Página inicial > Termos e noções > meio técnico-científico-informacional

meio técnico-científico-informacional

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

As ideias do geógrafo Milton Santos  , particularmente sua construção teórica sobre o espaço geográfico e o meio técnico-científico-informacional , atravessam esta Flatland, rompendo com sua forma estática, balizada pelos eixos Sociedade e Natureza. As ideias de Milton Santos, embebidas nesta matriz conceitual vidaliana, aplicam, sobre a visão de uma «geo-grafia» da Flatland , fundada na relação estática entre Sociedade-Natureza, uma força vivificadora, que lhe confere uma nova potencialidade, de grande vigor epistemológico e metodológico.

Direcionando o objeto de estudo da Geografia para “os fatos referentes à gênese, ao funcionamento e à evolução do espaço” [1], Santos se dedica através de sua imensa obra “a correta definição de suas categorias analíticas, sem a qual estaríamos impossibilitados de desmembrar o todo através de um processo de análise [2], para reconstruí-lo depois através de um processo de síntese” [Ibidem].

Entre essas categorias analíticas, Milton Santos vem dando um lugar privilegiado ao meio. Mas, ao novo meio geográfico, qualificado pela técnica, pela ciência e pela informação. Nas próprias palavras de Milton:

O meio geográfico, em via de constituição (ou de reconstituição), tem uma substância científico-tecnológico-informacional. Não é um meio natural, nem meio técnico. A ciência, a tecnologia e a informação estão na base mesma de todas as formas de utilização e funcionamento do espaço, da mesma forma que participam da criação de novos processos vitais e da produção de novas espécies (animais e vegetais). É a cientifização e a tecnicização da paisagem. É, também, a informatização, ou antes, a informacionalização do espaço. A informação tanto está presente nas coisas como é necessária à ação realizada sobre essas coisas. Os espaços assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos hegemônicos da economia e da sociedade, e assim são incorporados plenamente às correntes de globalização. [3]

Em sua obra mais "filosófica", Milton Santos [4] se dedica a desconstruir e a reconstruir sua teoria do espaço geográfico, associando aos elementos conceituais que a compõem e às categorias analíticas que oferece, as diferentes perspectivas que a sustentam e reforçam, provenientes de distintos campos de conhecimento, como a filosofia, a técnica, a ciência, a sociologia, a economia, e, evidentemente, a própria geografia.

Resgatando as poucas referencias existentes à técnica, nos estudos institucionais à Geografia, Santos procura assim mesmo articulá-las na constituição de um novo saber, na formulação de uma “ontologia do espaço geográfico”. Um saber sem dúvida imprescindível para a interpretação e para compreensão do espaço, que atualmente vem se construindo de forma ortogonal, ao plano formado pela clássica estrutura relacional Sociedade-Natureza.

Milton Santos enfrenta assim o desafio tão bem colocado, há algum tempo pelo historiador das técnicas François Sigaut [5], em um artigo publicado na consagrada revista L’espace geographique, cujo título traduz de forma eloquente um sério, e ainda bastante atual, convite à reflexão, através da questão: “porque os geógrafos se interessam quase por tudo, exceto as técnicas?”

Santos não só responde a questão mas vai muito além, construindo uma forte argumentação em torno da constatação de que o "meio técnico-científico-informacional é a nova cara do espaço e do tempo.”

Do entendimento que “o próprio espaço geográfico pode ser chamado de meio técnico-científico-informacional", e que “o meio ambiente construído se diferencia pela carga maior ou menor de ciência, tecnologia e informação, segundo regiões e lugares: o artifício tende a se sobrepor e substituir a natureza”, Santos redefine e redireciona o objeto de estudo da Geografia, o espaço.

Essa proposta de redefinição e redirecionamento do espaço geográfico, se assenta sobre algumas categorias de análise, entre as quais se destaca justamente o tradicional meio geográfico (o milieu vidaliano), que Santos se apropria e atualiza com um maior discernimento conceitual.

Para Santos, é necessário reviver o polissêmico sentido da noção clássica de meio geográfico, integrando nesta alquimia   novos elementos; elementos estes constituídos com base na constatação de que se está construindo no próprio meio geográfico uma racionalidade de base técnica, científica e informacional, de forma bastante diferenciada a nível regional, criando “zonas luminosas e opacas”, de acordo com a densidade desta mesma racionalidade.

O espaço hoje se subdivide entre sub-espaços onde há uma carga considerável de racionalidade e áreas onde isso ainda não ocorre. Onde os nexos científicos, tecnológicos, informacionais são importantes, temos aqui um meio técnico-científico-informacional, uma porção do território onde as racionalidades dos agentes hegemônicos se tornam possíveis e se dão eficazmente, porque essa área geográfica é formada por objetos criados prévia e deliberadamente para o exercício dessa racionalidade. Esse meio técnico-científico que inclui saber é o suporte de produção do saber-novo, faz com que os outros espaços se tornem apenas os espaços do fazer. Os espaços comandados pelo meio técnico-científico são os espaços do mandar, os outros são os espaços do obedecer. [6] Dentro desta perspectiva, é preciso tentar a dissolução, do que Milton Santos denominou como “substância do meio geográfico”, em seus ingredientes: técnica, ciência e informação. (excerto de De Castro  , Tese de doutorado em Geografia, UFRJ, 1999)

Observações

[1SANTOS, Milton (1978), Por uma Nova Geografia. São Paulo, Hucitec, p.117.

[2É interessante notar esta colocação de categorias analíticas sob uma ideia articuladora, no caso espaço, como se assemelha a proposta platônica: “primeiro, a reunião de particularidades dispersas sob uma única Ideia, para que todos compreendam o que está sendo falado[...] segundo, a separação da Ideia em partes, por sua divisão nas juntas, como dita a natureza, não quebrando qualquer membro ao meio como poderia fazer um mau entalhador”. (Platão, Phaedrus, 265I, trad. B. Jowett)

[3SANTOS, Milton (1994), Técnica, Espaço e Tempo. São Paulo, Hucitec.

[4SANTOS, Milton (1995), A Natureza do Espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo, Hucitec.

[5SIGAUT, François (1981): “Pourquoi les géographes s’intéressent-ils à peu près à tout sauf aux techniques?”, L’espace géographique 4.

[6SANTOS, Milton (1994), Técnica, Espaço e Tempo. São Paulo, Hucitec, p. 106