G. W. F. Hegel, Science de la Logique, (Meiner-Verlag) II, p. 491-494 (trad. pers.), cf. Aubier, p. 557-560.
A dialética é uma daquelas ciências antigas que a metafísica moderna e a filosofia popular, tanto antiga como moderna, têm ignorado na sua maioria. Falando de Platão, Diógenes Laerce diz que, tal como Tales é o fundador da filosofia da natureza e Sócrates da filosofia moral, também Platão é o criador da terceira ciência pertencente à filosofia, a dialética — um mérito que tem sido considerado como o seu maior desde a antiguidade, mas que muitas vezes passa completamente despercebido pelas próprias pessoas que mais o citam. A dialética tem sido frequentemente considerada como uma arte, como se dependesse de um talento subjetivo em vez de pertencer à objetividade do conceito. Já mostrámos com exemplos apropriados qual forma e resultado tomou na filosofia kantiana. É um passo em frente extremamente importante que a dialética seja novamente reconhecida como uma necessidade interna da razão, mesmo que tenhamos de retirar dela o resultado oposto.
Platão utilizou-a frequentemente contra as representações e conceitos do seu tempo, especialmente os dos sofistas, mas também a aplicou a categorias puras e determinações reflexivas; o ceticismo posterior, o ceticismo esclarecido, estendeu a dialética não só aos chamados factos imediatos da consciência, mas a todas as noções científicas. A consequência desta dialética é o carácter contraditório e a nulidade das afirmações feitas. Mas isto acontece em dois sentidos: o de uma interpretação objetiva, segundo a qual o objeto que se contradiz se suprime a si mesmo e é assim reduzido à nulidade (era este o raciocínio dos Eleatas, por exemplo, que negavam ao mundo, ao movimento e ao ponto toda a verdade); o de uma interpretação subjectiva, segundo a qual é o conhecimento que é defeituoso… Esta é geralmente a maneira de ver o senso comum, como dissemos, que se atém à evidência sensível e às representações ou fórmulas habituais, por vezes com uma certa calma, — como fez Diógenes, o Cínico, mostrando a inanidade da dialética do movimento, contentando-se com um silencioso vai-e-vem, — outras vezes, insuflando-se contra o que é considerado tolice, ou mesmo quando estão em jogo objetivos moralmente importantes, uma perda culposa de procurar minar o que é essencialmente sólido, e assim aprender a dar argumentos viciados : uma ideia que surge na dialética utilizada por Sócrates contra a dos sofistas, e uma raiva cuja reação contra o próprio Sócrates lhe custou a vida. Quanto à refutação vulgar que, como Diógenes, opõe a consciência sensível ao pensamento e imagina possuir a verdade nessa mesma consciência, devemos deixá-la passar; mas na medida em que a dialética suprime as determinações morais, devemos permanecer confiantes na razão, que saberá restabelecê-las na sua verdade e na consciência do seu direito, mas também na dos seus limites. — Ou, finalmente, o efeito da nulidade subjectiva afecta, não a dialética em si, mas antes o conhecimento contra o qual ela se dirige: isto é, tanto para o ceticismo como para a filosofia kantiana, contra o conhecimento em geral.
O preconceito básico nesta matéria é o de que a dialética atinge apenas um resultado negativo, o que vamos agora tornar claro. A primeira coisa a notar acerca da forma em que a dialética se manifesta habitualmente é que tanto a própria dialética como o que dela resulta dizem respeito ao objeto previamente situado e ao conhecimento subjetivo, e que ela declara ambos anulados, mas que, por outro lado, as determinações que surgem num terceiro ponto permanecem intocadas e são assumidas como válidas para si mesmas. A filosofia de Kant teve o mérito infinito de chamar a atenção para este processo não-crítico, e de ter pura e simplesmente dado o aceno para uma restauração da Lógica e da Dialética, no sentido de uma consideração das determinações do pensamento (Denkbestimmungen). O objeto, tal como é, sem o ato de pensar e sem um conceito, é simplesmente uma representação ou mesmo um nome; é nas determinações do pensamento e do conceito (Denk-und Begriffbestimmungen) que ele é o que é. Na verdade, trata-se apenas delas: elas são o verdadeiro objeto e conteúdo da razão, de tal modo que o que se entende por estas palavras objeto e conteúdo como sendo diferenciado delas, não tem valor senão nelas e através delas. Por isso, não é culpa de um objeto ou de um conhecimento quando a sua estrutura ou uma ligação externa os faz mostrarem-se dialécticos. Um e outro são assim representados como um sujeito no qual as determinações são trazidas sob a forma de predicados, propriedades ou generalidades independentes, de tal modo que são postas em relações e contradições dialécticas, de modo a serem firmes e válidas para si próprias apenas devido à ligação externa e contingente… É assim que todas as oposições consideradas como fixas — aquelas, por exemplo, do finito e do infinito, do particular e do universal — não são contraditórias em virtude de uma conexão externa; elas são, como a consideração da sua natureza mostrou, antes, em si mesmas, a passagem (das Übergehen); a Síntese e o Sujeito, nos quais elas emergem, são o produto da própria reflexão do conceito.