Página inicial > Antiguidade > Platão (V-IV aC)

Platão (V-IV aC)

      

Segundo o filósofo Jean Brun   (1985)

O filósofo que deseja estudar o pensamento   dos pré-socráticos  , o dos estoicos   ou o dos epicuristas depara com o problema da ausência quase total de textos e limita-se a estudar as citações ou os fragmentos transcritos pelos autores posteriores. Com Platão  , Aristóteles   e Plotino  , estamos frente a um problema de certo modo inverso, não temos poucos textos, mas sim, e por vezes, textos de mais: quando se estuda Platão ou Aristóteles deve fazer-se a separação  , entre as obras que tradições por vezes em desacordo atribuem a esses filósofos, entre as obras suspeitas e as obras apócrifas. Dispomos, para a autenticação da obra de Platão, de critérios externos: uma obra é autenticada se Aristóteles ou Cícero   a atribuírem a Platão ou se se encontrar uma citação da obra no interior de outra — e de critérios internos: uma obra é atribuída a Platão se for «conforme» a sua filosofia, mas são visíveis os perigos deste procedimento que consiste em definir   primeiro Platão para depois poder ajuizar das suas obras; outros críticos utilizaram o processo estilométrico, que consiste em medir a frequência de certas palavras gregas usuais de modo a definir um «estilo» de Platão que permita autenticar uma obra segundo o modo como foi escrita, mas deve dizer-se também que o estilo não é um dado imutável   num homem   que viveu perto de 80 anos.

O segundo problema é o da cronologia das obras; é certo que o pensamento de Platão evolui e que não é o mesmo nos diálogos   de juventude   e nos da maturidade; mas os críticos de Platão nunca conseguiram entender-se sobre uma cronologia rigorosa.

Resta outro problema: Aristóteles fala-nos [1] das «obras não escritas» de Platão; alguns quiseram separar um ensino exotérico, que estaria nas obras chegadas até nós, e um ensino esotérico que teria sido exclusivo dos estudantes da Academia, mas é muito difícil saber algo [2] sobre esse ensino esotérico, a não ser   que se relacionava com as «ideias-números».

Temos duas classificações antigas das obras de Platão: uma classificação trilógica de Aristófanes de Bizâncio e uma classificação tetralógica de Trasilo. Eis a classificação que foi adotada hoje em dia na coleção de G. Budé que editou as obras completas de Platão (texto com aparato crítico, tradução e introduções desenvolvidas) e à qual iremos buscar todas as citações que se seguirão [3]; esta classificação segue uma ordem   cronológica provável:

  • Hípias menor, sobre a Mentira  , gênero   anatréptico;
  • Alcibíades, sobre a natureza do homem, gênero maiêutico (atribuição   contestada);
  • Apologia   de Sócrates  ;
  • Eutifron  , da Piedade  , gênero probatório;
  • Críton, do Dever  , gênero ético;
  • Hípias maior, sobre o Belo, gênero anatréptico;
  • Laques  , sobre a Coragem  , gênero maiêutico;
  • Lísis, sobre a Amizade  , gênero maiêutico;
  • Cármides, sobre a Sabedoria  , gênero probatório;
  • Protágoras, sobre os Sofistas, gênero demonstrativo;
  • Górgias, sobre a Retórica, gênero refutativo;
  • Ménon, sobre a Virtude, gênero probatório;
  • Fédon, da Alma  , gênero moral;
  • O Banquete  , do Amor, gênero moral;
  • Fedro  , da Beleza, gênero moral;
  • Ion  , sobre a Ilíada  , gênero probatório;
  • Menéxeno, da Oração fúnebre, gênero moral;
  • Eutidemo  , ou da Erística, gênero anatréptico;
  • Crátilo, sobre a Justeza dos nomes;
  • A República, da Justiça, diálogo   político;
  • Parmênides  , autocrítica das Ideias;
  • Teeteto  , sobre a Ciência, gênero peirástico;
  • O Sofista  , do Ser, gênero lógico;
  • O Político, da Realeza ou da Governança;
  • O Filebo  , do Prazer, gênero ético;
  • Timeu  , ou da Natureza;
  • Crítias ou da Atlântida;
  • As Leis ou da Legislação;
  • Epinómis ou do Filósofo (atribuição contestada);
  • Cartas (a sua autenticidade é muito contestada, no entanto é provável que a Carta VII  , que nos dá muitos detalhes sobre a vida de Platão, seja autêntica);

Diálogos suspeitos: Segundo Alcibíades, Hiparco  , Minos  , Os Rivais, Téages, Clitofon  .

Diálogos apócrifos: Do Justo, Da Virtude; Demódoco, Sísifo, Eríxias, Axíoco, Definições.

Todas estas obras chegaram até nós através de manuscritos, dos quais os mais antigos remontam à Idade Média bizantina. Os dois   mais importantes são um   manuscrito do século IX que se encontra na Biblioteca Nacional de Paris; a primeira parte perdeu-se mas existe uma boa cópia do século XI que se encontra na Biblioteca de São Marcos em Veneza; o segundo manuscrito data de 895 e encontra-se em Oxford; pode acrescentar-se que escavações empreendidas no Egito   permitiram encontrar papiros incompletos ou mutilados dos três primeiros séculos da era cristã (um deles, para o Fédon, remonta ao século III a. C).

Deve acrescentar-se que, desde a Antiguidade   até a Renascimento, as obras de Platão foram comentadas ou utilizadas por autores mais ou menos prudentes; temos assim comentários de Proclus   (sobre o Crátilo, A República, o Parmênides e o Timeu), de Hérmias, de Olimpiodoro  , a tradução latina incompleta de um comentário de Calcídio sobre o Timeu. Devemos citar também os textos de Plutarco  , de Galiano, de Teão de Esmirna, de Máximo de Tiro, de Albino  , que comentaram, citaram ou criticaram Platão.


VIDE: Parecer do filósofo Bernard Suzanne


[1Cf. Aristóteles, Física, IV, 209b

[2Acerca deste problema, cf. David Ross, Plato’s theory of Ideas (Oxford, 1951)

[3As obras completas de Platão foram traduzidas também por Chambry e Baccou (col. G. F.) e por L. Robin e J. Moreau (2 vol., col. La Pleiade). A coleção Loeb possui uma edição do texto grego com a tradução inglesa.