Atrair e apreender, enquanto pensar

Cavell1989

[…] em “Experience” [de Emerson]: “Considero esta evanescência, esta volatilidade de todos os objetos, que os deixa escorregarem por entre nossos dedos justamente quando os seguramos com mais força, como a parte menos nobre de nossa condição”. Examinemos em primeiro lugar a conexão entre mão [hand] na palavra unhandsome e os dedos impotentes, tentando agarrar. O que é ignóbil, parece-me, não é que os objetos aos quais buscamos nos apegar sejam de certa forma evanescentes e voláteis em si mesmos; ignóbil, sim, é aquilo que acontece quando os agarramos, procurando negar seu caráter distante, inacessível; ou seja, quando concebemos o pensar, digamos, a aplicação de conceitos nos julgamentos, como agarrar alguma coisa, como uma sintetização. A relação entre o pensar e a mão é sublinhada em O que se chama pensar? (GA8) pois, quando Heidegger escreve “Pensar é um trabalho manual”, ele quer dizer, segundo suponho, não só que a atividade de pensar é um trabalho prático (sem dúvida pré-industrial), produtivo, que deve ser aprendido, mas também enfatizar que é um trabalho que apenas a criatura dotada de mão pode executar — e executar de forma decisiva como um modo de violência necessária, cotidiana. (Acredito que Emerson quer ver a força auto-erótica projetada nesta conexão entre a mão e os objetos — o que já não acontece em Heidegger, também acredito. Deixo isso de lado, por ora.)

O contrário de agarrar, o que seria a parte mais nobre de nossa condição, segundo suponho, é a forma especificamente humana de atrair — a atração sendo outro fortíssimo termo, ou tom, dominante em Emerson, para denominar o apelo legítimo, a atração, que temos uns pelos outros, e que eu e o mundo temos um pelo outro (como ao dizer “O que atrai minha atenção a terá”, passagem de “Spiritual laws”). O termo usado por Heidegger para indicar o oposto de procurar agarrar o mundo é ser atraído pelas coisas. Tais afinidades entre pensadores aparentemente distantes — chamemos a elas congruências da paisagem intelectual — são sempre surpreendentes, conquanto bem conhecidas, por sugerirem que um momento daquilo que se podería considerar como inefável interioridade resulta, na verdade, em algo tão partilhável quanto o pão, ou um certo lago 1.

  1. Alusão ao lago Walden, em cujas cercanias Henry David Thoreau viveu de 1845 a 1847, e que forneceu o título a seu livro mais conhecido, Walden (1854). (N. da T.)[]