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anti-metafísico

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

É evidente que levantar tais questões apresenta certas dificuldades. À primeira vista, elas parecem pertencer ao que se costuma chamar “filosofia” ou “metafísica”, dois termos e dois campos de investigação que, como todos sabemos, caíram em descrédito. Se isto se devesse meramente aos ataques do positivismo   moderno e do neo-positivismo, talvez não precisássemos nos preocupar. A assertiva de Carnap [9] segundo a qual a metafísica deveria ser vista como poesia certamente choca-se com as pretensões habituais dos metafísicos; mas essas últimas, assim como a própria avaliação de Carnap, podem estar baseadas em uma subestimação da poesia. Heidegger  , que Carnap escolheu como alvo privilegiado, retorquiu afirmando que a filosofia e a poesia estavam de fato intimamente relacionadas; não eram idênticas, mas brotavam da mesma fonte — o pensamento. E Aristóteles  , que até agora ninguém acusou de escrever “mera” poesia, tinha a mesma opinião: poesia e filosofia, de alguma forma, estão relacionadas. O famoso aforismo de Wittgenstein   — “sobre o que não podemos falar devemos nos calar” —, que argumenta pelo lado oposto, deveria aplicar-se, se levado a sério, não apenas ao que se encontra além da experiência sensorial, mas ainda mais aos próprios objetos dos sentidos. Nada do que vemos, ouvimos ou tocamos pode ser expresso em palavras que se equiparem ao que é dado aos sentidos. Hegel estava certo quando indicou que “o Isto dos sentidos... não pode ser alcançado pela linguagem.” Não foi precisamente a descoberta de uma discrepância entre as palavras, o medium no qual pensamos, e o mundo das aparências, o medium no qual vivemos, que conduziu, pela primeira vez, à filosofia e à metafísica? Com a ressalva de que no começo era o pensamento, na forma de logos ou de noesis, que tinha a capacidade de alcançar a verdade ou o verdadeiro ser, ao passo que no final a ênfase havia se deslocado para o que é dado à percepção e para os instrumentos pelos quais podemos estender e aguçar nossos sentidos corporais. Parece bastante natural que o primeiro se volte contra as aparências e o último contra o pensamento.

Nossas dificuldades com as questões metafísicas são produzidas nem tanto por aqueles para quem essas são questões “sem sentido”, como pela própria parte atacada. Pois assim como a crise na teologia atingiu seu clímax quando os teólogos — e não aquela velha multidão de incrédulos — começaram a discutir a proposição “Deus está morto”, também a crise na filosofia e na metafísica veio à luz quando os próprios filósofos começaram a declarar o fim da filosofia e da metafísica. Hoje isso já é uma velha história. (A atração pela fenomenologia de Husserl   derivou das implicações anti-históricas e antimetafísicas do slogan “Zu den Sachen selbst”·, e Heidegger, que “aparentemente permaneceu na trilha metafísica”, de fato também pretendeu “superar a metafísica”, como ele mesmo proclamou muitas vezes desde 1930).’’ [ArendtVE:8-9]


LÉXICO: anti-metafísico