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fulguração

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

26. E assim prosseguimos no volteio em redor do «símbolo»; mas, porventura, cada vez mais próximo de ousar o salto que será mortal para as «coisas». Para ousá-lo, de uma vez, teríamos de nos dirigir ao Deus que, sem dispêndio de forças, e que, juntando nosso falar com o dos neoplatônicos, só por irradiação de super-potenciada Luz e Caótica Excessividade sempre vai dando às coisas uma suplência de ser-origem, que as converte em símbolos. Mas para quê invocá-Lo? Se Ele se nos apresentasse Todo a nossos olhos, de que nos serviriam os símbolos? Que faríamos de um mundo simbólico? Necessidade nenhuma nos levaria a desdenhar das coisas, não fosse só porque, destas, se nos abre o acesso para o diabólico e, a partir dos símbolos, cremos ver aberta uma vereda, ainda que estreita e tortuosa, encaminhando-nos para uma Unidade que estilhaçada calcamos a cada passo andado pelo disperso mundo das coisas. Mas, no dizer da sabedoria dos séculos, «quem vê Deus morre»; o que, traduzido na linguagem da nossa ignorância, significa que, em seu Todo, Ele mora além-horizonte, e como a bem poucos foi dado transpô-lo em vida, resignemo-nos a olhar só o que de suas Fulgurações reveladoras o mais das vezes se reflete em mundos insuspeitados. Essas Fulgurações são ofuscantes, constituem-se de Mistério. Que não o menospreze uma «razão» que, levada a seus limites, sempre e de cada vez se deterá diante de algo misterioso. Todavia, o Mistério não é limite, mas liminar. Se o soubesse, a razão teria razão de se envergonhar por não ver nele o início de nova caminhada, em vez de se vangloriar por, não querendo vê-lo, seguir em frente, como se mistério nenhum existisse. Mistério não é treva que a luz delegada, numa [113] razão voluntariosa, dissipe quando quer. É luz que não se vê na fonte, como, na fonte, da luz do sol se não vê senão a que se reflete no límpido ou nublado céu da aurora ou do crepúsculo. Mistério é resíduo de uma Fulguração da Caótica Excessividade mal contida e sempre a ponto de transbordar de toda a contenção. Dos mistérios, a primeira linguagem direta ou indireta, expressiva ou cifrada, é a do Mítico em que os símbolos se acham entretecidos. Por isso falávamos de dramas rituais, da religiosidade que compromete o pensamento com o gesto de nosso corpo inteiro. Mas o corpo-alma pensante desenha os contornos de mundos diferentes do Mundo das «coisas», em que «diferentes» não quer dizer que ocupem outro lugar que não seja o daquele Mundo em que vivemos com as coisas, ou em que nas coisas morremos. Só o tempo não é o mesmo. Se símbolos não há, que não estejam correlacionados com mitos, o tempo dos símbolos é o tempo do mítico, e este é o «Outrora», a hora que não é a das coisas. Os símbolos recuperam-se por desconcentração no aqui e agora, por distração que nos deixa absortos no Outrora e na Lonjura. [EudoroMito:113-114]


LÉXICO: fulguração