Stambaugh (FFBE) – Temas fundamentais do budismo

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Passando aos três principais temas do livro, o primeiro, si, contrasta com a doutrina hindu do Atman (Si). O budismo proclama a doutrina do anatman (não-si), que significa que não há um substrato psicológico permanente e imutável, ou ego individual, subjacente à nossa experiência. Mas este não-si, não completamente diferente da doutrina advaita de Brahma-nirguna (sem atributos, desprovido de qualidades), que só pode ser descrito como neti, neti (“não isto, não isto”), não é um mero nada inerte ou vazio. Ele está vivo em nosso senso de liberdade e autenticidade. É um nada inatingível pelo intelecto. Finalmente, para conhecer a realidade, é preciso ser ela.

Satori (iluminação) é descrito como o nada vendo a si mesmo como tal. Este é um ver que transcende sujeito e objeto, ou um ver onde sujeito e objeto desaparecem como entidades separadas e distintas. O verdadeiro Si ou natureza búdica é precisamente este nada ou vazio (sunyata). Ele envolve superar o apego ao ego que está enraizado na ignorância (avidya), a qual reside no que o budismo denomina como a oitava “consciência depósito”. Este conceito altamente enigmático da consciência depósito, que alguns estudiosos ocidentais tentaram, acertadamente ou não, comparar ao inconsciente coletivo de Jung, está encarnado em nosso corpo físico. Basicamente, ela é neutra e pode tanto congelar-se na cegueira do ego quanto despertar para a Talidade (tathata) ou a natureza búdica, que é—como aponta Abe Masao em seu ensaio sobre “Deus, Vazio e o Verdadeiro Si”—”surpreendentemente similar” ao conceito de theosis (deificação) encontrado nos escritos de Pseudo-Dionísio. É importante ressaltar, no entanto, que este mysterium magnum, frequentemente referido como “Ele” ou “Tu” em muitas tradições místicas do Oriente e Ocidente, no Zen deve ser, como afirma Abe Masao, visto não como um “outro”, mas como o “verdadeiro Si”.

A realidade última para o budismo é sunyata, o vazio, ou melhor, uma plenitude contendo todas as possibilidades. Ela ocorre em uma dimensão superior à da ciência (ou cientificismo) ou do senso comum. Esta dimensão está além tanto do mundo visto mecanicamente quanto do mundo visto teleologicamente. É a dimensão do sem-fundo aberta pela Grande Morte, descrita por Nishitani Keiji da seguinte forma: “É algo que se apresenta como real a partir do único fundamento do si e de todas as coisas. É a verdadeira realidade do si e de todas as coisas, na qual tudo está presente exatamente como é, em sua talidade.”

“Naturalidade” ou jinen foi definida pelo estudioso Shin Taitetsu Unno como “o poder de cada ser (ji) realizando a si mesmo, tornando-se o que estava destinado a ser (nen).” Como escreve Abe Masao em seu ensaio sobre “Homem e Natureza no Cristianismo e Budismo”, jinen é “considerado a base comum original tanto do natural quanto do sobrenatural, criatura e criador, homem e Deus, seres sencientes e os chamados budas. No jinen, todas as coisas, incluindo o homem, a natureza e até o sobrenatural, são elas mesmas, e como são.” No plano humano, isso envolve o insight do “igualmente”, o fato de que eu sou e igualmente não sou. Na formulação do Sutra do Diamante: A e igualmente não-A. Isso também pode ser expresso como “natureza naturante”, uma frase que ocorre em Spinoza e Nietzsche. Ou ainda, o sagrado no homem é afirmado ao se perceber que o reino do transcendente e o reino do imanente, objeto sagrado e sujeito sagrado, conhecido e conhecedor, não são essencialmente diferentes no próprio fundamento do ser.

Finalmente, voltamo-nos aos capítulos sobre o budismo Shin. A distinção entre tariki (outro-poder), enfatizado pelo Shin, e jiriki (auto-poder), enfatizado pelo Zen, se dissolve quando se percebe que é da mesma realidade profunda que os conceitos de “outro” e “si” surgem. A Terra Pura dos budistas Shin pode ser entendida como um lugar onde seres iluminados residem, nesta vida ou na próxima, e nesse sentido é o reino da iluminação como tal. A ênfase no outro-poder em oposição ao auto-poder envolve a ideia de que o que é alcançado (iluminação, satori) não pode ser forçado por um ato de vontade. Por outro lado, se não nos esforçarmos, nada acontecerá.