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Giuseppe Lumia: Jaspers
terça-feira 5 de outubro de 2021, por
A derivação kierkegaardiana é mais evidente em Karl Jaspers , que chegou à filosofia vindo dos estudos de medicina e, diferentemente de Heidegger , afastado das sugestões da fenomenologia. É diferente o interesse especulativo que move os dois expoentes máximos do existencialismo alemão: Heidegger é movido por interesse pela existência em geral, pelas suas estruturas objetivas e pelas suas modalidades, ao passo que em Jaspers há um interesse pelo existente singularmente considerado, concreto, qualitativamente diferenciado. A filosofia do primeiro, na medida em que tem por objeto as estruturas da existência, é uma filosofia «existencial» (existenzial); a do segundo, que é impulsionada pela consideração do existente, é mais propriamente uma filosofia «existentiva» (existenziell). Já nesta diferente atitude especulativa é visível a maior influência que Husserl e Kierkegaard exerceram, respectivamente, sobre os dois filósofos alemães.
Para Jaspers, os três momentos do filosofar, correspondentes às três partes da sua obra maior, Philosophie, publicada em 1932, são a orientação no mundo («Weltorientierung»), a clarificação da existência («Existenzerhellung»),e a metafísica («Metaphisik»).
A filosofia é para Jaspers pesquisa do ser, Versuch des Seiens. Ora nós podemos procurar o ser ou no mundo das coisas que nos circundam, ou em nós próprios. O primeiro momento do filosofar é constituído pela orientação em face do mundo. Este apresenta-se-nos como mero estar-aí, Dasein, como pura objetividade, como multiplicidade ordenada de objetos que «estão aí». É o momento do conhecimento científico, cujo órgão é o intelecto (Verstand). A ciência tenta a coordenação de todos os fatos individuais, subsumindo-os em um sistema abstrato de leis, mas a sua tentativa de fornecer-nos um saber completo e perfeito falha, visto que não é conhecimento do Ser, mas deste ou daquele ser particular; além disso, não está apta a oferecer-nos qualquer direção para a vida, sendo ela própria que carece de um guia. Jaspers não tende para o menosprezo da ciência, que no seu campo próprio fornece «úteis» indicações sobre o mundo; mas adverte que ela está destinada ao fracasso sempre que, exorbitando dos seus limites próprios, pretende tomar e compreender o ser como tal.
Atenta a impossibilidade de atingir o ser através da orientação no mundo, só nos resta tentar captá-lo em nós próprios, por meio de um processo de clarificação da existência por obra da razão. Esta não é, para Jaspers, a razão abstrata, que pretende reduzir a esquemas científicos a infinita variedade do real; nem sequer a razão dos idealistas que supõe o seu objeto, pretendendo resolvê-lo em si. É antes razão existentiva, individualizada e pessoal, polarmente ligada à existência, pois que «se a existência atinge a clareza só através da razão, a razão tem um conteúdo só através da existência».
Mas, segundo Jaspers, nem no plano da existência nós conseguimos alcançar todo o ser. Com efeito, o homem pode ser encarado sob três aspectos: como realidade, como consciência em geral, ou como espírito. Como realidade — matéria, organismo vivente, consciência individual — o homem não é senão uma parte do mundo, objeto entre os objetos, mero estar-aí: longe de identificar-se com todo o ser, é apenas um ser determinado. Como consciência em geral, o homem é, sim, o legislador da natureza, à maneira kantiana, mas da realidade não colhe senão a forma, que não é, obviamente, todo o ser. Como espírito, o homem alcança além disso uma visão totalitária da realidade como auto-realização da ideia no devir da história; mas esta visão termina por menosprezar a realidade do indivíduo na sua viva interioridade, e por isso se revela afinal também insuficiente. De igual modo a tentativa para surprender todo o Ser através do ser que nós somos, está destinada ao fracasso. A razão adverte então que a realidade que se pretende objetivar não é mais do que uma perspectiva nossa, um ponto de vista nosso, um horizonte que contém dentro de si o que a cada um é acessível, e que, longe de abarcar todo o Ser, recua sempre cada vez mais, indefinidamente, à medida que nós alargamos o campo dos nosso conhecimentos.
Da objetividade do Dasein emerge então a nossa existência, que é consciência da nossa situação, da nossa limitação aceita por um ato de decisão. A filosofia de Jaspers não é, portanto, uma «rejeição do mundo», mas livre aceitação do mundo, bastante semelhante ao nietzschiano amor fati; é uma assunção do mundo como o «meu» mundo, a minha Weltanschauung. No plano da existência — a qual não é por sua vez objetivável, quer dizer, não é qualquer coisa que eu possa colocar diante de mim como um objeto, e com a qual possa pôr-me em relação — a razão atinge o absoluto.
Mas, como vimos, a existência não é todo o Ser. A razão põe-nos em guarda contra a pretensão de alcançar verdades definitivas e exaustivas: podemos alargar cada vez mais o nosso horizonte, organizar as nossas experiências de formas cada vez mais coerentes e unitárias, mas jamais poderemos atingir a absoluta unidade, o ser na sua totalidade, que por isso mesmo é transcendência. O novo horizonte será sempre particular, e nunca atingiremos o horizonte omnicompreensivo, que circunscreve todo o Ser — aquilo a que Jaspers chama o Umgreifende.
A relação entre a existência e a Transcendência constitui o terceiro momento do filosofar, a «metafísica». No horizonte a existência depara com a Transcendência, o ser total que, embora sendo constitutivo da minha existência, infinitamente a transcende. Abrir-se à Transcendência quer dizer superar continuamente os nossos horizontes limitados, para conquistar horizontes sucessivamente mais amplos, nos quais possa encontrar sempre maior satisfação a nossa ânsia de verdade. E ainda que o esforço do homem para atingir a Verdade total, para conquistar a Transcendência, esteja destinado ao fracasso, ao «naufrágio», como diz Jaspers, mesmo este naufrágio dá um significado à nossa existência, que se torna quotidiana conquista de uma verdade sempre mais compreensiva e mais alta.
No pensamento de Jaspers o conceito de comunicação tem uma importância central. Segundo ele, a razão só pode explicar-se através da linguagem, e esta pressupõe a comunicação entre os homens. A comunicação é constitutiva da nossa existência, é indispensável para a pesquisa da verdade. «O homem singular não pode nunca por si só tornar-se um homem».
No plano da objetividade a comunicação pressupõe a sociedade. Aos problemas da sociedade e do Estado dedica Jaspers uma trintena de densas páginas no segundo volume da sua obra maior, e nelas viu Bobbio, não sem razão, as linhas de uma filosofia do direito «in nuce». Jaspers reconhece a necessidade e o valor positivo da vida social. A sociedade é que ofereceu ao homem as condições objetivas, necessárias ao seu desenvolvimento espiritual, que lhe permitiram tornar-se aquilo que é; e é ainda a sociedade que assegura ao homem as condições necessárias à sua vida, de tal modo que ele permaneceria ainda inserido na sociedade, mesmo que por hipótese conseguisse isolar-se materialmente. Fora da sociedade não pode haver existência. Ao indivíduo não resta outra escolha: «ou reduzir-se a nada, fechando-se na sua subjetividade, ou desenvolver-se na objetividade, entrando nela».
A sociedade assegura a cada um o espaço para a existência. Ela tornou-se necessária pela vocação do homem, enquanto Dasein, para o domínio (Herrschaft), para a propriedade e para a ordem. A vontade de domínio, que constitui o único modo de estar-aí para a espécie animal, é no homem consequência da sua imperfeição, pois que «eu quero dominar, quando não sou capaz de amar». Por virtude da vontade de domínio, sem a sociedade a existência não seria de fato possível, porque se traduziria na luta de cada um contra todos. É ainda a sociedade que garante a cada um certo poder de disposição (Verfügungsmacht) sobre uma força do mundo externo. Este poder de disposição é a propriedade, que encontra um limite no poder alheio. Jaspers justifica a propriedade como o poder que assegura estabilidade à vida humana: sem ela, os homens viveriam o dia a dia; graças a ela, vivem pelo contrário em uma «perspectiva histórica». Isto porque ela consente aos filhos herdarem o fruto do trabalho dos pais, não para desbaratá-lo, mas para consolidá-lo e aumentá-lo, conferindo assim continuidade histórica à obra das gerações. É aquilo a que ele chama o «pathos» da propriedade, e que aos seus olhos explica o respeito que rodeia os possidentes. A propriedade, pensa ele, não pode ser suprimida, porque sempre renasce sob nova forma. Assim acontece quando ela não pertence a determinados indivíduos, mas ao Estado, pois mesmo neste caso são sempre indivíduos, na qualidade de funcionários, a disporem das vantagens que ela traz e a regular o seu uso, em nome da coletividade.
Por sua vez, a propriedade requer a existência de uma ordem que a garanta. E não pode haver ordem fora de uma sociedade que assegure a observância das leis e o respeito das instituições.
Para Jaspers a sociedade não é concebível senão politicamente organizada como Estado e, ainda segundo ele, «O Estado como tal só existe na luta». Esta não se manifesta só nas relações externas entre os Estados; caracteriza também a sua vida interna, pois é através da luta que se determina a prevalência daquela vontade que depois se tornará decisiva para todos. O Estado oferece precisamente o quadro para a formação da vontade política que deverá impor-se às outras.
Em seu entender, não devemos esperar do Estado a total satisfação das nossas necessidades. Uma sociedade em que tal satisfação se realizasse funcionaria automaticamente: nela não haveria luta, e o Estado não teria razão de existir. Nem sequer devemos esperar do Estado a realização de uma justiça perfeita e absoluta, porque isso implicaria um conhecimento total do homem, de que ninguém pode vangloriar-se. Jaspers condena resolutamente a pretensão de considerar o Estado como portador de valores absolutos. Efetivamente, quando uma religião se impõe como a única verdadeira, considerando as outras como blasfemas; quando uma filosofia se apresenta como um sistema fechado e definitivo, julgando todos os outros em erro; quando um regime político pretende ter estabelecido de uma vez para sempre aquilo que é devido e aquilo que pode pretender-se, então torna-se impossível uma verdadeira comunicação entre os homens, e fica aberta a porta à intolerância e à tirania.
Jaspers é bastante firme ao reivindicar para o indivíduo um destino mais alto que aquele que ele pode realizar no quadro da sociedade. Esta tende a absorver sem resíduos o indivíduo na objetividade que é o seu modo de ser. Já em 1931, em uma obra intitulada Die geistige Situation der Zeit, ao examinar os principais problemas do nosso tempo, Jaspers tinha posto a claro como este perigo é hoje mais grave que nunca.
Num mundo dominado pela técnica, o homem tende cada vez mais a deixar-se absorver pelas coisas, a identificar-se com uma função, a reduzir-se a uma modesta engrenagem de um mecanismo misterioso e absurdo que o ultrapassa por todos os lados. Neste triunfo do tecnicismo e do funcionalismo, na rejeição da metafísica que se revela o traço dominante do pensamento contemporâneo, Jaspers tinha visto uma grave ameaça para tudo o que de mais ciosamente íntimo e de mais autenticamente humano há no indivíduo, e o sinal mais tangível da profunda decadência para a qual parecemos agora encaminhados.
Voltando, na sua obra maior, a tratar das relações entre a sociedade e o indivíduo, adverte que essas relações foram colocadas sob o signo de uma permanente e ineliminável tensão (Spannung). Enquanto a vontade do indivíduo prossegue interesses meramente vitais, ela não pode deixar de entrar em conflito com os interesses alheios; por outro lado, enquanto a sociedade prossegue fins meramente econômicos, corre a todo o momento o risco de perder de vista a intimidade das consciências e de cair no abstrato. «Uma vez que a objetividade da sociedade não é real em si mesma, mas existe somente na satisfação da subjetividade que nela se encontra; uma vez que, por outro lado, a subjetividade e a objetividade não conseguem conciliar-se dentro da sociedade, entre o indivíduo e o todo social nasce um estado de tensão».
No conflito que inevitavelmente se estabelece entre o indivíduo e a sociedade, o primeiro é portador de valores irredutíveis aos valores sociais. «O indivíduo — escreve mais adiante Jaspers — torna-se uma personalidade plena não apenas quando está em sociedade, na qual se identifica com uma ideia, mas quando está nela com a condição de conservar aquela independência da qual não pode abdicar em favor da sociedade. O indivíduo que se isola cai no nada, mas o mesmo acontece àquele que se dissipa na generalidade da objetividade e da subjetividade sociais». Perante o impulso da sociedade que tenda para o aplanamento, para a uniformidade e para o conformismo, o indivíduo cioso da sua singularidade revela-se necessariamente como herético (Ketzer): tem uma opinião própria a fazer valer contra os interesses constituídos, contra o princípio de autoridade, contra a intolerância organizada da Igreja e do Estado.
Se a sociedade se desdobra toda no domínio da objetividade, e nem é mais que uma das formas da objetividade, não é certamente no seu seio que pode realizar-se uma autêntica comunicação existencial, que é sempre o encontro de dois indivíduos, de duas subjetividades. Na comunicação cada um, manifestando-se aos outros, revela-se a si próprio, pois que esta revelação «não se realiza totalmente em uma existência isolada, mas só em conjunto com a outra pessoa». Também a comunicação comporta uma espécie de luta, mas é uma luta sui generis que é também, ao mesmo tempo, amor. Ela não tende a estabelecer sobre o outro uma superioridade ou uma vitória, que, quando se verifiquem, devem antes ser consideradas como uma culpa e uma perturbação, e por isso mesmo combatidas por sua vez. É uma luta em que «cada um põe tudo à disposição do outro», e que instaura um diálogo: «aquilo que eu digo é compreendido com uma interrogação. Eu quero ouvir uma resposta, mas não quero nunca simplesmente persuadir ou constranger. Uma autêntica comunicação exige uma pergunta e um responder sem fim»; é uma luta em comum para a conquista da verdade, que nenhum dos dialogantes pretende possuir em sentido absoluto.
Nas conferências proferidas em Groningen em 1934, e publicadas nesse ano sobre o título Vernunft und Existenz, Jaspers volta ao tema da comunicação. Nelas parece atenuar a nítida contraposição, que tinha deixado na sua obra maior, entre sociedade e comunicação. Passa então a usar indiferentemente um e outro termo, e distingue principalmente três planos de comunicação, resultantes de um progressivo aprofundamento da consciência individual, e correspondentes aos três modos de ser do eu que, como sabemos, pode ser encarado como realidade, como consciência em geral, ou como espírito. No plano da realidade, a comunicação dá lugar à sociedade objetiva e às instituições em que ela se articula: nela os homens associam-se pelo seu interesse, porque só na união com os outros homens podem realizar os seus fins individuais. No plano da consciência em geral, os homens encontram um laço na sua estrutura racional comum, que torna possível uma linguagem científica universal. No plano do espírito, finalmente, a comunicação realiza-se pela consciência de os indivíduos pertencerem a um todo orgânico que os transcende.
Jaspers põe em evidência como cada um destes três modos de comunicação tem um valor próprio de verdade: para o primeiro é a verdade do útil, para o segundo a verdade da ciência, e para o terceiro a unidade espiritual. Mas põe-nos em guarda contra a tentação de admitir que um só deles, ou os três em conjunto, esgotem a verdade. O útil permite aos homens comunicarem só no plano das elementares necessidades vitais; a ciência permite a comunicação só no plano do genérico e do abstrato; a unidade espiritual, por último, permite a realização daquela forma de comunicação que pode estabelecer-se entre um órgão e o organismo a que ele pertence, e que tende por isso a reduzir o eu a uma função de um todo. A insuficiência destes três modos de comunicação — a que se exprime na procura da utilidade individual, a que se reduz substancialmente a verdades científicas abstratas, e a que se realiza em volta de uma ideia — suscita a exigência de uma forma de comunicação autêntica, a «comunicação existencial», em que o eu encontre finalmente um tu em tudo semelhante a si mesmo. Na comunicação existencial, e através dela, o eu, revelando-se ao outro, toma consciência de si próprio, pondo-se à disposição do outro, dilata a sua própria personalidade. Na sua mais recente obra, Von der Warheit, de 1947, Jaspers aprofunda o conceito da comunicação como diálogo sempre aberto: explica que a comunicação é a concreção das existências, e que a relação com um outro não é relação de uma totalidade completa com outra totalidade completa, mas de um ser incompleto com outro ser incompleto. A verdade alheia revelar-se-me-á como verdade de outro que está procurando comigo, senti-la-ei não como estranha e oposta à minha, mas como brotando de uma mesma origem existencial.
Como já observou Pareyson, na filosofia de Jaspers os motivos mais válidos do existencialismo encontram a sua mais amadurecida e aprofundada elaboração. Quando nos aproximamos do pensamento deste filósofo, não podemos reprimir a nossa respeitosa admiração por um homem que há mais de trinta anos luta com tenacidade e coragem contra todas as formas de intolerância, de fanatismo e de tirania; que no imediato pós-guerra exortou os seus concidadãos a um severo e sincero exame de consciência; e que ainda mais recentemente sentiu necessidade de advertir os homens do perigo inerente à disponibilidade de tremendas forças destrutivas, não contrabalançadas por um adequado potencial moral. Como Sócrates há vinte cinco séculos, como Kant há cento cinquenta anos, assim Jaspers conduziu no nosso tempo uma dupla batalha contra o ceticismo e contra o dogmatismo, contra o repúdio da razão e contra a soberba da razão, sempre em defesa do homem e dos seus mais altos valores.
O sentido mais profundo da filosofia de Jaspers está, no nosso modo de ver, em ter transferido a exigência crítica do plano abstrato da consciência em geral para o plano concreto do existente. O Umgreifende de Jaspers, o horizonte omnicompreensivo que nenhum espírito humano é capaz de abarcar, tem função idêntica à das «ideias da razão» no sistema de Kant, com a diferença de que estas últimas são o produto da atividade do eu transcendental, ao passo que o Umgreifende está centrado em volta do existente concreto, historicamente condicionado.
Em face das sugestões místicas ou irracionalistas para as quais outras doutrinas existencialistas não deixaram de mostrar-se indulgentes, Jaspers reivindica o valor da razão como instrumento de clarificação da existência. Mas ao mesmo tempo põe de sobreaviso contra a pretensão de a razão atingir verdades definitivas e exaustivas, e recorda que a verdade não é nunca dada, mas está toda no esforço constante e sincero de procurá-la e aprofundá-la.
E se a verdade não pode nunca ser alcançada como um todo, a ninguém é lícito assumir como absoluto o seu próprio ponto de vista. O dogmatismo e a intolerância são os grandes inimigos do filosofar, que manifesta a sua fecundidade onde houver comunicação amorosa e diálogo.
Não surpreenderá, portanto, a importância que Jaspers atribui ao problema da comunicação, sobre o qual insiste em quase todas as suas obras. Na sociedade política vê ele uma forma inferior de comunicação; mas diferentemente de Kierkegaard e de Heidegger, para ele a sociedade, embora estando toda compreendida na esfera da objetividade, não é todavia o mundo da queda e da degradação. A sociedade é encarada por Jaspers na sua função necessária e insubstituível. Ela assegura estabilidade e continuidade à obra do homem, e permite-lhe colocar-se em uma perspectiva histórica. Mas ai da consciência que se deixa encerrar no círculo da objetividade social, porque acabará por perder-se a si própria, tanto como a que se isola na sua subjetividade empírica. A sociedade juridicamente estruturada e politicamente organizada em Estado não será nunca o Umgreifende, o deus incarnado, o Valor dos valores. Jaspers reivindica acima dela os direitos do indivíduo, que é sempre a exceção, o único existente capaz de, na comunicação amorosa com os seus semelhantes, aproximar-se da Transcendência.
Pode dizer-se que só poucos indivíduos excepcionais sabem elevar-se à autêntica comunicação, enquanto a grande maioria dos homens permanece ao nível da objetividade social. Mas deste fato podem ser censurados os homens, e não Jaspers que se limitou a verificá-lo.