Canetti (1982) – sucesso do “complexo de Édipo”

Por ocasião de minha chegada a Viena, ele se tornara tema de uma tagarelice universal e insípida, da qual ninguém se excetuava, e nem mesmo o mais implacável denegridor da plebe achava que um “Édipo” fosse indigno dele.

Mas é preciso reconhecer que ainda estávamos sob o impacto da guerra que mal acabara de terminar. Não tínhamos esquecido o que nela pudéramos ver de crueldade homicida. Muitos dos que nela haviam tido uma participação ativa estavam de volta. Eles sabiam muito bem do que tinham sido capazes — quando isso lhes fora ordenado — e se apoderaram com avidez de todas as explicações das pulsões de morte que a psicanálise lhes propunha. A banalidade da coerção coletiva que haviam sofrido refletia-se na banalidade da explicação. Era realmente notável ver cada ser participante do Edipo tomar-se inocente. Em sua multiplicação ad infinitum, o mais assustador dos destinos se evapora. O mito apodera-se do homem, agarra-o pelo pescoço e o sacode. A “lei natural” a que o mito se reduz já não é mais do que a flauta ao som da qual ele dança.

Elias Canetti, Le flambeau dans l’oreille: histoire d’une vie, 1921-1931, traduzido do alemão por Michel-François Demet. Paris: Editions Albin Michel, 1982, pp. 134-5. De modo geral, como observou Hans Blumenberg, “o sucesso dos mitos freudianos repousa (…) no fato de eles constituírem os mais perfeitos marcos referenciais para a fabricação de formulários de desculpabilização propostos desde Orígenes” (Arbeit am Mythos, 2 ed. revista. Frankfurt: Suhrkamp Verlag, 1981, p. 108).