Wunenburger1990
Desde o início deste século, de fato, a representação do mundo, na astrofísica, na microfísica e depois na biologia, leva a razão clássica a se sentir cada vez mais constrangida em seus quadros identitários.
Tanto as ciências da natureza quanto as humanas foram levadas a renunciar ao ideal de uma unidade epistemológica, por meio da qual a totalidade do real poderia ser iluminada por uma razão única e universal. As grades de subsunção do dado se multiplicaram, os referenciais se emanciparam da pesada disjunção entre o homogêneo e o heterogêneo puros, entre, por exemplo, a identidade monótona do mecanicismo e a alteridade romântica do vitalismo. Essas abordagens, próprias de tal ou qual disciplina, ganham uma dimensão insuspeitada porque são sustentadas por um trabalho filosófico de crítica ao racionalismo clássico. A diversificação dos modelos de abordagem do real é cada vez mais complementada por uma espécie de “subversão epistemológica”. Não se trata apenas de multiplicar os modos de investigação do dado, mas de submetê-lo a um jogo cruzado de esquemas antagônicos e escalares.
A comunidade científica, muitas vezes bachelardiana sem saber, incentiva assim discursos corrosivos e insolentes que retomam as intuições mais antigas sobre uma concórdia e discórdia de todas as coisas. Enquanto muitas empresas intelectuais mergulham em pluralismos anárquicos ou niilistas, onde a diferença se fragmenta, girando de forma caótica e recusando qualquer abordagem que não seja estetizante, essas especulações preparam, ao contrário, uma racionalidade contraditória e conflituosa. É assim que, no florescimento de hipóteses, códigos e modelos próprios às ciências da natureza e do homem nas últimas décadas, duas linhas de força nos parecem ter ajudado particularmente a compreender melhor o processo de diferenciação em um espírito pós-aristotélico ou pós-cartesiano: aquela que leva a substituir a concepção a-lógica da totalidade clássica por uma totalidade composta, [17] poliédrica, antagônica, em suma, holística; e aquela que cruza abertamente o ferro com o logicismo ortodoxo para promover modos de pensar contraditórios e paradoxais.
No primeiro caso, trata-se de acoplar estruturalmente a identidade e a alteridade, o positivo e o negativo, para captar qualquer conjunto de fenômenos como determinado simultaneamente por uma dupla lógica. Na esteira dos trabalhos sobre sistemas em tensão de L. Von Bertalanffy, A. Koestler soube destacar as grandes vias de um pensamento holístico diferenciado: o holon se torna assim uma espécie de configuração nova de objetos que desafia tanto a inteligência analítica das partes quanto a inteligência sintética das totalidades fusionadas. Verdadeiro Janus bifrons, o holon comporta polaridades, segue tendências integrativas e assertivas ao mesmo tempo e pode se abrir para articulações em redes múltiplas. Próximo a essa orientação, o percurso de Edgar Morin permite valorizar, em todos os níveis de organização do real, uma complexidade fundada tanto na relação quanto na oposição. A disposição em sistemas dinâmicos do real torna necessário o conceito de uma Unitas multiplex:
A ideia de unidade complexa ganhará densidade se pressentirmos que não podemos reduzir nem o todo às partes, nem as partes ao todo, nem o uno ao múltiplo, nem o múltiplo ao uno, mas que devemos tentar conceber juntos, de forma complementar e antagônica, as noções de todo e partes, de uno e diverso.
Em todas essas perspectivas, a realidade se abre para um sistema de estados plurais e incompatíveis, que dão conta tanto do ser quanto do devir, da ligação e da separação das propriedades e elementos. Não apenas a complexidade contraditória floresce primordialmente no coração de um campo científico delimitado, mas se amplia rapidamente na escala de uma verdadeira visão global do mundo. De modo que, além das exigências limitadas de uma racionalidade particular, a complexidade reverbera até seu substrato lógico, que se encontra assim no alvo dessas empresas subversivas.