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beleza

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

11. Está bem de ver que e como isto se liga com algumas proposições antecedentes. Com olhos de crítico nunca dois amantes se olharam, enquanto verdadeiramente se amavam. Poder-se-ia levar isto em conta do sarcástico provérbio que diz: «Quem o feio ama, bonito lhe parece»? Não, decerto. O sentido dele reside a uma profundidade inacessível, embora dia a dia muito claramente se revele a quem tem olhos para ver. Tão grande é o amor em sua capacidade de metamorfose que em irradiantemente bela se transmuda a mais feia das mulheres que amam, e assim os homens. É como o outro que diz: «O amor é cego», pois não conheço outro sentimento, outra emoção mais clarividente que o da loucura erótica, uma das quatro que Platão   mencionava no Fedro  , como as que soerguem toda a obra humana acima do «não mais que humano». Mas, voltando à crise diabólica — aquela que temos de atravessar e suportar de princípio a fim, se quisermos que ela nos deixe de fora: diante do que quer que seja «belo», como nome re-signante de momentânea ou demorada desocultação do Ser que por sorte coube a qualquer ente, da sua verdade, em suma, temos de nos entregar a ele, de nos render sem condições, uma vez passado o momento da crítica belicosa e intransigente. Que faremos nós do belo, posto diante de um amontoado de destroços em que o deixou a fúria analítica? Ou nos deixamos embalar pelo ritmo (não o metro) de uma poesia fulgurante, ou, de olhos ofuscados pela própria fulguração, tentamos, quase às cegas, derrubar as muralhas atrás das quais supomos que ela se defende e resiste. Mas o belo que, na verdade, o é não se defende nem resiste, e as tais muralhas não passam de fantasmagóricos produtos da crítica. A crítica diabólica tem o poder de erguê-las, na intenção maldosa de separar por separar, isto é, só por força da negação inerente à sua índole. A crítica é destrutiva, mesmo quando se proponha ser construtiva. Ou antes, destrói, para reconstruir o que jamais foi construção. [EudoroMito:98]


A alma é bela: O Uno é além do Belo, a Inteligência é o Belo. A beleza da Alma vem de que ela é um traço do Belo, mas ela é bela sobretudo quando ela olha para a Inteligência (Eneada V, 8, 13). Se se trata de almas individuais, só é bela aquela à quem a Inteligência dá a sabedoria (ou a prudência, phronesis) (Eneada V, 9, 2). (Henri Crouzel  )
Ainda que admire o universo como algo belo, conforme aludimos, Plotino   insiste em que não deve o homem fixar-se nele. Mas, por outro lado, seria impiedade e injustiça desprezá-lo, como o faziam os gnósticos  , porquanto não se podem procurar "na segunda categoria (= dos seres criados) as qualidades primárias (= do criador)" (En. III, 2, 7, 3: mêd’en deutérois zêtein tà prôta). Faz-se mister admirar as belezas, mas, ao mesmo tempo, esforçar-se constantemente por delas afastar-se. Estamos ante uma tensão interior, com duas forças antagônicas lutando entre si. As belezas deste mundo devem ser um trampolim, para que o homem se eleve ao puro modelo: "Quando se admira uma cópia, é ao modelo que vai a admiração" (En. V, 8, 8, 11-13). Satisfazer-se com este mundo representa, para os homens, esquecer o seu princípio e esquecer-se de si mesmos: "(...) são como crianças que, afastadas desde cedo de seus pais e educadas largo tempo longe deles, não se conhecem a si, nem aos seus pais. [Ullmann  ]
Qual o papel da inteligência? Por ela, a alma capta a beleza em todas as suas formas, seja a beleza intelectual, interior, seja a beleza da arte ou do mundo circundante. O belo tem o condão de fazer a alma entrar em si mesma e fazê-la recordar a origem divina (Cf. En. I, 6, 4.). Mero belo de empréstimo, o belo sensível constitui uma força motriz capaz de conduzir a alma ao belo incorpóreo. Para Plotino, o belo não anuncia ou enuncia simplesmente a si mesmo, mas é revelação de algo que o transcende, de algo inteligível. A beleza tem, pois, função iniciática. Ao Uno, Belo subsistente, a alma só logra alçar-se, se não mais tiver nenhuma alteridade (Cf. En. VI, 9, 8), isto é, quando tiver abstraído, por completo, da matéria. Por outra, o homem deve "fugir do mundo". Essas palavras soam como se foram de um cristão, com os olhos e o coração voltados exclusivamente para o alto. Essa fuga do mundo Plotino expressa-a metaforicamente com o retorno de Ulisses à pátria. O itinerário para Deus representa uma verdadeira odisseia   espiritual.

Tendo atingido a Beleza absoluta, a alma abandona todas as outras belezas, como um visitante de um palácio, que deixa de olhar as estátuas do vestíbulo, ao encontrar-se com o dono da mansão. Em outros termos, a realidade deste mundo, com suas belezas, deve mover o homem para o mundo verdadeiro. [Ullmann]


LÉXICO: BELEZA