desse modo que as diversas séries de afecções e de afetos preenchem constantemente, ainda que sob condições variáveis, o poder de ser afetado (III. 56).

Na medida em que nossos sentimentos ou afetos provêm do encontro exterior com outros modos existentes, eles explicam-se pela natureza do corpo afetante e pela ideia necessariamente inadequada desse corpo, imagem confusa envolvida no nosso estado. Tais afetos são paixões, visto que não somos a sua causa adequada (III, def. 2). Mesmo os afetos baseados na alegria, que se definem pelo aumento da potência de agir, são paixões: a alegria é ainda uma paixão “enquanto a potência de agir do homem não cresceu a ponto de que ele se conceba adequadamente, a si mesmo e às suas próprias ações” (IV. 59, dem.). Mesmo que nossa potência de agir cresça materialmente, nem por isso deixamos de ser passivos, separados dessa potência, na medida em que não a dominamos formalmente. Eis por que, do ponto de vista dos afetos, a distinção fundamental entre dois tipos de paixão, paixões tristes e paixões alegres, prepara outra distinção bem diversa entre as paixões e as ações. De uma ideia como a de affectio, decorrem sempre afetos. Todavia, se a ideia for adequada em vez de uma imagem confusa, se ela exprimir diretamente a essência do corpo afetante em vez de envolvê-lo indiretamente no nosso estado, se ela for a ideia de uma affectio interna ou de uma auto-afecção que marca a conveniência interior de nossa essência, das outras essências e da essência de Deus (terceiro gênero de conhecimento), nesse caso, os afetos que dela se originam serão eles mesmos ações (III, 1). Não só esses afetos ou sentimentos ativos podem apenas ser alegrias e amores (III. 58 e 59), mas também alegrias e amores muito especiais, visto que não se definem mais por um aumento da nossa perfeição ou potência de agir, porém, pela plena posse formal dessa potência ou perfeição. Para essas alegrias ativas devemos reservar o nome de beatitude: aparentemente elas conquistam-se e desenrolam-se na duração, tal como as alegrias passivas, mas, na realidade, são eternas e não se explicam mais pela duração; elas não implicam mais transições e passagens, mas exprimem-se todas umas às outras segundo um modo de eternidade, juntamente com as ideias adequadas das quais procedem (V. 31-33). (p. 55-58)

Original

1° Les affections (affectio) sont les modes eux-mêmes. Les modes sont les affections de la substance ou de ses attributs (Ethique, I, 25 cor. ; I, 30 dém.). Ces affections sont nécessairement actives, puisqu’elles s’expliquent par la nature de Dieu comme cause adéquate, et que Dieu ne peut pas pâtir.

2° A un second degré, les affections désignent ce qui arrive au mode, les modifications du mode, les effets des autres modes sur lui. Ces affections sont donc d’abord des images ou traces corporelles (II, post. 5 ; II, 17, sc. ; III, post. 2) ; et leurs idées enveloppent à la fois la nature du corps affecté et celle du corps extérieur affectant (II, 16). « Nous appellerons images des choses les affections du corps [68] humain, dont les idées représentent les corps extérieurs comme nous étant présents… et, quand l’esprit contemple les corps sous ce rapport, nous dirons qu’il imagine. »

3° Mais ces affections-images ou idées forment un certain état (constitutio) du corps et de l’esprit affectés, qui implique plus ou moins de perfection que l’état précédent. D’un état à un autre, d’une image ou idée à une autre, il y a donc des transitions, des passages vécus, des durées par lesquelles nous passons à une perfection plus grande ou moins grande. Bien plus, ces états, ces affections, images ou idées ne sont pas séparables de la durée qui les rattache à l’état précédent et les fait tendre à l’état suivant. Ces durées ou variations continues de perfection s’appellent « affects », ou sentiments (affectus).

On a remarqué que, en règle générale, l’affection (affectio) se disait directement du corps, tandis que l’affect (affectus) se rapportait à l’esprit. Mais la vraie différence n’est pas là. Elle est entre l’affection du corps et son idée qui enveloppe la nature du corps extérieur, d’une part, et, d’autre part, l’affect qui enveloppe pour le corps comme pour l’esprit une augmentation ou diminution de la puissance d’agir. L’affectio renvoie à un état du corps affecté et implique la présence du corps affectant, tandis que Vaffec-tus renvoie au passage d’un état à un autre, compte tenu de la variation corrélative des corps affectants. Il y a donc une différence de nature entre les affections-images ou idées, et les affects-sentiments, bien que les affects-sentiments puissent être présentés comme un type particulier d’idées ou d’affections : « Par affects, j’entends les affections du corps par lesquelles la puissance d’agir de ce corps même est augmentée ou diminuée, favorisée ou empêchée… » [69] (III, déf. 3) ; « Un affect, qu’on appelle passion de l’âme, est une idée confuse par laquelle l’esprit affirme une force d’exister de son corps plus grande ou moins grande qu’auparavant… » (III, déf. gén. des affects). Il est certain que l’affect suppose une image ou idée, et en découle comme de sa cause (II, ax. 3). Mais il ne s’y réduit pas, il est d’une autre nature, étant purement transitif, et non pas indicatif ou représentatif, étant éprouvé dans une durée vécue qui enveloppe la différence entre deux états. C’est pourquoi Spinoza montre bien que l’affect n’est pas une comparaison d’idées, et récuse ainsi toute interprétation intellectualiste : « Quand je parle d’une force d’exister plus grande ou moins grande qu’auparavant, je n’entends pas que l’esprit compare l’état présent du corps avec le passé, mais que l’idée qui constitue la forme de l’affect affirme du corps quelque chose qui enveloppe effectivement plus ou moins de réalité qu’auparavant » (III, déf. gén.).

Un mode existant se définit par un certain pouvoir d’être affecté (III, post. 1 et 2). Quand il rencontre un autre mode, il peut arriver que cet autre mode lui soit « bon », c’est-à-dire se compose avec lui, ou au contraire le décompose et lui soit « mauvais » : dans le premier cas, le mode existant passe à une perfection plus grande, dans le second cas, moins grande. On dit suivant le cas que sa puissance d’agir ou force d’exister augmente ou diminue, puisque la puissance de l’autre mode s’y ajoute, ou au contraire s’en soustrait, l’immobilise et la fixe (IV, 18 dém.). Le passage à une perfection plus grande ou l’augmentation de la puissance d’agir s’appelle affect, ou sentiment de joie ; le passage à une perfection moindre ou la diminution de la puissance d’agir, tristesse. C’est ainsi que la puissance d’agir [70] varie sous des causes extérieures, pour un même pouvoir d’être affecté. L’affect-sentiment (joie ou tristesse) découle bien d’une affection-image ou idée qu’elle suppose (idée du corps qui convient avec le nôtre ou ne convient pas) ; et, quand l’affect se retourne sur l’idée d’où il procède, la joie devient amour, et la tristesse, haine. C’est ainsi que les diverses séries d’affections et d’affects remplissent constamment, mais dans des conditions variables, le pouvoir d’être affecté (III, 56).

Tant que nos sentiments ou affects découlent de la rencontre extérieure avec d’autres modes existants, ils s’expliquent par la nature du corps affectant et par l’idée nécessairement inadéquate de ce corps, image confuse enveloppée dans notre état. De tels affects sont des passions, puisque nous n’en sommes pas la cause adéquate (III, déf. 2). Même les affects à base de joie, qui se définissent par l’augmentation de la puissance d’agir, sont des passions : la joie est encore une passion « en tant que la puissance d’agir de l’homme n’est pas accrue à ce point qu’il se conçoive adéquatement, lui-même et ses propres actions » (IV, 59, dém.). Notre puissance d’agir a beau être accrue matériellement, nous n’en restons pas moins passifs, séparés de cette puissance, tant que nous n’en sommes pas formellement maîtres. C’est pourquoi, du point de vue des affects, la distinction fondamentale entre deux sortes de passions, passions tristes et passions joyeuses, prépare à une tout autre distinction, entre les passions et les actions. D’une idée comme idée d’affectio découlent toujours des affects. Mais, si l’idée est adéquate au lieu d’être une image confuse, si elle exprime directement l’essence du corps affectant au lieu de l’envelopper indirectement dans notre état, si elle est l’idée d’une affectio interne ou d’une auto-affection qui [71] marque la convenance intérieure de notre essence, des autres essences et de l’essence de Dieu (troisième genre de connaissance), alors les affects qui en découlent sont eux-mêmes des actions (III, 1). Non seulement ces affects ou sentiments actifs ne peuvent être que des joies et des amours (III, 58 et 59), mais des joies et amours très spéciales, puisqu’elles ne se définissent plus par une augmentation de notre perfection ou puissance d’agir mais par la pleine possession formelle de cette puissance ou perfection. A ces joies actives on doit réserver le nom de béatitude : elles ont l’air de se conquérir et de s’étendre dans la durée, comme les joies passives, mais, en fait, elles sont éternelles et ne s’expliquent plus par la durée ; elles n’impliquent plus des transitions et des passages, mais s’expriment toutes les unes les autres sur un mode d’éternité, avec les idées adéquates dont elles procèdent (V, 31-33). (p. 68-72)

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