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Agostinho de Hipona / Augustinus / Santo Agostinho / Augustine / Augustin

  

AURÉLIO AGOSTINHO DE HIPONA (354-430)

LÉXICO DE FILOSOFIA

AGOSTINHO EM HEIDEGGER

OBRA NA INTERNET: LIBRARY GENESIS


Marías

Passa-se do mundo antigo a outro mundo novo mediante uma inflexão um tanto brusca, assinalada pelo advento do cristianismo. Naturalmente, esta mutação não acontece com demasiada rapidez nem na história nem na filosofia; porém a falta de rapidez não suprime seu caráter súbito: quero dizer com isto que a alteração sobrevinda ao mundo greco-romano, por um lado, e à filosofia helênica, por outro, excede o mero acontecer histórico em sentido rigoroso. Para nos atermos à filosofia, baste dizer que aquela que dominará na Europa, na Idade Média, não emerge da evolução interna do pensamento grego e sim da irrupção nele de pressupostos totalmente alheios, primariamente a interpretação do mundo como realidade criada, sustentada ontologicamente no ser de Deus.

O momento capital em que acontece esta mutação filosófica é Santo Agostinho. É claro que não se pode entender isoladamente, e que sua existência seria inconcebível sem um longo labor mental que preparou e fez possível sua filosofia; porém aqui se trata somente de escolher os pontos culminantes e mais representativos, que manifestem com a máxima clareza o sentido do processo intelectual que tentamos assistir. E Santo Agostinho, que é talvez o último homem antigo, não é propriamente medieval mas aquele que faz possível a Idade Média. Esta começa, no âmbito da filosofia, somente cerca do século IX; mas se nutre durante mais de quatro séculos, quase integralmente, do pensamento agostiniano. Por isso Santo Agostinho, embora anterior à filosofia medieval, é sua chave, e ao mesmo tempo torna-se patente nele a articulação da mentalidade helênica com a determinada pelos pressupostos do cristianismo.

Santo Agostinho, nascido em Tagaste, perto de Cartago, em 334, e que morreu como bispo de Hipona no ano 430, nutriu-se do pensamento antigo: Platão   e Aristóteles  , sobretudo o primeiro, ainda que por via indireta; os estoicos, os epicureus, os acadêmicos, Cícero, Plotino  , Porfírio  . Conhece-os todos, utiliza-os e com eles tem que dialogar. Tenha-se presente que seus primeiros contatos com o mundo antigo não são os de um cristão; Santo Agostinho, antes de sua conversão, sente-se quase instalado nesse mundo; depois, após sua incorporação ao maniqueísmo, penetra no âmbito complexo das religiões orientais; por último, a partir de sua conversão milanesa, vê toda sua vida anterior através da superior verdade cristã, e deste modo assiste o nascimento, no fundo de seu espírito, de um homem novo: aquele que irá preencher um milênio da história.

Quer conhecer só Deus e a alma — Deum et. animam scire cupio —; a propósito do homem, recolhe, sem demasiada insistência, as definições antigas — sicut veteres definierunt —; mas depressa se adianta, guiado pela revelação, que funciona em sua filosofia rigorosamente como um princípio heurístico, como uma incitação à descoberta racional da mais profunda realidade humana. Os passos de Santo Agostinho são de enorme alcance. Dá um novo sentido à medietas ontológica do homem, descobre sua intimidade, alheia ao pensamento grego, e sobretudo o analisa do ponto de vista de seu ser, imagem de Deus. Esta posição é fecundíssima, porque obriga a propor a questão capital do ser pessoal do homem, que, na filosofia grega, ficara oculto, quase ignorado. Note-se que os textos mais agudos de Santo Agostinho acerca do homem não se encontram em nenhuma das obras que se referem diretamente a ele, mas em seu tratado De Trinitate: o intento de compreender — na medida do possível e analogicamente que o seja — o sentido do dogma trinitário obriga a teologia a fazer uma teoria da personalidade, que esclarece ao mesmo tempo a realidade mais profunda do ente humano. O homem, imago Dei, serve de ponto de partida para elevar-se à compreensão de Deus; porém ao investigar a realidade divina, sobretudo em suas relações pessoais, o olhar que se volta para o homem tem que prescindir de tudo o que é só seu, mas não ele mesmo, para apreender a raiz última do humano.

A antropologia agostiniana é a primeira tentativa de entender o homem a partir de si mesmo, a partir de sua interioridade, em lugar de considerá-lo de fora, como uma coisa entre as demais do mundo. Observe-se a presença constante da primeira pessoa nos escritos antropológicos de Santo Agostinho: raramente fala do homem; em geral, diz eu, ego. Por vezes, inclusive, quando começa a falar da realidade humana como de um objeto externo, introduz um sujeito — um personagem — que ponha em sua boca as palavras de Santo Agostinho e as refira a si mesmo. ("Quando estas coisas estão em uma pessoa, como é o homem, alguém nos pode dizer: estas três coisas. . . são minhas..."). E ao mesmo tempo, esta imediatez e proximidade com que aborda o tema do homem obriga-o continuamente a separar-se dele, a transladar-se para a máxima longinquidade, a referir-se a Deus. O homem agostiniano, por ser autêntico, ele mesmo, envolve em seu conhecimento a referência à Divindade, que se manifesta primariamente nele, como em um espelho.

A atenção dedicada ao tema do homem por Santo Agostinho é extraordinária; quase toda sua obra está cheia de alusões, quando não de referências concretas e consideráveis. Aqui só pude recolher, na maior nudez possível, os pontos capitais de sua meditação. Tenha-se presente que as repetições são frequentes nos escritos agostinianos, visto que reincide muitas vezes, com propósitos diferentes, nas mesmas questões, e que há não poucas variantes nas diversas passagens análogas; um estudo demorado da antropologia agostiniana exigiria levar em conta todas estas diferenças; porém não caberia neste livro. Portanto, me foi necessário escolher entre elas, procurando os fragmentos mais expressivos e concisos.

A bibliografía agostiniana é extremamente copiosa. Baste citar déla as obras seguintes: J. Martin: Saint Augustin (1901); E. Troeltsch: Augustin, die christliche Antike und die Mittelalter (1915); Augustin und die Patristik (1923); M. Schmaus: Die psychologische Trinitatslehre des hl. Augustinus (1927); J. Mausbach: Die Ethik des hl. Augustinus (1909); Etienne Gilson: Introduction à l’étude de Saint-Agustin (1929). Veja-se também A. Gratry: La connaissance de Dieu (cap. IV). [Excertos de Julián Marías   — O TEMA DO HOMEM]

Sorabji

Charles Taylor   in Sources of the Self, Cambridge 1989, ch. 7, has described a radically reflexive stance which is very familiar to modern philosophers because it is the stance of Descartes  . It attends to our own experience and sees this as the source of truth. The only thing is that Taylor, followed by others (e.g. Phillip Cary, Augustine’s Invention of the Inner Self, Oxford 2000), ascribes to Augustine the shift to this radically reflexive stance, whereas, with one exception, everything that Taylor uncovers in Augustine was already in Plotinus, who in turn draws at least his terminology for self-awareness from the Stoics, and in fact more than terminology, since Epictetus   Discourses 3.22.38-9 says that we find preconceptions about the good within ourselves, and Cicero borrows from the Stoics when he says in connexion with natural law and justice, On Laws 1.22.58, that one finds them within (in se), cf. also Republic   3.22.33.

Augustine tells us that he learnt his methodology of looking inwards from ‘the books of the Platonists’, Confessions 7.10.16. Plotinus and Porphyry were his main sources for this. Augustine may in addition be influenced by Cicero, when he offers a view of natural law as written in our hearts and impressed on us, though for this he draws also on Romans 2.14-15, at Confessions 2.4, and On Free Choice of the Will 1.6.15.

The exception is that Augustine is the first person we know to have produced the cogito arguments, later made famous by Descartes, although even here Augustine may have been partly inspired by Porphyry when he applies the cogito to arguing that we can know that our soul is incorporeal.

Augustine’s use of Plotinus in no way impugns his originality. Putting old material to new use is a form of originality, which Augustine also displays elsewhere. But what it does mean is that it is Plotinus and the Neoplatonists, and in a preliminary way the Stoics before them, who really introduce into Western Philosophy Taylor’s radically reflexive view so familiar from Descartes. We see how important Plotinus thought it that the objects of Intellect should be within the Intellect from the debate that [12] Porphyry reports in his Life of Plotinus, chs 18, 20. In Plotinus’ seminar, Porphyry was made to debate the question and only converted to Plotinus’ view after two replies by his fellow student Amelius. [SorabjiPC3  :12-13]