Página inicial > Palavras-chave > Termos gregos e latinos > nómos / νόμος / lege / costume / convenção / regra / αὐτόνομος / autonomos (...)

nómos / νόμος / lege / costume / convenção / regra / αὐτόνομος / autonomos / αὐτονομία / autonomia / dogma / δόγμα / agrapha dogmata / doutrina

  

gr. νόμος, nómos: costume, convenção, lei constitucional ou arbitrária. A intrusão de nomos no discurso filosófico no século V seguiu-se à passagem da noção de natureza (physis) do campo físico para o ético. Isto pode ter sido resultado da influência médica («Sobre a natureza (physis) do Homem» aparece como título no Corpus Hippocraticum), mas pode também ser visto no tratamento ético do conceito de kosmos. Por outro lado havia uma compreensão crescente de natureza puramente arbitrária e relativa de nomos (ver as duas anedotas em Heródoto in, 38). O primeiro a tomar a posição explicitamente, de que a justiça e a injustiça são um problema de nomos e não de physis foi Arquelau (D. L. II, 16), embora pareça estar já implícito em Heráclito   (frg. 102). Este ponto de vista tornou-se comum entre os sofistas e as opiniões relativistas destes, quer em moralidade (Protágoras   no Protágoras), em política (Trasímaco na Rep.   n) ou na epistemologia (Protágoras em 152a), são frequentemente citadas por Platão. O próprio absolutismo ético e epistemológico de Platão não se baseia, evidentemente, em qualquer defesa da noção antiquada de physis, mas sim nos eide imutáveis e, à medida que ele vai envelhecendo, na existência de Deus. Nas Leis 716c a teoria do homo mensura de Protágoras é finalmente corrigida: Deus é a medida de todas as coisas (theios nomos).


gr. δόγμα, dogma; ágrapha dógmata: doutrinas não escritas. Refere-se ao ensinamento oral de alguns filósofos da Antiguidade. exôterikoí lógoi: discursos externos, obras populares. ágraphos nómos: lei não escrita.

Frithjof Schuon

Para entender bem a relação normal entre a religião comum e a sapiência, ou entre a bhakti e o jnana, é preciso saber que, em princípio, existe no homem uma dupla subjetividade, a da "alma" e a do "espírito". Mas, de duas uma: ou o espírito se restringe à aceitação dos dogmas revelados, de modo que a alma individual seja o único sujeito do caminho em direção a Deus, ou o espírito tem consciência da sua natureza e tende para a finalidade a que está adequado, de maneira que seja ele, e não o "eu", o sujeito do caminho, sem abolir por isso as necessidades e os direitos da subjetividade comum, precisamente, a da alma sensível e individual.

No âmbito do Cristianismo, a ideia de que a redenção é a priori a obra intemporal do Logos dos princípios, não-humano e não-histórico; a ideia de que ela pode e deve se manifestar de diferentes maneiras em várias épocas e em diversos lugares; a de que o Cristo histórico manifesta esse Logos num determinado mundo providencial, sem que seja necessário ou possível delimitar esse mundo de maneira exata; essa ideia, dizemos, é esotérica em relação ao dogmatismo cristão e seria absurdo exigi-la da teologia.

É por isso que é inútil questionar-se "onde foi aceito" o esoterismo cristão e supor, por exemplo, que se fundamenta na Cabala   e na língua hebraica. O esoterismo cristão só pode basear-se no Evangelho e no simbolismo dos dogmas e dos sacramentos — e, por extensão, no "Antigo Testamento  " traduzido, principalmente nos Salmos   e no Cântico dos Cânticos —, embora possa seguramente anexar "à margem" elementos do esoterismo judeu e helênico. Ele o faz até necessariamente, visto que esses elementos se encontram a seu alcance e correspondem a vocações.

...não se pode perguntar ao Céu se um determinado dogma é verdadeiro, ou se o mestre espiritual tem razão ou não, pois seriam atitudes ou de incredulidade ou de insubordinação, em contradição com o princípio credo ut intelligam, aplicado justamente em caso semelhante. [O ESOTERISMO COMO PRINCÍPIO E COMO VIA]

Abade Stephane

Toda religião se não se reduz a uma religiosidade vaga e sentimental, comporta necessariamente três elementos:

  • verdades a crer (dogmas) que não são conceitos abstratos, mas a expressão mental e verbal de Realidades transcendentes (exemplo: a Imaculada Concepção);
  • mandamentos a observar (moral), virtudes a realizar, que não são simples exteriores, mas a expressão ou a tradução de uma Norma interior, da conformidade a “meu” Arquétipo eterno;
  • um culto, (uma liturgia), ritos, sacramentos que realizam em mim certas Realidades suprahumanas ou divinas (exemplo: o Batismo e a Eucaristia realizam em mim a Paixão, a Morte e a Ressurreição do Cristo).

Que quer que seja, dogmas, mandamentos e ritos aparecem primeiramente como normas exteriores, mas se não correspondem a uma Norma interior, se reduzem a um formalismo puro ou ao farisaísmo. No entanto, sem as normas exteriores, cai-se na religiosidade vaga, inconsistente, ineficaz. As normas constituem o lado objetivo da Religião, a Norma interior dela é o lado subjetivo, mas elas são o complemento indispensável uma a outra.

No ponto de partida e ao longo da “via purgativa”, os dogmas aparecem como marcas e indicadores sobre o caminho que conduz ao Conhecimento; a discussão, a dúvida, o questionamento são tantos obstáculos que se deve evitar. No estágio da “via iluminativa”, os dogmas ainda só aparecem como “a superfície de exteriores prateados” (São João da Cruz  , Cântico Espiritual), mas no nível da “via unitiva” e do casamento espiritual, o mesmo autor declara: “Imediatamente, teremos acesso às sublimes cavernas da Pedra (o Cristo) que permanecem bem escondidas”. Trata-se aqui da “mística nupcial”; no entanto, a “mística da essência” (Dionísio o Areopagita  , Mestre Eckhart  ) e a Treva mística portanto não estão excluídas, mas superam as perspectiva do Cântico, posto que as “cavernas permanecem bem escondidas”. O que seja, nesta ascensão mística, trata-se sempre dos dogmas segundo sua função de normas exteriores até aquelas de Norma interior (as cavernas da Pedra), a “superfície dos exteriores prateados” sendo uma espécie de limite, de fronteira entre as duas faces “externa” e “interna” dos dogmas, ou se se quer, entre a Luz inteligível e a “Treva mais que luminosa” do Silêncio (Dionísio o Areopagita).

Essas considerações nos parecem essenciais para compreender que a Norma interior, em sua realidade profunda, não se situa ao nível psicológico; sem dúvida ela se traduz ao nível da psyche por uma atitude que se pode chamar “interior”, exatamente como ela se exprime ao nível do “corpo” pelas normas exteriores, notadamente nas obras e ritos. Mas precisamente, o que dissemos sobre o dogma, cuja “face exterior” se situa ao nível do mental (que aparece como interior em relação ao corporal) e cuja “face interior” é consequentemente além do mental, permite compreender que a verdadeira interioridade se encontra, nos dois casos, além da psyche, logo ao nível do nous.

Tudo o que precede tende a demonstrar que a Norma interior não é puramente subjetiva, não somente porque ela tem por complemento indispensável as normas exteriores objetivas, mas porque no topo da União mística, elas formam como as duas faces de uma mesma Realidade, ao mesmo tempo objetiva e subjetiva, figuradas mo Cântico espiritual (estrofes 11 e 36) pela “superfície dos exteriores prateados” e pelas “sublimes cavernas da Pedra”.

Segue-se que na perspectiva cristã a verdadeira Norma interior é a Pedra, quer dizer o Cristo. Esta perspectiva se situa portanto essencialmente ao nível ontológico, e o Mistério da Encarnação, da União hipostática das duas naturezas, permanece o Centro da espiritualidade cristã, o Protótipo, ao mesmo tempo objetivo e subjetivo, da União mística, pois como diz Mestre Eckhart, o Pai só tem uma Vontade, engendrar o Filho Único, o Primogênito, o Filho unigênito: exteriormente a este Mediador, não há espiritualidade cristã. [DA NORMA E DAS NORMAS]

Christophe Andruzac

Convenhamos designar pelo termo técnico «Doctrina Sacra» o conhecimento da revelação, se ela existe, feita à humanidade do mistério da fecundidade divina.

Sabemos que a intelecção que Deus tem dele mesmo é homogênea a seu ser (seu ser é perfeitamente límpido a sua inteligência); o ponto mais surpreendente para nossa inteligência é admitir que há em Deus presença real e vivente dele mesmo a ele mesmo como conhecido, dito de outro modo que a intelecção que Deus tem dele mesmo é nele uma relação subsistente, uma relação que é um polo da vitalidade divina, e não um lugar entre dois seres. Esta fecundidade é muito misteriosa para nossa inteligência (ou para um olhar filosófico), pois todas as relações que podemos experimentar diretamente são «acidentes de acidentes», como o afirma a tradição escolástica, dito de outra forma um modo de ser (uma ligação) fundada sobre um modo de ser: a quantidade (Pedro é maior que Paulo), a qualidade (a vestimenta de Paulo é mais limpa que aquela de Pedro), a ação e a paixão (Alexandre e Daniele se amam). Há também em Deus uma fecundidade de amor do lado da vontade; em se conhecendo Deus se descobre como bem, e este movimento de amor para com ele mesmo é também uma relação subsistente, um «polo» pessoal da fecundidade da vida divina. Esta fecundidade substancial de inteligência e de amor é propriamente impermeável a nossa inteligência — sendo dado seu condicionamento. Para nos permitir dela nos fazer certa ideia, Deus nos revelou três grandes analogias: aquela do pão, aquela do filho e aquela do verbo. A fecundidade pessoal da vida divina — designamo-la convencionalmente pelo termo «vida processiva» para evitar o recurso a termos que perderam seu sentido técnico: deidade, divindade, essência divina, vida íntima de Deus, etc. — é nela mesma uma abismo de contemplação; podemos no entanto aproximá-la um pouco considerando a fecundidade de nossa vida artística, de nossa vida afetiva e de nossa vida intelectual. Mas isto permanece na ordem da analogia, e talvez mesmo, para um olhar filosófico, na ordem da representação e da imagem.

Sabemos que Deus quis associar certos homens de uma maneira muito mais íntima a sua própria «vida processiva»; esta participação foi tornada possível pelo dom de virtus infuses. Compreende-se que estas virtudes infusas permanecem misteriosas para aquele que não pode experimentá-las, para aquele que não foi visitado por isto que a Doctrina Sacra chama a Graça. O cristão não possui sobre o objeto de sua fé a certeza intelectual absoluta que é o fato do Sábio que contempla, do qual o Nous «toca» a luz inefável do Ser Primeiro. Há no entanto na raiz de sua adesão uma certeza, mas esta certeza não procede da evidência (ou da limpeza de nossa inteligência) de seu objeto; ela procede de um infusão que permite experimentar diretamente as verdades da Doctrina Sacra, a ordem das exigências intelectuais sendo por assim dizer curto-circuitada — mas não violada. [RENÉ GUÉNON]