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pecado

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

gr. ἁμαρτία, hamartia. Entre os gregos, a noção de pecado, em sentido moral, já é expressa nos famosos versos da Odisseia   1, 32s de Homero: "Ai! Como nos acusam sempre os mortais a nós deuses! De nós vem o mal, dizem, enquanto eles mesmos se causam os sofrimentos por seus próprios crimes contra o destino". gr. anamartesia: impecabilidade.


Evidentemente, trata-se aqui do bem e mal em sentido ontológico. No tocante ao mal moral, é mister observar que, na Bíblia  , o mal, antes do mais, diz respeito ao pecado dos protoparentes com as consequências para toda a humanidade: a natura lapsa sed non corrupta.

Entre os gregos, a noção de pecado, em sentido moral, já é expressa nos famosos versos da Odisseia I, 32s de HOMERO: "Ai! Como nos acusam sempre os mortais a nós deuses! De nós vem o mal, dizem, enquanto eles mesmos se causam os sofrimentos por seus próprios crimes contra o destino". Meridianamente clara é a ideia de hamartía, em PLOTINO  , por exemplo, na [Enéada I, 1  , 11, 10]: "E os animais, como possuem a vida? Se, como se diz, há neles almas humanas que pecaram..." (hamartousai é o verbo empregado). [Ullmann  ]


O pecado, contudo, não é um assunto de interesse psicológico, e querer tratá-lo nesta perspectiva redundaria em colocar-se ao serviço de uma engenhosidade mal compreendida. O pecado ocupa seu lugar determinado, ou melhor, não ocupa lugar algum, e é isto justamente a sua determinação. Quando ele é tratado fora de seu lugar próprio, fica adulterado, pois que assim vem a enquadrar-se num prisma de reflexão que não é essencial. Seu conceito fica alterado e com isso ao mesmo tempo se perturba aquela sua atmosfera, que, como a atmosfera justa corresponde ao conceito correto e, em vez da perseverança de uma atmosfera verdadeira, obtém-se a farsa fugaz das atmosferas falsas. Assim, quando o pecado é tratado na Estética, tem-se uma atmosfera de leviandade ou de melancolia, pois a categoria em que aí se situa o pecado é a da contradição, e esta é ou cômica ou trágica. A atmosfera fica, por conseguinte, alterada; pois a atmosfera que corresponde ao pecado é a da seriedade. Também o seu conceito fica alterado, porque, quer se torne cômico, quer trágico, o pecado se torna um subsistente ou algo que não é superado senão de maneira não essencial, ao passo que o seu conceito exige que seja efetivamente vencido. Num sentido mais profundo, o cômico e o trágico não têm nenhum inimigo, salvo algum espantalho que faça rir ou chorar. – Quando o pecado é tratado na Metafísica, a atmosfera fica sendo a da equidade e do desinteresse dialéticos, que analisam o pecado como aquilo que não consegue opor resistência ao pensamento. O conceito fica alterado, pois é claro que o pecado deve ser vencido, mas não como aquilo a que o pensamento não possa emprestar vida, e sim como algo que existe e, como tal, concerne a todos. – Quando o pecado é tratado na Psicologia, então a sua atmosfera fica sendo a tenacidade observadora, o destemor de alguém que espiona; não vem a ser, porém, aquela seriedade que nos leva a vencê-lo pela fuga. O conceito se transforma num outro, pois o pecado se torna um estado. Mas o pecado não é um estado. Sua ideia consiste em que seu conceito seja superado incessantemente. Como estado (de potentia) o pecado não é, ao passo que de actu ou in actu, é e volta a ser. A atmosfera da Psicologia seria a de uma curiosidade que antipatiza, porém a atmosfera correta é a da resistência intrépida da seriedade. A atmosfera da Psicologia é a da angústia descobridora e em sua angústia ela copia os contornos do pecado, apavorando-se mais e mais ante o desenho que ela própria faz aparecer. Quando é tratado dessa maneira, o pecado se transforma no mais forte, pois a Psicologia se relaciona com ele de modo propriamente feminino. É certo que aquele estado tem a sua verdade, e é certo que um tal estado surge com maior ou menor intensidade na vida de qualquer homem, antes que apareça a Ética; porém, com tal tratamento o pecado não vem a ser aquilo que é, e sim mais, ou menos do que isso.

Por isso, sempre que se vir o problema do pecado sendo examinado, poder-se-á logo verificar pela atmosfera se o conceito é o correto. Sempre que se fala do pecado como, por exemplo, de uma doença, de uma anomalia, de um veneno, de uma falta de harmonia, estará falseado também o conceito. [KIERKEGAARD  , Søren Aabye. O conceito de angústia. Tr. Álvaro Luiz Montenegro Valls. Petrópolis: Vozes, 2017 (epub)]


ἀμαρτία, « faute » (Tratado 53 12, 24 ; 12, 25). ἀμαρτάνω, hamartano, « commettre une faute » (Tratado 53 11, 10 ; 12, 3 ; 12, 8 ; 12, 11) (cf. 14). ἀναμάρτητος, « impeccable » (Tratado 53 9, 4 ; 9, 13 ; 12, 1 ; 12, 6). [Aubry  ]
LÉXICO: PECADO; falta; erro; erraticidade