Categoria: Agamben, Giorgio
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Essa estrutura original da obra de arte está hoje ofuscada. No ponto extremo do seu destino metafísico, a arte, tornada uma potência niilista, um “nada que se autonadifica”, vaga no deserto da terra aesthetica e gira eternamente em torno da própria dilaceração. A sua alienação é a alienação fundamental, porque acena para a alienação do…
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Mas na essência da arte, que atravessou até o fundo o próprio nada, domina a vontade. A arte é a eterna autogeração da vontade de potência. Como tal, ela se destaca tanto da atividade do artista quanto da sensibilidade do espectador para se colocar como o traço fundamental do devir universal. Um fragmento dos anos…
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No segundo livro da Física, Aristóteles distingue, porém, aquilo que, sendo por natureza (φύσει), tem em si mesmo a própria ἀρχή, isto é, o princípio e a origem do próprio ingresso na presença, daquilo que, sendo por outras causas (δι᾿ἄλλας αἰτίας), não tem em si mesmo o próprio princípio, mas o encontra na atividade pro-dutiva…
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É comum esquivar esse juízo de Hegel, objetando que, desde a época em que ele escrevia o seu elogio fúnebre, a arte produziu inumeráveis obras-primas e assistimos ao nascimento de outros tantos movimentos estéticos ; e que, por outro lado, a sua afirmação era ditada pelo propósito de deixar à filosofia a preeminência dentre as…
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Que a obra de arte seja outra coisa, diferente do que nela é simples coisa, é, por fim, óbvio demais, e é isso que os gregos exprimiam no conceito de alegoria : a obra de arte ἄλλο ἀγορεύει, comunica outra coisa, é outra em relação à matéria que a contém 1]. Mas há objetos –…
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Mas, mesmo antes de Platão, uma condenação ou ao menos uma suspeita em relação à arte já tinha sido expressa na palavra de um poeta e ao fim do primeiro estásimo da Antígona de Sófocles. Após haver caracterizado o homem, enquanto possui a τέχνη (isto é, no amplo significado que os gregos davam a essa…
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Em 1838, quando Hölderlin ainda morava na torre sobre o Neckar, Félix Ravaisson, que havia seguido em Mônaco os cursos de Schelling, escreve sua tese Sobre a habitude. Em páginas vertiginosas, que deviam suscitar a admiração de Bergson e Heidegger, Ravaisson aproxima a habitude dos segredos últimos da vida. O filósofo de 25 anos descreve com…
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De maneira não menos antitrágica Hölderlin pensa e vive a ausência dos deuses, pela qual ele define a condição de seu tempo. Aqueles que se detiveram na ateologia do último Hölderlin, de Blanchot a Heidegger, não cansam de citar tanto a passagem de Brot und Wein na qual o poeta declara, sem reserva, que, na despedida dos…
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O que é uma «vida habitante»? Certamente uma vida que se vive segundo hábitos e habitudes.1] O verbo alemão wohnen, deriva da raiz indo-europeia *ven, que significa «amar, desejar» e é ligada tanto às palavras alemãs Wahn, «esperança, ilusão», e Wonne, «alegria», como ao latim venus. Isso significa que, na língua alemã, a aquisição de um hábito (Gewohnheit) ou de uma…
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Talvez seja mais difícil aceitar as provocações de Agamben quando a biopolítica de combate à covid-19 se apresenta exclusivamente afirmativa, em nome da preservação da vida, apagando a percepção que o autor busca ressaltar: a gestão da forma das vidas a serem preservadas só existe sob controle da liberdade. Infelizmente, essa descrição não é a…
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[…] No parágrafo 29 de Sein und Zeit, Heidegger apresenta a Stimmung — que o tradutor italiano verte em “tonalità emotiva” — como o “modo existencial fundamental”, através do qual o Dasein se abre a si mesmo. Na medida em que traz originariamente o Dasein em seu Da, o ser-aí em seu aí, a Stimmung…
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Excerto de AGAMBEN, Giorgio. Ideia da prosa. Tr. João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012, p. 21-26 No ano 529 da nossa era, o imperador Justiniano, instigado por fanáticos conselheiros do partido anti-helênico, decretou através de um édito o encerramento da escola filosófica de Atenas. Coube, assim, a Damáscio,1 o escolarca responsável, ser o último…
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É nesta separação de experiência e ciência que devemos ver o sentido — nada abstruso, mas extremamente concreto — das disputas que dividiram os intérpretes do aristotelismo da antiguidade tardia e medieval a propósito da unicidade e da separação do intelecto e sua comunicação com os sujeitos da experiência. Inteligência (noûs) e alma (psyche) não…
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Uma genealogia do conceito de zoe deve começar pela constatação – de nenhum modo óbvia, inicialmente – de que na cultura ocidental “vida” não é uma noção médico-científica, mas um conceito filosófico-político. Os 57 tratados do Corpus hippocraticum, que reúnem os textos mais antigos da medicina grega, compostos entre os últimos decênios do século V…
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Não é fácil precisar em que momento o “demônio aéreo” de Epinómis, de Calcídio e de Pselo acaba identificado com o “herói” ressuscitado pelos antigos cultos populares. Segundo uma tradição que Diogenes Laércio faz remontar a Pitágoras, certamente os [198] heróis já apresentam todos os traços da demonicidade aérea: eles habitam no ar e agem…
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Não nos surpreende, portanto, que um “tema” psicológico análogo — também nesse caso com algumas variações significativas — apareça na obra do pensador que mediou, talvez, mais do que qualquer outro, a leitura de Aristóteles para o século XIII e no qual, com razão, Dante vislumbrou o comentador por excelência do texto aristotélico: “Averroís, ehe…
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Em nosso exame da fantasmologia medieval, partimos de Avicena, não por ter sido o primeiro a nos oferecer uma formulação clara, mas porque a sua meticulosa classificação do “sentimento interior” exerceu influência tão profunda no que foi definido como “a revolução espiritual do século XIII”, a ponto de ainda ser possível vislumbrar suas pegadas em…
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Os gregos não possuíam um termo único para exprimir o que nós queremos dizer com a palavra vida. Serviam-se de dois termos, semântica e morfologicamente distintos, ainda que reportáveis a um étimo comum: zoe, que exprimia o simples fato de viver comum a todos os seres vivos (animais, homens ou deuses) e bios, que indicava…
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Os gregos não possuíam um termo único para exprimir o que nós queremos dizer com a palavra vida. Serviam-se de dois termos, semântica e morfologicamente distintos, ainda que reportáveis a um étimo comum: zoe, que exprimia o simples fato de viver comum a todos os seres vivos (animais, homens ou deuses) e bios, que indicava…