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asat

  

Em sânscrito, "asat" não designa necessariamente o supremo « Não-Ser ». Como o grego "on", o sânscrito "sat" é um particípio presente e significa "sendo". "Asat" designa, então, o "não-sendo" (no sentido relativo), por exemplo o frio em relação ao calor, e, de uma maneira geral, entre os seguidores de Shankara  , os acidentes ou as modificações em relação à « substância », o que Aristóteles   chama em grego de ousia ou « étance » [1], por isso, em relação à "sat", o ser verdadeiro, real ("sat" se distingue de "bhû" : permanência ou perseverança no ser; mesma raiz que o grego "phuô" : tornar-se — de onde "physis" e a ideia da natureza — e do latim "fui": eu fui). É o que declara Shankara no seu comentário da Bhagavad-Gita  , no versículo II, 16, [2], onde se acha enunciado, de maneira quase parmenideana, o princípio da contradição: « O não-ser não vem à ser ; o ser não cessa de ser » (mas on poder-se-ia traduzir mais literalmente : « jamais o não-ser (asat) conhece a permanência (bhâva); jamais a não-permanência (abhâva) é conhecida do ser (sat) ». Texto que o Mestre explica assim : « O não-ser é o que não é, tais como o frio e o calor e suas causas (...). O frio e o calor , etc., e suas causas, se bem que eles sejam percebidos por meio dos órgãos de percepção, não nascem para a existência substancialmente real; pois, isso são modificações, e toda modificação é temporária ». Está no direito de se perguntar se esse versículo da Gîtâ e seu comentário não contradizem implicitamente os textos anteriores do Rig-Veda   (X-72-2) : « o ser nasceu do não-ser », (X-129-1) : « naquele tempo, o não-ser não existia, nem o ser » ; e o mesmo com o Satapatha Brâhmana (6-1 1-1) : « no princípio havia senão o não-ser », ou a Taittirîya Up. (II-7) : « em verdade, este universo na origem era o não-ser. Em seguida nasceu o ser ». Mas, estão de acordo com a Chandogya   Upanixade   (6-2-1 et 2) que enuncia expressamente : « Alguns dizem, é verdade : de todas as coisas, no princípio, não havia um único sem segundo a não ser o não-ser. Deste não-ser nasceu o ser. Em verdade, é o ser que existia no princípio, o ser único e sem segundo ».

A chave destas aparentes contradições nos parece fornecidas pelo primeiro texto citado do Rig-Veda (X-72-2), texto que havíamos amputado de uma importante precisão; ele declara com efeito: «Na primeira era dos Deuses, o ser nasceu do não-ser ». Se se admite que « a primeira era dos Deuses » designa a produção da manifestação informal (Mahat ou « a primeira produção de Prakriti »), vê-se que o ser (sat) do qual se trata não é o Ser como tal (a determinação ontológica principal), mas a existência criada ; e, então, o não-ser (asat), à partir do qual « nasceu » o ser, designa o caos primordial, Prakriti considerou em sua indistinção, sua não-diferenciação. Asat não corresponde de modo algum ao Não-Ser guenoniano (senão por transposição metafísica), e a oposição sat-asat ao nível cosmológico. É porque a mesma Chandogya Upanixade pode afirmar igualmente sem incoerência incohérence (III 19-2): « no princípio este (universo) era senão não-ser; Isto (por outro lado) era o ser » (trad. Varenne, Cosmologie Védiques, Archè, p. 287 ; tradução em muito superior àquela de Sénart). Notemos, entretanto, que aqui, o « O que é sat » não designa a existência manifestada, ma,s seu Princípio ontológico criador, e por consequência disso a oposição asat-sat concerne agora a criação (em seu estado potencial — asat) e a atualidade de Ser criador na sua realidade imutável — sat). E precisamente, colocando o Ser na origem de todas as coisas, e separando daí o não-ser, a Chandogya Up. e Shankara querem, não se opor ao Veda, evidentemente, mas refutar a interpretação que se veria no asat (de onde nos é dito que o sat nasceu) o Princípio único e eficiente da existência do mundo, então, que nisso reside/está senão o termo logicamente anterior [3]. Tanto é verdade, que um texto sagrado não saberia ser lido e compreendido fora de sua interpretação tradicional (exegese literal ou mîmânsâ e metafísica ou vêdânta). De uma maneira geral, aliás, o termo asat é tomado, por Shankara, em sentido « pejorativo ». Entretanto, explica: « o termo sat (=ser) designa comumente o que é diferenciado segundo o nome e a forma, o termo asat (=não-ser) designando a mesma realidade tendo a diferenciação ; é neste sentido aí que Brahma (na passagem dos Vedânta-sûtra que comenta Sankara - Shankara) é chamado Não-Ser, isto é, anteriormente à existência do mundo » [4]. Pode-se concluir, nos parece, que Vedânta shankarien não se apresenta globalmente como uma ontologia negativa propriamente dita à « superar ». O ser (sat) se prende nisso, sem dúvida, segundo o sentido que ele recebe na tradição aristotélica; mas esse sentido é tomado ele mesmo numa dialética mais geral que é do Real e do ilusório, e não do ser e do não-ser. Sat designa então tudo o que é « realidade », em qualquer grau que seja (o que está conforme à significação original da raiz indo-europeia ‘es’).


[1NT: A palavra francesa " étance" significa "substância", o "ser" sendo considerado como a "substância primordial, sensível" (no uso em filosofia). Pode também significar simplesmente o "ser" (como em "étais" sinônimo de "étance"). Entretanto, a Revue roumaine de philosophie et logique de 1994, vol. 38, no 3-4, pp. 349-353, apresentou o título da obra de Anghel E. em francês e inglês da seguinte forma: "L’étance et l’essence dans la philosophie d’Aristote = The ousia and the essence in Aristotle’s philosophy", o que confirma a referência no texto, mas, dificulta ainda mais usar uma tradução sem ser repetitiva, pois, fazer tradução do francês para o português como "substância" fica redundante, uma vez que foi usada na linha acima, e, usar a tradução feita para o inglês que foi ousia, pior ainda, ficaria assim: ... o que Aristóteles chama em grego de ousia ou « ousia »... Esta é uma questão que deixo para os leitores resolverem.

[2capítulo II, 16. Aqueles que são videntes da verdade concluíram que o não-existente (o corpo material) não permanece e o eterno (a alma) não muda. Isto eles concluíram estudando a natureza de ambos. ( In: [http://gita.vraja.net/cap/2.htm] )

[3Mesmo o ex nihilo das traduções semíticas corre o risco, também, de ser objeto de uma má interpretação « causal », como mostrou Leo Schaya, (La Création en Dieu, Dervy-Livres, Paris 1983).

[4Commentaire aux Vedânta-Sûtra, I-4-15, Thibaut, p. 267) (nós traduzimos do inglês.