Se há um assunto eminentemente filosófico é a classificação das ciências. Pertence à filosofia e a nenhuma outra ciência.
É só no ponto de vista mais genérico que podemos classificar as ciências. Quando a classificação é para um certo fim, quer prático, quer científico, há-de ser necessariamente arbitrária (filosoficamente) e variável com o fim para que é feita. O botânico, o jardineiro precisam cada um deles de uma classificação diferente das plantas.
Há a classificação por diferenciação, por ordem; e a classificação por hierarquia, em que não se trata só de ordem, mas em que as ciências são classificadas de maneira que umas sejam filhas das outras. Assim a classificação mais hierárquica dos animais seria a do darwinismo. Em história natural classificam-se as produções constantes da natureza.
Para classificar as ciências é preciso primeiro procurar um critério ou nas funções intelectuais, na força das faculdades criadoras (produtoras das ciências), ou na própria disposição das criações já feitas. A classificação é subjectiva ou objectiva. Se quiséssemos classificar as artes «mo já criadas seria diferente de as classificar segundo a imaginação que se assimila coisas externas e se identifica temporariamente com elas.
Uma coisa é classificar coisas já feitas ou de as classificar como se elas fossem para fazer.
Até Auguste Comte as classificações eram subjectivas […]
As classificações anteriores a Comte têm um interesse puramente histórico, mas é bastante, pois no mostram as reações que a filosofia teve com as ciências e que teve e continua a ter com a (…) Há, primeiro, a escola platônica e aristotélica. Uma classificação impõe-se não só quando o número de objetos aumenta (…)
Em toda a classificação há um trabalha que podemos chamar trabalho de história natural, e outro de ciência natural. A história natural é puramente descritiva (Botânica e Zoologia), põe por ordem os fatos.
Em psicologia, por ex., uma coisa é a história natural da alma, outra fazer a ciência da alma. Quando muito pode 1 mostrar que uns fatos nascem de outros.
Se da ordem exposta se vê alguma coisa quanto [à] gênese dos seres vivos (no exemplo mais acima), já deixa de haver história natural. A ciência natural começa onde acaba a história natural.
Todas as classificações anteriores a Auguste Comte são histórias naturais. Há, em primeiro lugar, as escolas platônica e aristotélica.
PERCEPÇÃO
=Física
(Física e Psicologia)
RAZÃO
=Dialética
(Analítica = Lógica formal; Metafísica)
VONTADE
=Ética
Praxis Ética
Poiesis Política
Ciência poética
Poética e retórica
Nas três ciências sublinhadas pára a classificação dos platônicos.
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Como para Platão as faculdades são 3, razão, percepção e vontade, as ciências também são 3.
Para Platão, física era o estudo da natureza sob qualquer forma, por percepção exterior mas também a consciência; portanto o estudo da alma entrava na física.
Mas havia para os platônicos uma faculdade mais importante — a razão, faculdade de perceber as relações entre as coisas e de conceber o absoluto.
Para Platão as ideias são as realidades, ou antes, os modos da realidade. Para ele os conceitos gerais têm a sua verdadeira realidade anteriormente às coisas, ao particular. (Universale ante rem.)
A ciência que corresponde a esta faculdade é a dialéctica.
Mas o homem também tem desejos, impulsos, vontades, etc.
São três funções do espírito, 3 princípios das ciências.
A ciência que corresponde à vontade é a ética. «Ética» tinha, para os gregos, um sentido menos restrito do que tem para nós. Para nós a moral refere-se simplesmente aos atos, às intenções, aos motivos, etc. Para os antigos era mais, não era só os atos com intenção, mas também outra qualidade de atos. A moral (ética) dos antigos tratava também do estado, compreendia o que nós chamamos política. Para os antigos direito e moral entravam na ética. Na «vontade» entrava tudo — impulsos, desejos, etc. A «ética» considerava os atos de vontade do indivíduo como indivíduo e como ser social.
A física grega, já dissemos, compreendia a física e a psicologia. Os gregos dividiam a astronomia em dois ramos. Eles foram os primeiros que aplicaram à astronomia os cálculos matemáticos. A astronomia era estudada em parte na física, em parte na dialéctica.
Já então havia a noção de lei, e de cálculo matemático. Modernamente a noção de lei é muito mais forte e os nossos cálculos mais exatos. 2
A matemática era estudada na física e na dialéctica.
A razão dá lugar à dialéctica. Hoje um dialéctico é um homem que argumenta bem. Para os antigos o dialéctico era um homem que raciocinava bem. (…)
O princípio de causalidade e outros ligados com ele (por ex.: o princípio de substancialidade) só se pode aplicar no campo do real. E do domínio da metafísica. A metafísica é a ciência dos primeiros princípios sem os quais é impossível passar da ciência subjectiva para a (…).
Assim em Hegel temos o desenvolvimento dialéctico do logos; o logos segue uma lógica, mas é transcendente.
A razão é a faculdade de perceber o noumenon. Como tal tem um certo número de ideias inatas.
A classificação dos platônicos pára nas 3 ciências: física, dialéctica e ética. O que vai por baixo é o desdobramento dessa classificação feito pelos aristotélicos.
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Não é certo dizer-se que a classificação mencionada é feita por Aristóteles e por Platão. Nem P[latão] nem A[ristóteles] fizeram uma classificação das ciências, nem a podiam fazer. A filosofia, para eles, era o melhor do saber. Assim se a filosofia é todas as ciências, se é o saber, como classificar?
Para Aristóteles há a filosofia (F[ilosofia] primeira, metafísica) e as filosofias (F[ilosofi]as segundas). O que deu origem a chamar-se a isto a classificação de Platão e de Aristóteles foi ser esta a divisão dos livros destes filósofos. Também contribuiu para isto a divisão do trabalho escolar.
Esta classificação é subjectiva e segue um critério de história natural.
A matemática ocupa um lugar equívoco. Para os gregos a matemática era a geometria (a aritmética veio depois). Para prova disto basta notar algumas expressões que se usam ainda hoje na aritmética, por ex., raiz quadrada, elevar ao cubo. Estas expressões vieram da geometria. Para os gregos a forma vale mais do que o número.
Da matemática um elemento entrava na física, principalmente na física celeste. — […] Os números eram a maneira de raciocinar sobre figuras.
As regras do silogismo, os princípios da lógica formal, que, como disse Kant, não avançaram desde então, vêm das matemáticas. Aristóteles tirou-as (está hoje provado), do raciocínio dos geômetras, da lógica das matemáticas. Note-se, também, que, em grego, a palavra matesis (mathesis) quer dizer ciência. A matemática entrava muito principalmente na metafísica (Dialéctica).
A medida que as ciências aumentam a filosofia vai com elas e recebe o tom da ciência predominante. Ora a filosofia começa a ser cultivada quando a matemática está em grande favor e no seu brilho. Assim era quando Aristóteles fez a sua lógica.
A ética considera o homem como ativo, abrange tudo pelo qual o homem atua ou tende a atuar. Platão não distingue o homem individual e o homem social. Aristóteles é o primeiro a notar que as leis individuais e as leis sociais nem sempre são as mesmas.
Todas as classificações antigas se caracterizam pela sua feição subjectiva. (…)
De todas as classificações, e são muitas, as mais importantes, além da indicada são as de Bacon, Ampère, Comte, Spencer, Wundt. Há muitos mais, como as de Bentham e de Arouet [?], etc.
As classificações dos platônicos e dos aristotélicos incluíam a vontade, faculdade prática. Aqui, em Bacon, desapareceu. Bacon separa a teoria da prática. A classificação das artes fica excluída. Fica a classificação restringida, por um lado, à atividade intelectual. Temos que classificar ciências e não artes. Domina aqui o Logos intellectualis. Há por este lado uma vantagem — a divisão do trabalho. Fica a classificação restringida à parte teórica.
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Bacon, se exclui as artes da classificação propriamente dita, não se esquece delas e apende-as no fim. Ele supõe que a cada ciência teórica corresponde uma actividade prática.
Esta classificação é: 1. teórica; 2 subjectivo-objectiva; subjectiva no ponto de partida e nas divisões primordiais, objectiva nas subdivisões: 3. puramente especulativa. As class[ificaçõe]s anteriores partiam de ciências já feitas. Bacon inclui ciências a concluir, a fazer, a criar de novo. Emprego neologismos a cada passo para designar um conjunto de estudos por constituir, procura fazer uma divisão inteiramente nova.
A Razão parece ser a única coisa que fica da classificação de Platão.
Ciências —ex datis —ex principiis
São para Kant, as segundas, as ciências matemáticas e a filosofia, as primeiras de factos humanos e de factos físicos — a história natural em todos os seus ramos.)
{{Classificação de Bacon}}
1 Memória:
1.1 Ciências históricas
1.1.1 História da humanidade
1.1.1.1 História eclesiástica
1.1.1.2 História literária
1.1.1.3 História civil
1.1.2 História natural
2 Imaginação – Poesia (Artes)
3 Razão – Filosofia
3.1 Teologia natural
3.2 Cosmologia
3.2.1 Física
3.2.1.1 Abstrata
3.2.1.1.1 Física
3.2.1.1.2 Química
3.2.1.2 Concreta
3.2.2 Metafísica
3.3 Antropologia
3.3.1 Individual
3.3.2 Social
3.3.2.1 Física (Fisiologia)
3.3.2.2 Psicologia
3.3.2.2.1 Lógica
3.3.2.2.2 Ética
Bacon quis encontrar conexões que não existem entre a história da humanidade e a história natural. (Para os alemães há uma diferença entre a história do mundo e a história da humanidade, Humanidade é um conceito muito abstrato).
O que há aqui de interessante é a distinção entre a filosofia e as ciências de factos, quando até aqui a filosofia compreendia todas as ciências.
A Teologia natural é «o estudo de Deus como ideia revelada».
Antropologia é a razão humana aplicada ao estudo do homem.
Como ideia, Deus fica no mundo das essências e dos possíveis. Para passar daqui para o real é preciso apelar para motivos de imaginação e de sentimento.
Quando quisermos atribuir à ideia de Deus uma realidade, temos que sair do mundo intelectual.
Há certezas práticas para as quais a ciência é impotente. O que Kant constatou foi que a ideia de Deus existe. O que não podemos dizer é se a essa ideia corresponde uma realidade ou não, e se uma realidade corresponde, se essa realidade é exatamente como a ideia.
Cosmologia é o estudo do mundo. Pode fazer-se sob 2 pontos de vista: físico (quando procuramos as leis dos fenômenos) e metafísica (quando, conhecendo o fenômeno e as leis queremos passar ao transcendente, do phainomenon ao noumenon).
Na física há os pontos de vista abstrato e concreto. […]
A ideia fundamental de matéria e de transformação era a ideia que Bacon ligava à química. Foi uma lembrança genial aproximar a física e a química.
Resta-nos a antropologia. O objeto da filosofia é raciocinar sobre factos e princípios. Pode fazer-se sobre 3 coisas: Deus, o mundo, o homem.
A palavra antropologia emprega-se hoje para designar o estudo do homem natural; é o contrário da sociologia, é uma subdivisão da biologia. No tempo de Bacon esta palavra tinha por significação o estudo do homem sob todo e qualquer aspecto.
Na subdivisão da «antropologia individual» nota-se a palavra «física». Esta palavra tem aqui um sentido diferente do que mais atrás vimos que tinha. Aqui quer dizer fisiologia, física do corpo humano.
Lógica e Ética são ciências práticas que correspondem a psicologia como ciência teórica. A psicologia não se subdivide em lógica e ética. A psicologia como ciência natural da alma, correspondem 2 disciplinas práticas (2 artes correlativas), uma que ensina a pensar e outra que ensina a proceder.
Ao estudo do homem sob o ponto de vista social corresponde a disciplina prática — a política.
Trataremos depois das relações entre as ciências e a filosofia (presumivelmente de 1906. O texto tem a indicação: Filosofia).