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Mysteria

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

98. A cifra é outra, e outro o código de decifração, nos chamados «cultos mistéricos». Mas parece — por mais que com isso se irritem os historiadores da filosofia grega — que este pensar de Heráclito repensa, a seu modo, o que há de misterioso em todos os mistérios do paganismo clássico, o que há de misterioso em muitos dramas rituais de culturas que sobrevivem miraculosamente ao assalto da Cultura. Esses dramas representam, pelo assassínio de um deus, por um deicídio primordial, que uma vez se perpetrou na Lonjura e no Outrora, a origem do mundo que vive a morte e da morte de um deus. E desta «regra» não se exceptua o Cristianismo. Na época da Cultura em que vivemos, de que vivemos e para que vivemos, a própria Cultura faz o possível e o impossível para que nos olvidemos do grande mysterium fidei. Já se tentou fazer do Cristo uma espécie de «operário padrão». Não que desprezemos a miséria de que se fez glória humana, mas o [186] Cristianismo, como religião, como drama ritual, como vida sacramental, tem algo mais que celebrar. Não sei se nos será lícito asseverar que a paixão e morte de Jesus da Galileia se fez vida de um mundo «natural»; mas ninguém poderá negar, sobretudo dentro do Cristianismo, dentro da comunidade que brotou, cresceu e floresceu em redor do mais simbólico de todos os símbolos, que a morte de Cristo é vida de um mundo «sobrenatural», vida de um mundo que se nos revela enquanto seu «reinar oculto». Em qualquer caso, mais uma vez o que não podia deixar de ser: Cosmofania é Teocriptia. Mas, repare-se: Cosmofania que é Teocriptia não se pode equiparar a cosmofania que não fosse teocriptia. Esse kósmos «teocríptico» tem a mais do que o não seja o conter e reter aquele «reinar oculto» dos deuses; é, ele próprio, o lado de fora do lado de dentro em que se oculta o reino do deus que, no mesmo gesto, acenou o mundo e, no mundo, o «lugar» que lhe pertence. [EudoroMito:186-187]


LÉXICO: Mysteria