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Robert Grossetête / Roberto Grosseteste / Robert Grosseteste / Grosseteste / Robert Greathead / Robert of Lincoln / Robert de Lincoln

  

Robert Grosseteste (Lincolniensis) é um dos raros filósofos de seu tempo a saber grego. Devemos-lhe a antiqua translatio da Ética a Nicômaco e a do comentário dessa obra atribuído a Eustrátios. Ele escreveu, ademais, um importante comentário sobre os Segundos Analíticos, de que seria desejável uma reedição devido à longa influência que essa obra exerceu; um Comentário sobre a Física  , ainda inédito; traduções e comentários de Dionísio, o Areopagita, igualmente inéditos (salvo o breve comentário sobre a Mystica theologia); enfim, uma ampla compilação sobre o Hexaemeron, igualmente inédita, em que está esboçada a doutrina da luz que ele desenvolveu e precisou mais tarde em vários opúsculos de que falaremos.

Foi sob a influência do neoplatonismo   e das Perspectivas (ou tratados de óptica) árabes que Grosseteste veio a atribuir à luz um papel capital na produção e na constituição do universo; mas em seu De luce seu de incboatione formarum, essa velha concepção alcança plena consciência de si e se desenvolve de uma maneira perfeitamente consequente. No início, Deus criou de nada e simultaneamente a matéria primeira e a forma dessa matéria. Pelos motivos que veremos, basta supor que Deus tenha criado a princípio um simples ponto material assim informado. Essa forma é, de fato, a luz; ora, a luz é uma substancia corporal sutilíssima, que se aproxima do incorpóreo e cujas propriedades características são a de gerar-se perpetuamente e difundir-se esfericamente em torno de um ponto de maneira instantânea. Dado um ponto luminoso, ele se gera instantaneamente em torno desse ponto como centro de uma esfera luminosa imensa. Essa difusão da luz só pode ser contrariada por duas razões: ou ela encontra um obstáculo opaco que a detém, ou acaba atingindo o limite extremo da sua rarefação possível, e sua propagação termina por isso mesmo. Essa substância formal também é o princípio ativo de todas as coisas; ela é a primeira forma corpórea, que alguns chamam de corporeidade.

Em tal hipótese, a formação do mundo se explica da seguinte maneira. Dada uma matéria que se estende de acordo com as três dimensões do espaço, está dada com isso a corporeidade. Ora, é o que se faz quando é dada simplesmente a luz. Originariamente, já que as duas se reduzem a um ponto, forma e matéria luminosas são igualmente inextensas; mas sabemos que dar-se um ponto de luz é dar-se instantaneamente uma esfera; portanto, assim que a luz existe, ela se difunde instantaneamente e, em sua difusão, arrasta e estende consigo a matéria de que é inseparável. Tínhamos razão, pois, quando dizíamos que a luz é a própria essência da corporeidade, ou, melhor ainda, a própria corporeidade. Primeira forma criada por Deus na matéria primeira, ela se multiplica infinitamente e se propaga igualmente em todas as direções, distendendo desde o começo do tempo a matéria a que é unida e constituindo, assim, a massa do universo que contemplamos.

Por um raciocínio sutil, R. Grosseteste pensa poder demonstrar que o resultado dessa multiplicação infinita da luz e de sua matéria devia ser necessariamente um universo finito. Pois o produto da multiplicação infinita de alguma coisa supera infinitamente o que se multiplica. Ora, se partirmos do simples, basta uma quantidade finita para o superarmos infinitamente. Uma quantidade infinita não lhe seria apenas infinitamente superior, mas uma infinidade de vezes infinitamente superior. A luz que é simples, infinitamente multiplicada, deve pois estender a matéria igualmente simples segundo dimensões de grandeza finita. Assim se forma uma esfera finita, cuja matéria se acha em seu limite último de rarefação nas bordas, mais espessa e mais densa, ao contrário, à medida que nos aproximamos do centro. Depois desse primeiro movimento de expansão que fixa os limites do universo, a matéria central permanece capaz, portanto, de se rarefazer ainda. É por isso que as substâncias corpóreas do mundo terrestre são dotadas de atividade.

Quando toda a possibilidade de rarefação da luz (lux) está esgotada, o limite exterior da esfera constitui o firmamento, que reflete, por sua vez, uma luz (lúmen) para o centro do mundo. É a ação dessa luz refletida (lumen) que engendra sucessivamente as nove esferas celestes, a mais baixa das quais é a da Luz. Acima desta última esfera celeste, inalterável e imutável, escalonam-se as esferas dos elementos: fogo, ar, água e terra. Portanto, a Terra recebe e concentra em si as ações de todas as esferas superiores; é por isso que os poetas chamam-na Pan, isto é, o Todo, pois todas as luzes superiores nela se reúnem, de modo que nela podemos encontrar a operação de qualquer esfera. É uma Cibele, mãe comum de que podem ser procriados todos os deuses.

O principal mérito de Robert Grosseteste talvez não seja ter imaginado essa cosmogonia da luz: devemos louvá-lo ainda mais por ter escolhido essa concepção da matéria por permitir a aplicação de um método positivo ao estudo das ciências da natureza. Antes de seu aluno Roger Bacon, e com uma nitidez que nada deixa a desejar, ele afirma a necessidade de aplicar as matemáticas à física. É de grande utilidade considerar as linhas, os ângulos e as figuras, porque, sem seu socorro, é impossível saber a filosofia natural: utilitas considerationis linearum, angulorum et figurarum est maxima quoniam impossibile est sciri naturalem pbiloso-phiam sine illis. Sua ação se faz sentir no universo inteiro e em cada uma das suas partes: valent in toto universo etpar-tibus ejus absolute. É por isso que Grosseteste escreve seu opúsculo. Nele, define o modo normal de propagação das ações naturais, que se faz em linha reta, seja diretamente, seja de acordo com as leis da reflexão e da refração. Quanto às figuras, as duas que é indispensável conhecer e estudar são a esfera, porque a luz se multiplica esfericamente, e a pirâmide, porque a ação mais poderosa que um corpo ê capaz de exercer sobre outro é a que parte de toda a superfície do agente para se concentrar num só ponto do paciente. O essencial da física se reduziria, pois, ao estudo das propriedades das figuras e das leis do movimento tais como existem no mundo sublunar. Todos os efeitos naturais podem ser explicados por esse meio: his igitur regulis et radicibus et fundamentis datis ex potestate geometriae, diligens inspector in rebus naturalibus potest dare causas omnium effectuum naturalium per hanc viam; é o triunfo da Óptica e da Geometria. Há que explicar todos os fenômenos naturais por linhas, ângulos e figuras: omnes enim causae effectuum naturalium habent dariper lineas, ângulos et figuras. Essa fórmula torna mais fácil compreender a admiração profunda que Roger Bacon sempre conservou por seu mestre.

Grosseteste não limitou sua hipótese à explicação do mundo material e do reino inorgânico; ele a estendeu aos fenômenos da vida e à ordem do próprio conhecimento. É pela luz que Deus age sobre o mundo; ora, o homem é como que um pequeno mundo em que a alma ocupa o mesmo lugar que Deus no grande. Portanto, é também pela luz que a alma age nos sentidos e no corpo inteiro. Fiel ao ensinamento de Agostinho, Grosseteste afirma que a alma pode agir sobre o corpo, mas que, porquanto o menos nobre não pode agir sobre o mais nobre, o corpo não pode agir sobre a alma. Como, pois, a alma pode agir sobre o corpo? O problema se coloca em toda a sua acuidade a propósito da parte superior da alma, a inteligência (intelligentia), que não é o ato de um corpo e não necessita de nenhum instrumento corpóreo para agir. É precisamente para resolvê-lo que Grosseteste, inspirando-se aqui no De spiritu et anima de Alcher de Clairvaux, introduz a luz como intermediária entre essa substância puramente espiritual que é a alma e a substância grosseiramente material que é o corpo.

Numa doutrina em que a luz é a energia radical, a forma primeira e o vínculo de todas as substâncias, a teoria do conhecimento é inevitavelmente orientada para a doutrina agostiniana da iluminação. Existe uma luz espiritual que está para as coisas inteligíveis assim como a luz corpórea está para as coisas sensíveis. Conhecer uma coisa é conhecer a causa formal que existe nela, isto é, a forma pela qual essa coisa é o que é. A operação pela qual conhecemos essa forma é a abstração. Por sua natureza, a inteligência (intelligentia), que é a parte superior da nossa alma, não é o ato do corpo e não precisa de nenhum órgão corpóreo para sua operação. Se não ficasse mais pesada pela massa do corpo, poderia conhecer as formas sensíveis diretamente, como os anjos e Deus conhecem. Na verdade, ela não pode fazê-lo, salvo em algumas almas eleitas que o amor a Deus liberta, desde esta vida, de todo contato com as imagens das coisas corpóreas e, claro, entre os bem-aventurados depois da morte. Numa análise que lembra o Mênon de Platão   (pouco conhecido na Idade Média, mas traduzido por Aristipo em cerca de 1156), Grosseteste explica em seguida como a alma, entorpecida por assim dizer no corpo, desperta pouco a pouco para o inteligível sob o choque repetido das sensações, analisa a complexidade dos objetos, separa a cor da grandeza, da figura e da massa, depois a figura e a grandeza da massa, e assim por diante, até ela chegar a conhecer, desta forma, a substância corpórea que porta esses diversos acidentes. Se devemos passar assim pelas sensações, é porque nossa alma, cega pelo amor que tem por seu próprio corpo, só pode ver o que ela ama: affectus et aspectus animae non sunt divisi, nec attingit aspectus nisi quo attingint amor et affectus. Desprendendo-se de seu amor ao corpo, a alma, ao contrário, se purifica, se abre às influências das Ideias divinas e discerne à luz destas a verdade das coisas, que são como que seus reflexos. [Excertos de Etienne Gilson, "Filosofia na Idade Média"]