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ek-stase

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Preferimos utilizar a transcrição grega de ἐκ-στασις ao invés do correspondente termo português “êxtase” ao longo de todo texto. Isso se deve à insistência de Henry em assinalar a composição etimológica da palavra em vista de sua filosofia. A palavra, na língua portuguesa, perdera diacronicamente uma pista importante para compreender sua carga semântica ao ter substituído as letras “ks” por “x”. A presença da preposição “ek” em ek-stasis indica justamente um deslocamento, ou melhor, um movimento que vai de dentro para fora. Todavia, o êxtase pode ser entendido também como um movimento que vai do interior de uma instância para o interior de uma outra, estabelecendo uma participação que se dá por dentro. São interessantes, nesse sentido, as seguintes palavras de J. Vuillemin, Essai signif. mort, 1949, p. 16 e 23: “O êxtase indica precisamente este movimento do destino que torna interior o que era exterior e livre o que era necessário (...). [Ele] realiza, portanto, a unidade da consciência de si e da consciência do objeto (...), indica a humanidade na natureza, a interioridade na exterioridade” (N. do T. em MHPsique).


Porém, se a afetividade já não constrói o aparecer e, a partir do interior, torna-o possível em sua parecença [semblance] primeira, se já não fornece, à sua imediação, a efetividade de sua matéria fenomenológica, a saber, a sua afetividade mesma, onde reside o poder pelo qual advém a fenomenalidade, qual é a substância fenomenológica desse primeiro advento? A ek-stasis, a luz que ela propaga, constitui, desde então, o naturante e a única essência da fenomenalidade, ao passo que a afetividade não é mais que a sua alteração. Com efeito, como poderia a ek-stasis subsistir e, antes disso, desdobrar-se se o poder que a desdobra, isto é, ela mesma, não residisse em si mesmo a fim de ser o que é e fazer o que faz, se a ob-jeção não tivesse lugar em sua interioridade radical em relação a si mesmo, se a ideia, em linguagem cartesiana, não tivesse uma realidade material? Embora [88] a imanência prescrita por todas as definições cartesianas do pensamento, assim como pelas definições da ideia, possa manter-se realmente a título de exigência incontornável, a ek-stasis não é mais que uma simples prescrição e torna-se frágil assim que estremece o seu assento fenomenológico. Mais do que isso, a luz da ek-stasis e da ratio, vai fornecer esse assento e, ao substituir sub-repticiamente a imediação do aparecer, vai ocupar o seu lugar, um lugar que, em seu invisível afastamento do mundo, fica sempre livre. Assim, cumpre-se o esquecimento do começo e sua perda: porque a ek-stasis tem lugar primeiramente em si, a luz, por um efeito de ocultação que repercute sobre sua própria origem, recobre-a, apresentando-se invencivelmente como a única essência e a única substância da fenomenalidade. O cogito se desmembra; a parecença [semblance] primeira do videor dissolve-se na do videre; “eu penso” passa a significar “eu vejo”; o “pensamento” já não é a vida, mas o seu contrário: converteu-se em conhecimento. [MHPsique:87-88]
LÉXICO: ek-stase