nossa tradução
O problema do aborto exige que abordemos as questões éticas relativas ao status moral do feto (isto é, É o feto uma pessoa? Quando se torna uma pessoa? Tem direitos humanos? Tem direito à vida? Tem valor intrínseco? O feto tem algum posicionamento moral?). Algumas das respostas a essas perguntas dependem de nossa definição de pessoalidade, e pessoalidade é um conceito difícil de definir. Alguns filósofos fazem uma distinção entre humano e pessoa. Segundo eles, o primeiro conota os elementos biológicos do organismo (ou seja, sua estrutura genética) e o último conota os elementos psicológicos, cognitivos e sociais do organismo (ou seja, sua capacidade de ser autoconsciente, comunicar, raciocinar etc.). Além disso, alguns filósofos argumentam que apenas pessoas pertencem à comunidade moral. Portanto, ser um humano não é suficiente para o status de pessoa ou para ser um membro da comunidade moral. Como resultado, embora possa estar claro que um feto é humano, não é tão claro que seja pessoa.
O problema moral do aborto também está essencialmente entrelaçado com as questões dos direitos individuais das mulheres, particularmente seu direito de controlar seu corpo e suas escolhas reprodutivas. Muitas feministas argumentam que essa dimensão da questão do aborto é muitas vezes ignorada e negligenciada. Elas argumentam que o debate tradicional sobre o aborto é desproporcionalmente focado nos direitos de pessoa do feto, e não nos direitos da mulher grávida, e, portanto, o debate é distorcido em favor do feto. Uma investigação filosófica completa da questão dos direitos das mulheres exige que também entendamos conceitos subjacentes mais básicos, como o conceito de direitos, obrigações morais e liberdades pessoais. Também requer uma exploração dos limites éticos da liberdade e privacidade humanas em uma sociedade democrática: a liberdade e a privacidade humanas devem ter restrições ou limites legais e morais? Em caso afirmativo, como essas restrições e limites devem ser determinados? Um dos ensaios mais influentes e destacados sobre esse assunto é “A Defense of Abortion”, de Judith Jarvis Thomson. Thomson argumenta que, mesmo que o feto seja uma pessoa, com todos os direitos legais atribuídos a uma pessoa humana adulta, se uma mulher grávida não consentir que o feto use seu corpo para sua sobrevivência, então o feto não terá o direito de fazê-lo. Nesse caso, se uma mulher grávida decide abortar o feto, isso não viola o direito à vida do feto. Portanto, uma mulher grávida que não concede consentimento ao feto para usar seu corpo para sua sobrevivência e decide abortar o feto não comete uma injustiça contra o feto.
Além dos direitos individuais das mulheres, o problema moral do aborto exige que também abordemos os direitos das mulheres nos níveis institucional e social, ou seja, os direitos das mulheres na sociedade em geral. Isso levanta questões mais complexas de justiça social envolvendo gênero, raça, status socioeconômico, orientação sexual e etnia. Filósofos feministas argumentaram que as sociedades democráticas ocidentais continuam sendo atormentadas por graves problemas de desigualdade de gênero, preconceito, discriminação, opressão e exploração. Essas injustiças sociais contra as mulheres se manifestam, em parte, através da legislação e das políticas existentes. Além disso, elas se originam de sistemas patriarcais e visões de mundo predominantemente masculinas. Uma visão de mundo desenvolvida por homens e por meio de uma “perspectiva masculina” é inerentemente tendenciosa contra as mulheres? Segundo algumas feministas, a questão do aborto é, em essência, uma questão de mulheres e, portanto, deve ser entendida como parte do debate mais amplo sobre as injustiças culturais e sociais existentes contra as mulheres na sociedade.
Para investigar adequadamente o problema moral do aborto, precisamos explorar e tentar entender a relação de dependência entre um feto e uma mulher grávida. É um relacionamento familiar especial? É uma relação padrão entre dois humanos? É uma relação entre um humano e partes de seu próprio corpo? O status do relacionamento depende da concepção de uma mulher grávida? A dimensão biológica ou psicológica de um relacionamento tem relevância moral? As respostas a essas perguntas terão um efeito significativo sobre como avaliamos moralmente as situações em que há um conflito entre a saúde e a sobrevivência do feto em relação à mulher grávida.
Finalmente, o problema moral do aborto conecta os princípios morais aos preceitos legais em formas que outros problemas morais não o fazem. Por exemplo, pode-se argumentar pela posição de que o casamento homosexual é imoral, ao mesmo tempo em que apóia consistentemente a legalidade do casamento homosexual. No entanto, uma visão popular entre os críticos do aborto é que o aborto é imoral porque implica a morte de uma pessoa e, portanto, é equivalente a homicídio. Como consequência, com poucas e raras exceções (por exemplo, autodefesa), a visão moral desse crítico de aborto implica a ilegalidade do aborto.
Essas cinco questões filosóficas são dimensões complexas da questão moral do aborto, tornando-o um dos problemas morais mais difíceis de nossos dias. Alguns filósofos acreditam que a questão é inerentemente insolúvel. No entanto, mesmo que tenhamos uma visão cética sobre nossa capacidade de chegar a uma solução definitiva e unânime para o problema moral do aborto, ainda podemos sustentar que a investigação moral contínua, a análise e o exame do problema do aborto podem contribuir substancialmente para o avanço de soluções éticas, políticas e legais para os problemas relacionados à questão do aborto. Assim, mesmo para aqueles que são céticos em relação a alcançar respostas baseadas em evidências e universalmente aceitas para as questões morais sobre o aborto, a compreensão dos argumentos apresentados neste livro permanece importante, porque eles podem nos dar uma compreensão da lógica e dos méritos de algumas das posições mais prevalentes e bem argumentadas sobre a ética do aborto.
Original
The problem of abortion requires that we address the ethical issues concerning the moral status of the foetus (i.e. Is the foetus a person? When does it become a person? Does it have human rights? Does it have the right to life? Does the foetus have intrinsic value? Does the foetus have any moral standing at all?). Some of the answers to these questions depend on our definition of personhood, and personhood is a difficult concept to define. Some philosophers make a distinction between a human being and a person. According to them, the former connotes the biological elements of the organism (i.e. its genetic structure) and the latter connotes the psychological, cognitive and social elements of the organism (i.e. its ability to be self-aware, communicate, reason etc.). Moreover, some philosophers argue that only persons belong to the moral community. Therefore, being a human being is not sufficient for personhood status or to be a member of the moral community. As a result, while it might be clear that a foetus is a human being, it is not so clear that it is a person.
The moral problem of abortion is also essentially intertwined with the issues of women’s individual rights, particularly her right to control her body and reproductive choices. Many feminists argue that this dimension of the abortion issue is too often ignored and neglected. They argue that the traditional debate on abortion is disproportionately focused on the foetus’s personhood rights rather than the rights of the pregnant woman, and thus the debate is skewed in favour of the foetus. A thorough philosophical investigation of the issue of women’s rights requires that we also understand more basic underlying concepts such as the concept of rights, moral obligations and personal freedoms. It also requires an exploration into the ethical limits of human freedom and privacy in a democratic society: Should human freedom and privacy have legal and moral restrictions or boundaries? If so, how should such restrictions and boundaries be determined? One of the most influential and prominent essays on this topic is Judith Jarvis Thomson’s ‘A Defense of Abortion’. Thomson argues that even if the foetus is a person, with all of the legal rights ascribed to an adult human person, if a pregnant woman did not consent for the foetus to use her body for its survival, then it has no right to do so. In this case, if a pregnant woman decides to abort the foetus, it does not violate the foetus’s right to life. Therefore, a pregnant woman who does not grant consent to a foetus to use her body for its survival and decides to abort the foetus does not commit an injustice against the foetus.
In addition to women’s individual rights, the moral problem of abortion requires that we also address women’s rights at the institutional and societal level, that is, women’s rights within the society at large. This raises more complex social justice issues involving gender, race, socioeconomic status, sexual orientation and ethnicity. Feminist philosophers have argued that Western democratic societies continue to be plagued with severe problems of gender inequalities, prejudice, discrimination, oppression and exploitation. These social injustices against women manifest themselves, in part, through existing legislation and policies. Moreover, they stem from patriarchal systems and worldviews that are predominantly male centric. Is a worldview that has been developed by men and through a ‘masculine perspective’ inherently biased against women? According to some feminist, the abortion issue is at its core a women’s issue, and therefore it should be understood as forming part of the larger debate on existing cultural and social injustices against women in society.
To adequately investigate the moral problem of abortion, we must explore and try to understand the dependency relationship between a foetus and a pregnant woman. Is it a special familial relationship? Is it a standard relationship between two human beings? Is it a relationship between one human being and parts of her own body? Is the status of the relationship dependent on a pregnant woman’s conception of it? Does the biological or psychological dimension of a relationship have moral relevance? Answers to these questions will have a significant effect on how we morally assess situations in which there is a conflict between the health and survival of the foetus vis-à-vis the pregnant woman.
Finally, the moral problem of abortion connects the moral principles with the legal precepts in ways that other moral problems do not. For instance, one can argue for the position that gay marriage is immoral while consistently supporting the legality of gay marriage. However, a popular view among abortion critics is that abortion is immoral because it entails the killing of a person, and thus it is equivalent to homicide. As a consequence, with few and rare exceptions (e.g. self-defence), this abortion critic’s moral view entails the illegality of abortion.
These five philosophical issues are complex dimensions of the moral issue of abortion, making it one of the most difficult moral problems of our day. Some philosophers believe that the issue is inherently irresolvable. Nevertheless, even if we hold a sceptical view about our ability to arrive at an ultimate and unanimous solution to the moral problem of abortion, we can still maintain that continued moral investigation, analysis and examination of the abortion problem can substantially contribute to the advancement of ethical, political and legal solutions to problems concerning and surrounding the abortion issue. Thus, even for those who are sceptics about reaching any evidentially based and universally accepted answers to the moral questions on abortion, understanding the arguments presented in this book remains important, because they can give us an understanding of the rationale and merits of some of the most prevalent and well-argued positions on the ethics of abortion.