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Bonaventure / Boaventura / Buenaventura

  

BOAVENTURA DE BAGNOREGIO (1217-1274)

LÉXICO DE FILOSOFIA

OBRA NA INTERNET: LIBRARY GENESIS; BONAVENTURE (Saint, Docteur de l’Eglise) - obra traduzida em francês; OS ESCRITOS DE SÃO BOAVENTURA DE BAGNÓREA - em diferentes traduções, inclusive alguns em português


Carneiro Leão

A Recondução das Ciências à Teologia e O Itinerário do Espírito para Deus, designam e cumprem a tarefa e o exercício de toda a teologia. É que o cristão só pode compreender o mundo em função da Fé. Escolástica e Mística, Inteligência e Contemplação, Fé e Pensamento se interpenetram de tal modo que não se podem distinguir um do outro. Em sua essência, são expressões diversas de um mesmo coeficiente de ser e realizar-se. Esta visão contemplativa de toda a existência cristã exclui qualquer possibilidade de uma natureza neutra e indiferente. Transfigurada pela luz da Fé, a natureza se liberta da condição de mero reservatório de energia, de insumos e matérias-primas a serviço da vontade de poder dos homens. Contemplar a natureza é ver a difusão de si mesmo de todo Bem: Bonum est diffusivum sui!

Julián Marías

Estritamente contemporâneo de Santo Tomás de Aquino é João de Fidanza a quem conhecemos com o nome de São Boaventura. Nasce em 1221, em Bagnorea (Toscana), e morre no mesmo ano que São Tomás, em 1274. São Boaventura, membro da Ordem franciscana, onde chegou a ser o geral, representa dentro dos irmãos menores algo semelhante ao que foi São Tomás para os dominicanos: o começo de uma tradição filosófica e teológica, que continuará longamente em cada uma das escolas.

A influência de São Boaventura foi, no entanto, menos dominadora e, ao mesmo tempo, mais compartilhada. A rigor, é somente um ponto de arranque, que será continuado por Rogério Bacon, por Duns Escoto, Guilherme de Ockam e outros filósofos de menor porte. Indiscutivelmente, a falta de uma obra sistemática comparável à tomista moderou dessa maneira a influência direta de São Boaventura. Porém o fez mais ainda a própria atitude em que os dois pensadores, o dominicano e o franciscano, se situam ante a realidade filosófica de seu tempo.

O grande problema do século, como já vimos, é o aristotelismo. Santo Tomás se inclina a recolhê-lo integralmente, quanto possível, e a ter como filosofia própria, nessa mesma medida, a de Aristóteles. São Boaventura, pelo contrário, se atém primariamente à tradição, e representa assim o espírito de continuidade dentro da Escolástica. Não deixa, porém, de receber a influência de Aristóteles, embora a incorporando ao fundo geral, antes de tudo agostiniano, de seu pensamento. Por isso. embora à primeira vista sua filosofia seja anterior à tomista, mais próxima à do século XII, na realidade é contemporânea e significa a outra posição que a Escolástica toma ante o fato do aparecimento em seu horizonte mental das obras aristotélicas.

Esta atitude, que concede menos ao aristotelismo, mas em compensação salva mais a coerência com o passado filosófico anterior, tem consequências fecundíssimas. Por um lado, perde-se o recurso de um repertório de técnicas e instrumentos intelectuais perfeitíssimos, que dá ao tomismo seu indiscutível predomínio no século XIII; mas, por outro lado, evita-se a interposição de uma doutrina complexíssima e alheia entre o pensamento próprio e a realidade, e assim entre os franciscanos se mantém um contato mais vivo e imediato com o problematismo filosófico mesmo. Por isto, enquanto o tomismo triunfa em seu tempo e mantém-se vigente em uma escola, ao mesmo tempo que determina em boa parte o desenvolvimento de toda a, teologia católica ulterior, o pensamento dos franciscanos medievais influiu de um modo muito mas vivo e eficaz na formação da filosofia moderna e da ciência renascentista.

A direção filosófica que parte de São Boaventura, inspirada nesse amor à Natureza e esse interesse pelas coisas mesmas que radicam na caridade franciscana, embora tradicional e "antiga" em seu século, revela-se de fato de uma grande modernidade, por suas extensas repercussões no futuro.

São Boaventura considera a filosofia como um itinerário da mente para Deus; por isso sua culminância se coloca no êxtase místico, onde o sobrenatural já intervém, para elevar o homem a um conhecimento de Deus que não lhe é dado a suas forças naturais. Esta atitude determina, ao mesmo tempo, sua posição em relação ai Deus e em relação ao homem. Este aparece, uma vez mais, como imagem da Divindade, como ente vinculado estreitamente a Deus e afetado ontologicamente por ser seu espelho ou retrato do ente divino; e, por outro lado, o corpo humano, como as demais coisas sensíveis, forma um primeiro grau ou degrau desse itinerário ascensional que leva a Deus mesmo.

Entre os livros dedicados ao estudo de São Boaventura, podem-se citar: Card I. Ehrle: L’agostinismo e l’aristotelismo nella scolastica del secolo XIII (1925); E. Gilson: La pihlosophie de Saint-Bonaventure (1924); Saint-Bonaventure (2.a ed., 1913); P. Pelayo de Zamayón: Hacia Dios (Roma, 1940). [O TEMA DO HOMEM]