CEM: I.12 – intervenções médicas

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A medicina moderna é incrível. Como herdeira de milhares de anos de estudo das causas e curas de doenças, pode mitigar muito sofrimento. Os pacientes depositam grande confiança em seus produtos, profissionais e instituições. São gastas fortunas em pesquisa, regulação e consumo de seus bens primários – produtos farmacêuticos. Apesar de tais sucessos e da confiança que muitos depositam neles, neste livro defendo o niilismo médico. Niilismo médico é a visão de que devemos ter pouca confiança na eficácia das intervenções médicas.

À primeira vista, o niilismo médico é irracional. A medicina moderna tem muitas intervenções maravilhosas – milagres, na verdade – de drogas simples como antibióticos a cirurgias sofisticadas como ponte de safena. Além disso, pontos de vista semelhantes ao niilismo médico são frequentemente adotados por pessoas que promovem movimentos perigosos, como campanhas anti-vacina, ou alternativas implausíveis, como a homeopatia. Finalmente, se verdadeiro, o niilismo médico tornaria muitas de nossas práticas cotidianas – consumo fiel de medicamentos caros, compromissos financeiros com planos de saúde, pesquisa de novos medicamentos – bastante estranhos. Assim, o niilismo médico parece, à primeira vista, uma pílula estranha para engolir. Apesar de tudo isso, argumento aqui que é o ponto de vista correto a respeito da medicina moderna. Pense em doenças para as quais não temos cura: dores misteriosas como fibromialgia e artrite, muitas formas mortais de câncer, muitas doenças neurológicas como a de Parkinson, quase todas as doenças psiquiátricas, como depressão e transtorno bipolar, e até a mais simples e onipresente das doenças tais como o resfriado comum. Ou pense em intervenções médicas amplamente consumidas, mas pouco eficazes e com muitos efeitos nocivos, como inibidores seletivos da recaptação de serotonina, estatinas e medicamentos para o diabetes tipo 2. Meus argumentos neste livro os utilizam como exemplos ilustrativos, mas meu foco está na metodologia da pesquisa médica.

Os melhores métodos que os cientistas clínicos empregam para testar intervenções médicas – incluindo ensaios clínicos randomizados e metanálise, frequentemente considerados o auge dos métodos de pesquisa em medicina – não são, na prática, tão bons quanto se promovem ser. Como resultado, devemos ser céticos em relação a muitas das evidências geradas por esses métodos. Como essas evidências costumam ser empregadas para reforçar o fato de que as intervenções médicas são eficazes, duvidar da veracidade de tais evidências contribui para prejudicar o caso de as intervenções médicas serem eficazes. Dito isto, muitas evidências na ciência médica são convincentes – essas evidências provêm dos melhores ensaios clínicos randomizados e de revisões sistemáticas (geralmente realizadas por acadêmicos independentes dos fabricantes das intervenções médicas em questão) e são informados por pesquisas científicas fundamentais – e muitas vezes essas evidências indicam que nossos medicamentos mais usados são essencialmente ineficazes.

Pode-se perguntar por que tanta confiança é depositada em intervenções médicas, e como pode ser que essa confiança – mantida por médicos altamente treinados e conscientes e seus pacientes bem informados, e implementada por sistemas de saúde preocupados com custos – seja muitas vezes equivocada. Meus argumentos a favor do niilismo médico são de alguma maneira direcionados a isso. A explicação que ofereço aqui é que os métodos empregados para testar intervenções médicas são ‘maleáveis’: o design, a execução, a análise, a interpretação, a publicação e o marketing de estudos médicos envolvem inúmeras micro opções refinadas, e essas escolhas estão sujeitas a serem feitas de várias maneiras, e essas decisões influenciam o que é considerado evidência pertinente a respeito de uma intervenção médica sob investigação. Outra linha de explicação, que é igualmente convincente e complementa meu foco nos métodos de pesquisa médica, apela aos fantásticos incentivos financeiros para a venda de intervenções médicas que parecem eficazes. Tais incentivos implicam que, quando as evidências podem ser dobradas em uma direção ou outra por causa da maleabilidade dos métodos, essa tendência é muitas vezes favorecer intervenções médicas e afastar-se da verdade. Um bom trabalho foi realizado por jornalistas e médicos, expondo a influência de incentivos financeiros na ciência médica. No entanto, menos trabalho foi realizado que mostra como os métodos da ciência médica são maleáveis o suficiente para permitir tais influências. Como filósofo da ciência, este é o meu foco: argumento que os métodos de pesquisa médica são maleáveis e essa maleabilidade contribui para reivindicações exageradas de eficácia de intervenções médicas.

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