Página inicial > Termos e noções > fatum

fatum

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Para Aristóteles, o termo genérico para ação era ergon (atividade), do qual derivou energeia (Aristóteles, 1941, 1050a). Quando esta última era revelada em “coisas feitas” (poieton), o seu modo era poético (poiesis); quando revelada em “ações feitas” (prakton), o seu modo era prático (praxis). Aristóteles distingue rigorosamente entre poiesis e praxis: a primeira dirige-se ao mundo de acordo com as regras da arte (techne), enquanto a segunda dirige-se à vida da polis de acordo com a phronesis (Aristóteles, 1941,1140a; ver Riedel, 1975, p.99-101). A primeira é técnica, produzindo de acordo com regras; a segunda é deliberativa e discursiva. Além disso, a praxis está direcionada para o bem do indivíduo e da polis; há poucos vestígios de Aristóteles na distinção ulterior entre ação moral e ação política.

O acolhimento cristão dispensado a Aristóteles no século XIII elaborou consideravelmente a sua explicação de ação, introduzindo novas distinções ao mesmo tempo que diluía outras. Praxis ou actio deixa de equilibrar o bem do indivíduo e da polis através da phronesis, em vez disso, a relação entre bens morais, legais e políticos toma-se indefinida e objeto de incômodo debate. Igualmente significativo é o colapso da distinção entre poiesis e praxis, evidente na tradução de Santo Tomás de Aquino de praxis como factio. “Ações realizadas” são cada vez mais pensadas em termos de “coisas feitas” ou do movimento por meio do qual uma coisa é produzida. Nas palavras da definição técnica de Santo Tomás, “ação não indica outra coisa senão ordem de origem, na medida em que a ação procede de alguma causa ou princípio para o que é uma decorrência desse princípio” (Santo Tomás de Aquino, 1952,1, 41, 1).

A ação é pensada em termos de techne, originando-se numa causa ou princípio, em vez de resultar de um processo de deliberação (phronesis). As consequências dessa mudança tomam-se evidentes nos problemas que Santo Tomás enfrenta com a temporalidade da ação: em vez de coexistência de causa, ação e efeito no momento de deliberação, a ação deve ocorrer agora na presença da causa mas antes da presença do efeito (Santo Tomás, 1952,1,42,2). Isso introduz dois hiatos na descrição da ação (entre causa e ação, e entre ação e efeito), o que, por sua vez, sublinha a distinção escolástica entre ação interna e externa. A teoria da ação é subsequentemente dominada por uma explicação em três etapas, a qual avança (i) da fonte de um ato na motivação ou intenção de um agente para (ii) sua produção ou manifestação, e termina em (iii) seus efeitos ou consequências. Esta tradição provou ser dotada de extrema elasticidade. Sobreviveu à cisão por Maquiavel entre motivação política e ética, a qual meramente inferiu as consequências anticristãs da separação cristã de ética e política. Também sobreviveu à igualmente ameaçadora separação por Lutero entre intenção e manifestação, em sua rejeição da justificação por obras, sem falar do seu uso da distinção entre motivação e ações externas em apoio da justificação pela fé. Entretanto, como é evidente na tortuosa dialética de Liberdade de um cristão (1520), de Lutero, as pressões exercidas por (e sobre) esse modelo de ação geraram extraordinárias proezas de imaginativa argumentação prática, não só no nível casuístico da conduta cotidiana (Weber  , 1904-5), mas também nas esferas mais elevadas da filosofia e da teologia. [DicKant]


LÉXICO: fatum