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sôma / σῶμα / corpus / σώματος / somatos / σωματικός / somatikos / corpora / ασώματος / asomatos / incorpóreo / νεκρός / nekros / cadáver / πτῶμα / ptoma

  

gr. σῶμα, sôma (tó) = corpo. Latim: corpus. Plural: gr. sômata / somata. Latim: corpora. Realidade sensível (tò aisthetón) oposta à realidade inteligível (tò noetón).


gr. ασώματος, asômatos = incorpóreo, incorporal. Os antigos estoicos construíram ao redor deste termo uma verdadeira teoria filosófica dos incorporais. Antes deles, Platão   utilizou o termo seja para caracterizar os Inteligíveis (Sofista   246b) ou as realidades mais belas e maiores (Pol. 286a), seja para designar a harmonia e o ordenamento entre as diversas partes do corpo.
O corpo é o veículo de uma partícula da Alma do Mundo caída neste plano horizontal de existência material, de acordo com a providência divina. A capacidade mental, sentimental e sensorial necessária para esta ex-sistência, para o aparente trânsito passageiro neste plano de existência, apoia-se em parte neste veículo. Entretanto, o corpo não é ser o que somos; é um instrumento da vida no meio que transita. O mim mesmo que a partir dele se constitui enquanto pseudo realidade do Eu Sou é um sonho, uma ilusão, um personagem em uma estória que cada um se conta. Segundo esta estória, tudo começa com a crença na separação, no pecado original, nas "túnicas de pele" que são de fato "túnicas de cegos", de ignorância. O corpo é, nesta estória de queda, a garantia da validade desta crença na separação, e a afirmação do medo, da morte, da finitude. No entanto, a importância do corpo na estadia neste plano de existência está em ser um instrumento de comunicação, de comunhão, entre as partículas da Alma do Mundo, confinadas nesta aparente prisão do mundo. O valor real do corpo pode ser restaurado pelo Espírito Santo, pois nunca deixou de estar aí presente. O justo propósito dado pelo Espírito Santo, na afirmação da Trindade através do ser humano é aquele capaz de orientar nossa apropriação do corpo na jornada de unificação da multiplicidade em unidade.

Michel Henry

O que caracteriza os seres encarnados é que possuem um corpo. O universo inteiro é composto de corpos, considerados desde muito tempo pelo sentido comum como por inúmeros filósofos assim como pela totalidades de cientistas, como corpos materiais. O corpo que pertence aos seres vivos é o mesmo corpo material que se ocupa a física   quântica, a qual serve de suporte a estas outras ciência duras que são a química e a biologia? Que muitos assim pensem em nossa época, que é precisamente aquela da ciência, não impede que um abismo separe desde sempre os corpos materiais que povoam o universo e de outro lado, o corpo de um ser "encarnado" tal qual o homem.

(...) cada homem e cada mulher, a cada instante de sua existência faz a experiência imediata de seu próprio corpo, experimenta a pena que lhe causa a subida desta ruela em declive ou prazer de uma bebida fresca no verão, ou ainda uma brisa leve na face — enquanto sua relação ao corpo animal é de uma outra ordem. A ponto que certos pensadores, e não poucos, consideraram todos os seres vivos outros que o homem como espécies de computadores que nada compreendem do que fazem. Quanto a apreender o corpo dos homens desta maneira, como um computador ele também, mais elaborado e de uma "geração" mais avançada, este pensamento mais e mais difundido s choca com uma objeção maior.

É aqui se abre o abismo. Um corpo inerte semelhante àqueles que se encontra no universo material — ou ainda que se pode construir utilizando processos materiais retirados deste, organizando-os e combinando-os segundo leis da física —, um tal corpo não sente nem experiencia nada. Não sente nem experiencia ele mesmo., não se ama nem se deseja. Ainda menos sente ou experiencia, ama ou deseja qualquer das coisas que o cercam. Segundo uma nota profunda de Heidegger  , a mesa não "toca" a parede contra a qual é posta. O próprio de um corpo como o nosso, ao contrário, é que ele sente cada objeto próximo dele; percebe cada uma de suas qualidades, vê as cores, entende os sons, respira um odor, mede com o pé a dureza de um chão, com a mão a doçura de uma almofada. Não sente tudo isso, as qualidades de todos estes objetos que compõem seu ambiente, não experiencia o mundo que o pressiona de toda pare, porque se experiencia a si mesmo, no esforço que realiza para subir uma ruela, na impressão de prazer na qual se resume o frescor da água ou do vento.

Esta diferença entre os dois corpos que distinguimos — o nosso que se experiencia a si mesmo ao mesmo tempo que sente o que o cerca por um lado, e um corpo inerte do universo por outro, que se trate de uma pedra sobre o caminho ou partículas microfísicas que a constituem —, nós a fixamos agora em uma terminologia apropriada. Chamaremos "carne" o primeiro, reservando o uso da palavra corpo ao segundo. Pois nossa carne nada mais é que isso que se experienciando, se sofrendo, se submetendo e se suportando a si mesma e assim desfrutando de si segundo as impressões sempre renascente, se encontra, por esta razão, suscetível de sentir o corpo, que lhe exterior, de tocá-lo tanto quanto ser tocada por ele. Isso portanto cujo corpo exterior, o corpo inerte do universo material, é por princípio incapaz. [MHE  ]

Brisson & Pradeau

Para Brisson   & Pradeau  , há uma definição platônica do corpo como instrumento (organon) da alma. Esta definição remonta a Demócrito. Ela é retomada por Platão no Primeiro Alcibíades  , mas também adotada por Aristóteles (Ética a Nicômaco VIII, 13), o que lhe confere uma autoridade suficientemente estendida para que Plotino   não impute nomeada e exclusivamente a Platão.


Segundo Brisson & Pradeau (2002 p.127), a composição dos corpos pode ser considerada de dois pontos de vista: ou bem o corpo se divide em várias partes, ou bem ele se decompõe em forma e em matéria. Sobre este ponto, Plotino segue Alexandre de Afrodisia.
O corpo é para Plotino o resultado de uma informação parcial da matéria. É uma razão (logoi) proveniente da alma que é a causa da existência do corpo. Vide Enéada II, 4, 5. [Brisson & Pradeau (2002, p.128)]
Segundo Brisson & Pradeau (2002, pg. 128), de maneira muito alusiva, é a definição da alma por Epicuro   combatida por Plotino. Epicuro diz que a alma "é um corpo composto de finas partes"; tão finas que, repartidas no conjunto do agregado que é o resto do corpo, elas estão em simpatia com ele (Carta a Heródoto, Diógene Laércio X, 63-68). Uma doutrina similar foi atribuída a Demócrito, do qual Epicuro é dado por herdeiro.
A alma dá ao corpo as qualidades necessárias à constituição do conjunto do mundo e dos viventes. A alma informa o corpo de tal sorte que ele tenha estas qualidades. Esta alma é a alma do mundo, que se denomina "natureza", como aí retorna longamente o Tratado-30. [Brisson & Pradeau (2002, p.131)]
Em Enéada IV, 7, 3, Plotino se opõe à definição da alma por Epicuro, "um corpo composto de finas partes"; tão finas que, repartidas no conjunto do agregado que é o resto do corpo, elas estão em simpatia com o corpo. Uma doutrina similar foi atribuída a Demócrito, de quem Epicuro seria herdeiro. Neste Tratado 2, Plotino enfrenta também a definição de alma do estoicismo, que embora materialista lhe parece ao mesmo tempo mais sutil e mais difícil de refutar.
Contestando que a alma seja um corpo, Plotino, segundo O’Meara  , deixa entender que um corpo deve ser composto de um ou mais dos quatro elementos: fogo, ar, água e terra. Ou um composto destes mesmos elementos. Porém estes elementos são sem vida, e coisas compostas destes elementos dependem de algo, uma causa que os ponha juntos. Assim este algo mais é o que significa a alma. Por conseguinte a alma não pode ser corpo, seja como um elemento ou como uma combinação de elementos (Enéada IV, 7, 2).

Ainda segundo O’Meara (1995, p. 17), os estoicos falavam de uma força corpórea, uma espécie de espírito ou sopro cósmico doador de vida, que penetra e organiza uma matéria puramente passiva, criando níveis cada vez mais complexos de realidade material culminando em racionalidade. Plotino, entretanto, assume sua própria concepção do corpo: incapaz de auto-movimento e de auto-organização; sem poder de criar funções superiores, em particular orgânicas. Estas funções devem ser produzidas por algo diferente, que portanto não pode ser um corpo.

Philokalia

Uma importante ideia introduzida na Philokalia   é o papel do corpo no trabalho espiritual. Alguns falam de estar "silencioso na mente e no corpo" e da "suspensão de todos movimentos corporais". O corpo é a base na qual todos os movimentos da mente e da alma têm lugar. Em si mesmo o "corpo não é maligno", com efeito "teu corpo é o templo do Espírito Santo que está em ti" (1Cor 4,19). Atenção deve ser dada ao corpo de modo que ele permaneça em um "estado bem ordenado".

As aberrações e privações físicas que algumas vezes se ouvem são sintomas de formas decadentes do monasticismo. Originam de disciplinas simples à quais é necessário submeter o corpo e o mundo das percepções sensoriais que pertencem a ele, e são exemplos de com um ensino equilibrado pode ser distorcido através de uma compreensão errônea. Se as disciplinas do corpo são levadas a extremos, e sem o devido trabalho mental, a aberração facilmente ocorre.

Se o relacionamento da mente e do corpo deu errado os Padres dizem, "Deves culpar teu pensamento e não seu corpo, pois se a mente não precedeu, o corpo não teria seguido".


Evágrio

Aqueles que adquiriam o estado desapaixonado da alma através deste mesmo corpo e são diligentes na contemplação de Aquele Que É, na medida de seu poder, de novo com a ajuda do Corpo, professam o butim do criador.

Marcos o Asceta

A mente não pode se tornar silenciosa sem o corpo.

Gregório Palamas

O homem interior usualmente está de acordo com o exterior (os movimentos exteriores e posturas).

Isaque o Sírio

Não creia que o pensamento interior pode parar a não ser que o corpo seja levado a um bom e ordenado estado.

Platão

Aquele que serve o corpo serve o que é seu, não ser o que ele é. Alcibíades, 131B

Aquele que só conhece o corpo, conhece o que é do homem, mas não o homem ele mesmo. Alcibíades, 131A

Roberto Pla

Que é então a corporeidade?

Para a vertente manifesta, a corporeidade é um componente irrenunciável da integridade, do si mesmo, do homem. Esta integridade só ficará restaurada em plenitude — segundo pensa o homem manifesto — quando por conta da ressurreição, no fim dos tempos, sejam restabelecidos o corpo e a alma na plena assimilação do Espírito de Deus. Então será quando cada homem assim restaurado, após a superação do Juízo, virá a ser uma entidade completa de corpo, alma e espírito: o homem completo.

Para a vertente oculta, a corporeidade é pouco mais que uma vestimenta, um revestimento, necessário para transitar pelas ásperas sendas da matéria, mas inservível uma vez que este caminho terrestre tenha terminado. Por outra parte, o homem é completo desde que nasce, posto que o espírito, eterno, a essência do homem, foi feito antes que ele, como luz imagem do Filho que é o Logos, a Luz de Deus. O que ocorre é que o homem não conhece seu espírito até que o descobre ou se o revela como essência de sua alma. Enquanto o homem é carne, quer dizer, identificado com seu corpo, ignora o espírito que o dá vida, pois por isto foi dito: “Não permanecerá para sempre meu espírito no homem (em sua consciência), porque não é mais que carne” (Gn 6,3). [Evangelho de Tomé - Logion 87]