Deleuze (C:215-217) – controle da comunicação

Pelbart

Toni Negri — Em seu livro sobre Foucault e também na entrevista televisiva ao Institut National de l’Audio-visuel (I.N.A.), você propõe aprofundar o estudo de três práticas do poder: o Soberano, o Disciplinar, e sobretudo o de Controle sobre a “comunicação”, que hoje está em vias de tomar-se hegemônico. Por um lado, este último cenário remete à mais alta perfeição da dominação, que toca tanto a fala como a imaginação, mas por outro lado, nunca tanto quanto hoje todos os homens, todas as minorias, todas as singularidades foram potencialmente capazes de retomar a palavra, e, com ela, um grau mais alto de liberdade. Na utopia marxiana dos Grundrisse, o comunismo se configura justamente como uma organização transversal de indivíduos livres, sobre uma base técnica que lhe garante as condições. O comunismo ainda é pensável? Na sociedade da comunicação ele é menos utópico que antes?

Gilles Deleuze — É certo que entramos em sociedades de “controle”, que já não são exatamente disciplinares. Foucault é com frequência considerado como o pensador das sociedades de disciplina, e de sua técnica principal, o confinamento (não só o hospital e a prisão, mas a escola, a fábrica, a caserna). Porém, de fato, ele é um dos primeiros a dizer que as sociedades disciplinares são aquilo que estamos deixando para trás, o que [215] já não somos. Estamos entrando nas sociedades de controle, que funcionam não mais por confinamento, mas por controle contínuo e comunicação instantânea. Burroughs começou a análise dessa situação. Certamente, não se deixou de falar da prisão, da escola, do hospital: essas instituições estão em crise. Mas se estão em crise, é precisamente em combates de retaguarda. O que está sendo implantado, às cegas, são novos tipos de sanções, de educação, de tratamento. Os hospitais abertos, o atendimento a domicílio, etc., já surgiram há muito tempo. Pode-se prever que a educação será cada vez menos um meio fechado, distinto do meio profissional — um outro meio fechado —, mas que os dois desaparecerão em favor de uma terrível formação permanente, de um controle contínuo se exercendo sobre o operário-aluno ou o executivo-universitário. Tentam nos fazer acreditar numa reforma da escola, quando se trata de uma liquidação. Num regime de controle nunca se termina nada. Você mesmo já analisou, há tempos, uma mutação do trabalho na Itália, com formas de trabalho temporário, a domicílio, que desde então se confirmaram (e novas formas de circulação e de distribuição dos produtos). A cada tipo de sociedade, evidentemente, pode-se fazer corresponder um tipo de máquina: as máquinas simples ou dinâmicas para as sociedades de soberania, as máquinas energéticas para as de disciplina, as cibernéticas e os computadores para as sociedades de controle. Mas as máquinas não explicam nada, é preciso analisar os agenciamentos coletivos dos quais elas são apenas uma parte. Face às formas próximas de um controle incessante em meio aberto, é possível que os confinamentos mais duros nos pareçam pertencer a um passado delicioso e benevolente. A pesquisa sobre os “universais da comunicação” tem razões de sobra para nos dar arrepios. É verdade que, mesmo antes das sociedades de controle terem efetivamente se organizado, as formas de delinquência ou de resistência (dois casos distintos) também aparecem. Por exemplo, a pirataria ou os vírus de computador, que [216] substituirão as greves e o que no século XIX se chamava de “sabotagem” (o tamanco — sabot — emperrando a máquina). Você pergunta se as sociedades de controle ou de comunicação não suscitarão formas de resistência capazes de dar novas oportunidades a um comunismo concebido como “organização transversal de indivíduos livres”. Não sei, talvez. Mas isso não dependeria de as minorias retomarem a palavra. Talvez a fala, a comunicação, estejam apodrecidas. Estão inteiramente penetradas pelo dinheiro: não por acidente, mas por natureza. É preciso um desvio da fala. Criar foi sempre coisa distinta de comunicar. O importante talvez venha a ser criar vacúolos de não-comunicação, interruptores, para escapar ao controle.

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