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metonímia

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

É curioso observar que um processo mental do tipo fetichista está implícito em um dos tropos mais comuns da linguagem poética: a sinédoque (e na sua parente próxima, a metonímia). No fetichismo, à substituição da parte pelo todo que ela efetua (ou de um objeto contíguo por outro) corresponde a substituição de uma parte do corpo (ou de um objeto anexado) pelo parceiro sexual completo. Prova-se assim que não se trata apenas de uma analogia superficial pelo fato de que a substituição metonímica não se esgota na pura e simples substituição de um termo por outro; o termo substituído é, pelo contrário, ao mesmo tempo negado e lembrado pelo substituto, com um procedimento cuja ambiguidade lembra de perto a Verleugnung freudiana, e é justamente dessa espécie de “referência negativa” que nasce o potencial poético particular de que fica investida a palavra. O caráter fetichista do fenômeno torna-se evidente no tipo particular de procedimento metonímico que, desde a época em que Vasari e Condivi apresentaram o seu primeiro reconhecimento crítico relativo às esculturas “incompletas” de Miguel Angelo, se converteu em instrumento estilístico essencial da arte moderna: o não acabado (2). Gilpin, que impulsionou de tal forma o gosto pré-romântico pelo inacabado a ponto de propor a destruição da metade das vilas de Palladio, a fim de as transformarem em ruínas artificiais, já se havia dado conta [60] de que o que ele denominava “laconismo do gênio” consistia exatamente em “dar uma parte pelo todo”. Schlegel  , a quem se deve a profética afirmação de que “muitas obras dos antigos transformaram-se em fragmentos, enquanto muitas obras dos modernos o são ao nascerem”, pensava, como Novalis  , que toda obra acabada estivesse necessariamente sujeita a um limite de que só o fragmento poderia escapar. E supérfluo lembrar que, nesse sentido, quase todas as poesias modernas, de Mallarmé em diante, são fragmentos, porquanto remetem a algo (o poema absoluto) que nunca pode ser evocado integralmente, mas só se torna presente mediante a sua negação. A diferença em relação à metonímia linguística normal reside aqui no fato de o objeto substituído (o “todo” a que o fragmento remete) ser, como o pênis materno, inexistente ou já não existente, e assim o não acabado se revela como um perfeito e pontual pendant da Verleugnung fetichista. [AgambenE:60-61]


LÉXICO: metonímia