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teatro

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Devemos ser espectadores de assassinatos, e todas as mortes, e tomadas e saques de cidades, como se estivessem nos palcos de teatros, todas as mudanças de cenário e trajes e lamentos e choros representados. Pois realmente aqui nos eventos de nossa vida não é a alma interior, mas a sombra exterior do homem que chora e geme e continua de todas as maneiras em um palco que é toda a terra onde os homens em muitos lugares estabeleceram seus palcos. (Enéada III, 2, 15)


«Dramas», «personagens», «cenário», «palco», etc., são componentes de uma metáfora, mas como já se falou pertinentemente de «O Grande Teatro do Mundo» e vulgarmente se diz que tudo e todos nós desempenhamos nosso «papel» na vida que vivemos no Mundo, a metáfora mantém seu valor sugestivo. É certo que, entre o vulgo, não se diz com clareza deslumbrante que o papel por nós e pelas coisas distribuído, em conformidade com o texto da peça e as indicações cênicas, é entitativo. Quer dizer, em silêncio se passa o facto de havermos transposto o teatro ou os teatros que estão no único Mundo que se supõe existir, com os dramas que nele ocorrem, para o que ainda não é, e sobretudo o facto verosímil de cada representação de um drama diferente, só por si, representar um mundo diferente. A diversidade dos dramas representados num teatro que venha a ser mundo, e não em [110] teatros que estejam no Mundo, diversifica mundos, diversifica-nos a nós que neles, de cada vez, vivemos uma vida diversa, de diversidade irredutível à dos dramas que se representam em teatros que estão no Mundo.

23. Este teatro é eminentemente simbolizante; portanto, descoisificante. As «coisas-só-coisas» não se nos apresentam e não se representam senão por virtude do libreto que o Diabo escreveu, e a «peça que ele nos pregou» foi a de nos fazer acreditar que seja essa a única que os homens, inconscientes de suas metamorfoses, desempenham no Mundo ametamórfico que ele negativamente criou. Agora já sabemos o que significa esse «negativamente»: é a negação do simbólico; por afirmação persistente e insistente de que o Homem pode e deve recusar-se a ver na coisa que ele é, e na coisa que é o Mundo, mais do que a deliberada tendência de um a outro se ligarem por vínculos que, sendo apenas externos, facilmente se quebram ao sabor do nosso soberano arbítrio. Tudo se passa de modo que nem o Mundo nem o Homem se transformem senão por diversos arranjos do que é sempre o mesmo; sempre o mesmo, do lado do Homem-coisa e sempre o mesmo do lado da coisa-Mundo. E assim continuamos o nosso rodeio em volta do símbolo. De vez em quando, o Diabo arteiramente nos arrebata, de modo que em símbolos nos seja dado penetrar até o âmago. Apelamos fugazmente para dramas rituais e para a grande metaforese do teatro. Demos a entender que tudo isso seja «entitativo», e não «coisístico»; mais, que certo gênero de drama confira à «coisa» o ser que lhe falta para se volver em «símbolo», e ainda mais, que, na coisa revirada em símbolo, o ser acrescido à coisa seria como que a sua própria origem (origem de coisa simbólica). Mas tínhamos de repelir a ideia de que nessa origem forçoso seria imiscuir, como principal ingrediente, a obra do Diabo. [EudoroMito:110-111]