[DE SOUSA, Eudoro. Horizonte e Complementaridade. Sempre o mesmo acerca do mesmo. Lisboa, INCM, 2002, p. 98-99]
55. Por conseguinte, não é irrefutável a tese, segundo a qual a «Opinião dos Mortais» seria apenas um artifício dialéctico, e torna-se bastante verosímil que ela se situe no prolongamento da «Via da Verdade», como a verdade do ser, enquanto aparece. O problema, ou o pressuposto, da unidade interna de composição, ou ainda, a legítima exigência de uma unidade de composição, transfere-se agora para o «Proêmio» e suas relações com o poema, considerado em seu todo. Será, este, um artifício literário, tal como se pretendia que a «Opinião dos Mortais» fosse um artifício dialéctico, e portanto que pouco ou nada contribua para integrar a expressão do mais profundo sentido da mensagem filosófica de Parmênides? Antes de tentar qualquer razoada argumentação contra a tese do «artifício literário», convém relembrar o que incidentalmente ficou escrito no parágrafo anterior: as duas potências cosmogónicas, Luz e Noite, que intervêm na «Opinião dos Mortais», também se encontram no «Proêmio»; mas, na primeira parte, como na terceira, não há lugar para o Ser, cujos «sinais» são indiciados na segunda, sem qualquer referência aos contrários ingredientes do que constituiria o Ser em sua aparência intramundana. Por aqui se entrevê uma ponte, ligando o «Proêmio» com a «Opinião dos Mortais». Também, desta última é que arranca uma via de compreensão, para a necessidade do «Proêmio», designadamente, do frg. 16. Com efeito, seja qual for a hipótese que se proponha, quanto ao sujeito inexpresso da oração principal (Mansfeld, 175-193), a ideia que se depreende com segurança é esta: «todos os homens estão condenados a um pensamento impuro e incompleto, por serem todos constituídos por dois elementos» (Frankel, Parmenidesstudien, 176), Luz e Noite; tal como são, assim pensam o mundo em torno deles. Pode um, em cuja constituição prepondera a Luz, aceder ao conhecimento de um mundo mais luminoso; e outro, em cuja constituição predomina a Noite, ao conhecimento de um mundo mais sombrio; mas, em qualquer caso, jamais deixarão os homens de vê-lo dualisticamente: a unidade dos contrários, no Ser, não é aquisição natural do saber humano, mas revelação divina. (Eudoro de Sousa, “Horizonte e Complementaridade”)