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aphele panta / ἄφελε πάντα / desapego / desprendimento / abgeschieden / Abgeschiedenheit / aphesis / ἄφεσις / deixar-ser / απολύτρωση / apolytrose / apolytrosis / liberação / aphiemi / ἀφίημι / νηστεία / nesteia / jejum / apotassomai / ἀποτάσσομαι / renúncia / chai

  

gr. ἄφελε πάντα, áphele pánta: desapego, desprendimento. Expressão muito usada por Plotino   para conclamar o homem imerso na matéria, para assemelhar-se ao Absoluto, pela dispensa das coisas sensíveis. gr. ἄφεσις, deixar-ser; ἀφίημι, perdoar, perdão. Abgeschiedenheit: desprendimento, retraimento, aseidade; abgeschieden: desprendido, livre, solto, à vontade no próprio seu.


Nos Evangelhos  , nas formas gregas de lytron ou antilytron, resgate, preço do resgate; lytroo, resgatar, redimir, lytrosis, apolytrosis, redenção, libertação, soltura; lytrotes, redentor.

Desde o século V AC, lytron e antilytron denotam os meios ou o dinheiro para um resgate. Acham-se também o significado de “recompensa”. Entre os gregos um resgate frequentemente era pago para soltar escravos, mas a palavra ocorre raramente em contextos rituais. O verbo lytroo desde Platão   significa “libertar com um resgate”, “redimir”.

No NT lytron está presente somente nos ditos de Jesus, aparecendo geralmente com redação idêntica em Mateus   e Marcos; apolytrosis ocorre 10 vezes no NT.


Enio Paulo Giachini

Ab-geschieden-heit vem do verbo abscheiden. Este é composto de ab, que significa de (ab, em latim; apo, em grego), afastando-se de; e schei-den, separar, cujo particípio passivo é geschieden, separado de. Daí: Ab-geschieden + heit. E -heit é um sufixo para indicar a formalidade abstrato-essencial. Abschied é despedida, isto é, deixar ser a remissão de cada coisa na unicidade da sua identidade. A tradução para o português de Abgeschiedenheit ficou desprendimento, acentuando a conotação de não estar preso a nada, a não ser a si mesmo; livre e solto, na ab-soluta identidade diferencial de si, a partir e em si, portanto na aseidade e inseidade da plena satisfação e fruição de si mesmo. Essa mesmidade se chama para Eckhart   Deus, uno e trino. Deus é pura e limpidamente ele mesmo, separado de tudo quanto não é ele mesmo. Uma separação de tudo quanto não é si mesmo, a in-sistência na ab-soluta identidade para dentro do abismo da solidão de si mesmo é a separação, cuja despedida (Abschied) remete a Deus, à unicidade decisiva de si mesmo, livre da contração a si, como diferença do e contra outro. É unicidade solta, à vontade como identidade com tudo, na união com outro, na intimidade abissal de identificação com todos os entes no encontro. Essa unicidade da liberdade, fonte donde salta o ser com e o ser do e para outro recebe no pensamento do cristianismo medieval o nome de pessoa, e perfaz o núcleo da dinâmica do mistério da Santíssima Trindade, um Deus em três pessoas. Pai, Filho e Espírito Santo. A dinâmica do relacionamento Pai-Filho-Espírito Santo como absoluta soltura da liberdade do mesmo, como Abgeschiedenheit se chama geração e processão ou simplesmente geração, da qual surge o relacionamento de Deus com os seres humanos como o da geração, ou melhor, filiação divina, de tal sorte que a criatura-homem é filho de Deus no Filho Unigênito do Pai, no Espírito Santo. E então através do homem, tudo que é e não é, tudo que pode ser, tudo quanto possa surgir dentro de um determinado possível sentido do ser, portanto a imensidão, profundidade e vitalidade criativa do abismo da possibilidade de ser, se torna também recepção da filiação divina, de tal sorte que criação, o seu universo no seu ser, repercute em mil e mil modulações e variações o tônus e a tonância do sentido de ser da filiação divina. Nesse sentido ser humano é abgeschieden, ele mesmo, na finitude, isto é, no bem concreto e definido da sua singularidade única, ab-soluta e livre, pessoa como cada um, filho único e singular na intimidade do ser com e do ser para do Deus Uno e trino. E todos os entes do universo não-humano recebem o ser e o sentido do seu ser, a partir e dentro da sonoridade da filiação divina, como caixa de ressonância na recepção da mesmidade dessa imensa sinfonia do encontro do amor de Deus. Essa visão de Deus, o único ser simpliciter, e a pregnância da sua presença como universo-criação no fluxo da dinâmica da filiação divina, fazem duplicar o conceito de Deus em: Deus e deitas, Deus e deidade, que na tradição teológica medieval recebeu a formulação: Deus quoad nos e Deus quoad se.


Traduzir Abgeschiedenheit por desprendimento pode nos levar a entender desprendimento na acepção de renúncia, desapego e abnegação. Como usualmente esses termos são ouvidos na acepção ascético-moral, o desprendimento, principalmente quando aplicado às criaturas, pode ser também interpretado a partir de e dentro do sentido ascético-moral. Em Eckhart desprendimento diz a essência, o ser de Deus, portanto, tem um sentido ontológico. Não se trata aqui, nem em Deus nem na criatura, de renúncia, desapego e abnegação como privar-se de algo, carecer, mas sim da plenitude do ser da liberdade, da plena soltura de ser. A partir e na dimensão dessa plenitude livre de ser é que deveríamos tentar interpretar as categorias ascético-morais de termos como renúncia, abnegação, desapego, limite, finitude, como possibilidades livres da disposição de ser, onde não há a ideia de privação como falta, lacuna, como vazio, mas há simplesmente plenitude concreta, bem determinada. É a limpidez da nitidez pura, livre e "despojada" de tudo que não é ela mesma. [Excertos do glossário do tradutor, Enio Paulo Giachini, da ótima versão portuguesa dos "Sermões Alemães" de Mestre Eckhart]

Hermógenes Harada

Esse ser nada, a que Eckhart também chama de liberdade, por ser puro, ele mesmo e nada mais, só pode ser compreendido nele mesmo. Isto significa que o nada assim gratificante, agraciado e agradecido é limpidez ab-soluta da identidade consigo mesma lauter e ledig. O Nada é, assim, retraído em si mesmo, separado de tudo quanto não é ele mesmo, na disponibilidade da sua identidade. E o que em Eckhart se chama ab-geschieden, Abgeschiedenheit, e que os medievais designavam também com a expressão ens a se, aseitas. Reina aqui a plenitude. Mas essa plenitude não é ser, no sentido de atuação, presença, de vigor cheio, mas a ab-soluta continência da fidelidade da gratuidade a si mesma, na íntima e límpida obediência à sensibilidade e delicadeza do pudor da liberdade. Ser abgeschieden é retraimento do deixar ser o não ser, não como negação ou afirmação da negação do ser, mas sim como liberdade da pura disponibilidade de si na humilde e grata doação de si, e na humilde e grata recepção dessa doação, ambas ao sabor da gratuidade. Aqui doar-se e receber dizem o mesmo como ao sabor da liberdade do louvor e da gratidão. O nada a partir do qual brota a liberdade do louvor e da gratidão se chama Abgeschiedenheit. Abgeschiedenheit é a graça, a beleza da continência da liberdade de Deus, a Gelassenheit. Com precisão diz Mestre Eckhart: "Somente Deus é livre e incriado, e dai ele somente é igual à alma, segundo a liberdade, não, porém, em vista da não-criaturidade, pois ela é criada". Mas se somos iguais a Deus na liberdade, então a diferença do Incriado e do criado não significa diferença de afastamento, mas sim absoluta mesmidade da diferença, cuja identidade se retrai para dentro do mistério do encontro da Filiação divina. Criação diz simplesmente e absolutamente Filiação. Incriado e criado não diz causador e causado, criação não é causação, mas sim a intimidade abissal da geração do Pai e Filho(s) na Liberdade da Graça. [ENSAIOS DE FILOSOFIA]

Johannes Tauler

A razão do "desapego" volta naturalmente também em Tauler  , como em todos os místicos, a ocupar um lugar central. Se o homem quer tornar-se divino deve despojar-se de tudo o que não é Deus, deve deixar de ser o que era, repelir tudo o que lhe é próprio e o converte em um determinado indivíduo; não apenas toda a multiplicidade exterior, mas também a interna multiplicidade das forças interiores, as lembranças da própria existência, as imagens, os pensamentos, os atos de vontade, a dualidade entre o sujeito e o objeto, o saber e o conhecimento. O que importa é submergir-se em um nada infinito, conquistar a viva consciência da própria nulidade, para que nesta Deus, o Nada eterno, possa agir como em si mesmo, sem encontrar obstáculos nem perturbações. A escravidão da alma é o cativeiro do Divino; a liberdade da alma é a mesma liberdade de Deus. Mas as mortificações e as renúncias nunca terão fim. Como os cabelos do corpo, as más inclinações crescem novamente em nossa alma e,portanto, é necessário recomeçar cada dia o mesmo trabalho de abnegação e de renúncia, criando assim os bons costumes. Primeiro deverão apagar-se ou enfraquecer-se os impulsos e os instintos da juventude; a vontade deverá fortalecer-se diante das múltiplas experiências; o coração deverá aprender quão vazios são os afetos humanos: somente aos quarenta anos o homem terá a paz verdadeira e se tornará homem angelical. Depois disto será necessário que espere outros dez anos para receber de modo mais elevado e nobre o Espírito santo que ensina todas as verdades. Nestes dez anos, conseguida a vida divina e superada a natureza, é necessário recolher-se no bem puro e absoluto e retornar à própria origem. Se este retorno se realiza devidamente, todas as dívidas serão pagas suficientemente e o homem será bem aventurado e divino, sustentáculo da Igreja e do mundo. [TAULER SEGUNDO GIUSEPPE FAGGIN  ]

Nilo (Philokalia)

III Renúncia e Ascese (askesis)

  • Renúncia total e imediata aos bens deste mundo
  • Desapego de parentes e amigos
  • Se afastar da agitação do mundo pela hesychia
  • Necessidade da guarda dos sentidos (nepsis)
  • Cortar as paixões (pathos) desde o início
  • Combate (agon) dos sentidos
  • Terrível escravidão do hábito
  • Raquel sentada sobre ídolos
  • Discernimento (diakrisis) dos perfeitos (teleios)
  • Gula (gastrimargia) e luxúria (porneia)
  • Vantagens da vida no deserto

Ruysbroeck

Renúncia à vontade própria.

Daí, a quarta e última fonte da vida humilde, ser a abnegação da vontade própria e de toda propriedade; e esta fonte corre do sofrimento suportado com paciência. É porque, quando o homem humilde é tocado interiormente, comovido, consumido e arrastado e encantado com o espírito de Deus, se fortalece, e renuncia à sua vontade própria; se oferece e se entrega inteiramente nas mãos de Deus; Qual é o fundamento da humildade. e assim, tem, com Deus, uma só vontade; e sua vontade se transforma, de alguma forma, em uma vontade e uma liberdade divina; e não pode mais a partir de agora em diante querer outra coisa, senão o que Deus quiser: que é no fundo a humildade. Pois, quando Deus nos toca com sua graça, de tal maneira que nós renunciamos a nós mesmos, que repudiamos nossa vontade própria, e que nos abandonamos para fazer a agradabilíssima vontade de Deus: então, a vontade de Deus é a nossa. E, porque a vontade de Deus é livre, ou antes, a liberdade em si mesma, o espírito de temor servil nos mantendo elevado, que venha de nós mesmos, ou de todo terror e de todo temor que possa nos entristecer e nos arrasar, pelo tempo e pela eternidade. nod torna livre e disposto; e nos comunica o espírito dos filhos adotivos ou dos escolhidos por Deus, pelo qual, fazendo senão um com o filho, nós gritamos: Rom. 8, 15 [1] ( Abba ) nosso Pai, e o próprio espírito do filho presta testemunho à nosso espírito que somos filhos de Deus, co-herdeiros com o filho no reino do Pai, onde nos vemos elevados e exaltados na sublimidade de Deus, mas humildes e rebaixados em nós mesmos; e na união com Deus, cheios de graça e de dons divinos. E aí, a suprema liberdade e a extrema humildade se unem em uma só pessoa. Quanto aos exercícios que são próprios à humildade e a sublimidade, aqueles que lhes são estrangeiros não tem a ciência nem a sabedoria disso. [Tr. da versão francesa, com anotações, por Antonio Carneiro  . Dos setes degraus do Amor - Do quarto degrau do amor, a saber: da humildade (cont.)]

Wei Wu Wei

"Não-apego" no sentido dos mestres Zen, ou como traduzido do chinês, pode por vezes significar com-ciência [awareness], mas no sentido de não-apego a todos os processos mentais, i.é. pensamento e sentimento, de modo que na ausência de "mentação" a conscientidade [consciousness] pura pode inundar e tomar posse da psique.

Esse é um sentido altamente técnico do que é ordinariamente significado por não-apego ou por desapego, e que pode ser o que a palavra Dhyana, tão inadequadamente vertida por "meditação" [contemplação], realmente implica.

A condenação dos mestres Zen da meditação aplica à meditação mental, que implica pensamento, ao passo que Dhyana pode implicar em meditação não-mental (No-mind). Incompreensão do significado das palavras, em tradução, é a causa de muita confusão. [WWWWLL  , 20]

René Guénon

Mesmo no primeiro dos dois pontos de vista que acabamos de mencionar, existe também uma certa ambivalência de outra ordem, referente às diferentes maneiras pelas quais um ser, de acordo com seu grau espiritual, pode apreciar o estado em que se encontra, e que a linguagem traduz muito bem pelas significações que dá à palavra "apego". De fato, quando se tem apego por alguém ou por alguma coisa, naturalmente se considera um mal a separação, mesmo que essa separação deva na realidade provocar a libertação de certas limitações, às quais se encontra submetido por causa desse próprio apego. De uma forma mais geral, o apego de um ser ao seu estado, ao mesmo tempo que o impede de se libertar dos entraves que lhe são inerentes, faz com que considere uma infelicidade deixar tal estado, ou, em outros termos, atribua um caráter "maléfico" à morte e a esse estado, resultante da ruptura do "nó vital" e da dissolução do agregado que constitui sua individualidade. [2] Apenas o ser que, em decorrência de um certo desenvolvimento espiritual, aspira ao contrário ultrapassar as condições de seu estado, pode "realizá-las" como verdadeiros obstáculos, como o são de fato. E o "desapego" que experimenta desde então com referência a esse estado é já, ao menos virtualmente, uma ruptura desses entraves, ou, se preferirmos uma outra maneira de falar, talvez mais exata, pois não existe jamais ruptura no sentido exato do termo, uma transmutação "daquilo que acorrenta" para "aquilo que une", o que nada mais é no fundo que o reconhecimento ou a tomada de consciência da verdadeira natureza do sutratma. [LAÇOS E NÓS]

Frithjof Schuon

O desapego: primeiramente constatamos que o apego está na própria natureza do homem; e, todavia, pede-se-lhe que seja desprendido. O critério da legitimidade do apego é que o seu objeto seja digno de amor, isto é, que nos comunique algo de Deus e, principalmente, que não nos afaste dele. Se uma coisa ou uma criatura é digna de amor e se não nos afasta de Deus — em cujo caso ela nos aproxima indiretamente do seu modelo divino — pode-se dizer que nós a amamos "em Deus" e "em direção a Deus", portanto, em consonância com a "relembrança" platônica e sem idolatria nem paixão centrífuga. Ser desprendido é nada amar fora de Deus nem a fortiori contra Deus; é, portanto, amar a Deus ex toto corde. Mas há ainda outra perspectiva que encontramos em todo ambiente religioso, ou seja, a do ascetismo penitencial. Em vez de partir da ideia de que todo excesso é um mal e que o bem se situa entre dois excessos, como o quer Aristóteles   e como o ensina também o Islamismo global, esse ascetismo vê o bem no excesso de desapego; e isso também se justifica, dependendo do ponto de vista, do temperamento, da vocação, do meio. Conforme essa perspectiva, não há excesso: há simplesmente sinceridade e totalidade; todavia, essa atitude não pode ou não quer revelar toda realidade humana ou, mais precisamente, espiritual.

O desapego é o oposto da concupiscência e da avidez. É a grandeza de alma que, inspirada pela consciência dos valores absolutos e, portanto, também da imperfeição e da impermanência dos valores relativos, possibilita à alma a conservação da sua liberdade interior e da sua distância em relação às coisas. A consciência de Deus anula, de certo modo, as formas e as qualidades por um lado e, por outro, lhes confere um valor que as sublima. O desapego faz com que a alma seja como que impregnada pela morte mas, também, em compensação, que tenha consciência da indestrutibilidade das belezas terrestres. Pois a beleza não pode ser destruída; ela se refugia nos seus arquétipos e na sua essência, ou renasce, imortal, na bem-aventurada proximidade de Deus. [O ESOTERISMO COMO PRINCÍPIO E COMO VIA]

ET - Logion 44

Na verdade o primeiro que anuncia esta liberação do pecado [perdão] é João Batista quando vê a Jesus — Eu Sou — chegar até ele.

  • No dia seguinte João viu a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. (Jo 1:29)

Como via evangélica até a liberdade dos oprimidos, é proclamado por João Batista o batismo de conversão (metanoia, voltar-se para Deus), para o perdão dos pecados.

  • Apareceu João batizando no deserto, e pregando o batismo de arrependimento, para remissão dos pecados. (Mar 1:4)

Este primeiro batismo ou imersão na água — na alam, como já foi dito —, é em si mesmo uma conversão da mente que supõe um insistente, reiterado olhar contemplativo interior que é por si só, um “lavar” a consciência. São Tiago resume em sua epístola esta obra purificadora com uma expressão simples: “confessais vossos pecados”.

  • Confessai, portanto, os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros, para serdes curados. A súplica de um justo pode muito na sua atuação. (Tiago 5:16)

Mas para o resultado de tão sustentada e prolongada imersão na consciência para escrutar seus conteúdos e comportamentos até que ao achar-se limpa permita a contemplação transparente do si mesmo, do Eu Sou, é assinalado no formoso Benedictus que Lucas   põe na boca de Zacarias quando este ficou cheio do Espírito Santo, e se explica como o que é certamente: conhecimento de salvação.

  • para dar ao seu povo conhecimento da salvação, na remissão dos seus pecados, (Lc 1:77)

Mas para alcançar o nascimento interior do Filho do homem, o nascido do alto, não basta que o batismo seja de água; em seguida a ele vem, em línguas de fogo do conhecimento, o batismo ou imersão no Espírito que desce sobre a consciência até ser percebido por ela, pois está dito que todo o que nasce em espírito, do Espírito nasce.

  • O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te admires de eu te haver dito: Necessário vos é nascer de novo. O vento sopra onde quer, e ouves a sua voz; mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito. (Jo 3:6-8)

Com efeito, o Espírito, que vem de Deus e que tudo sonda, é o que faz descer até a consciência do homem o íntimo do homem, que é conhecido por “o espírito do homem que está nele”. Isso o diz o apóstolo, no qual afirma que o Espírito é o que nos revela uma sabedoria de Deus, misteriosa, escondida, destinada por Deus antes dos séculos para nossa glória. E conclui Paulo com o fragmento de um salmo   de Isaías, por ele tenta explicar algo acerca dessa glória que nos está destinada por Deus.

  • Mas falamos a sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória; A qual nenhum dos príncipes deste mundo conheceu; porque, se a conhecessem, nunca crucificariam ao Senhor da glória. Mas, como está escrito: As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, E não subiram ao coração do homem, São as que Deus preparou para os que o amam. Mas Deus no-las revelou pelo seu Espírito; porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus. Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus. (1Co 2:7-11)
  • Com a mesma palavra “espírito” designa Paulo o Espírito Santo, o sopro de Deus que Cristo envia sobre os que creem nele e o espírito que dá vida, o último Adão, nascido do alto (1Co 15,45). Para muitos poderá criar perplexidade esta ambiguidade ou não distinção, mas, de certo, se o espírito é essência, “quem poderia distinguir no espaço entre o ar que o permeia e o sopro exalado de si mesmo ao respirar? [Roberto Pla  : breve 7151]

ET - Logion 87

Na grande cena gnóstica da crucificação, no homem que permanece cravado na cruz, identificado com o corpo de Jesus, “deixado nele”, no corpo, como vestígio limitado de consciência instintiva, e para conferir ao corpo, - o vaso de pedra, ou adama - de argila — a condição de “passível” é, segundo figuração oculta, Simão o cireneu. Por isto foi ele o que tomou sobre seus ombros a cruz, tal como era sua função no “anthropos” Jesus, para subir ao Calvário e morre com o soma - soma hílico de Jesus passível.

  • No Segundo Tratado do Grande Set, se emprega esta notícia dos sinópticos: “Era outro o que levou a cruz sobre seu ombros”. Era outro sobre cuja cabeça puseram a coroa de espinhos”. Sem tal coroa, com efeito, não teriam confundido os soldados a Simão com Jesus. Mas a coroa trançada de espinhos o foi colocada em Jesus no pretório, antes de sair a caminho, e por isto não se diz nos evangelhos que fosse posta em Simão.

Neste corpo de Jesus, preservado como passível na cruz pela permanência nele da “nefes”, o sopro de consciência psicossomática, aderido “naturalmente” ao corpo ..., é este corpo o homem da cruz do qual diz o gnóstico que está “sob a lei” (da Lei que leva a morrer inexoravelmente o que é mortal por natureza). É este o Jesus corpóreo, passível.

Também adverte o autor cristão do Apocalipse de Pedro que este corpo passível de Jesus é o “resgate” da salvação do homem, o que eles (os que negam o Cristo) “desonram”, o “filho de sua glória vã (glória contraposta à glória de luz verdadeira, o Filho, manifestada por Jesus no monte quando se dá a Transfiguração).

Como preço da liberdade, este “resgate” foi cobrado por Judas com as trinta moedas de prata na qual a Lei fixava o preço da alforria de um escravo. Mas a consumação efetiva deste “resgate”, já pago de antemão como arras, é a morte do corpo passível, o qual não é em definitivo outra coisa que uma imagem corporal, passiva, do “corpo incorpóreo” de Jesus o Vivente. [Roberto Pla - Evangelho de Tomé - Logion 87]


[1Pela Vulgata o texto em referência Rom. 8, 15 é o seguinte : ( Rom. 8, 15 ) Nom einin accepistis spiritum servitutis iterum in timore: sed accepistis spiritum adoptionis filiorum, in quo clamamus: Abba, Pater.

Cuja tradução literal é: ( Rom. 8, 15 ) Não recebestes dele um espírito de servidão para novamente ( cair ) em temor, mas, recebestes um espírito de filhos adotivos, pelo qual clamamos Abba, Pai.

[2Observe-se que se diz comumente que a morte é o "desenlace", o "desfecho" da existência individual. Essas expressões, que também têm relação com o simbolismo do teatro, são literalmente exatas, embora aqueles que as empreguem não se deem conta disso.