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normal

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Um dos autores, que mais contribuiu para uma rica discussão sobre o que seja normalidade, foi Georges Canguilhem   (2000). O filósofo francês dedicou-se a uma profunda investigação sobre as diversas implicações da fixação do conteúdo da normalidade, em seu livro “O normal e o patológico”. Sim, conteúdo da normalidade, pois o que será o normal? Segundo Canguilhem (2000), normal é uma palavra que deriva de norma, regra, lei. Desse modo, a normalidade diz respeito ao que está de acordo com a norma. Norma é esquadro, aquilo que “endireita”, o que se afasta da norma está, por assim dizer, “torto”. Inúmeras questões são levantadas, pois quem fixa a norma? Que critérios estabelecem o que ou quem está de acordo com a norma? Numa primeira aproximação, pode-se dizer, que o conteúdo da norma tem a ver com o mais frequente. O que se apresenta como o mais frequente, estabelece o que é a norma. Assim, o anormal tem a ver com o que está fora da regra, do mais frequente. Uma das consequências de tal formulação é a consideração de que o anormal tem relação com o que é patológico. A palavra patológico vem de pathos, que significa, essencialmente, sofrimento. Mas, ainda sobre norma, o que é considerado normal pode, essencialmente, nem existir, pois o que é normal é efetivamente uma medida, uma mensuração. Numa rua com dezenas de casas, podemos ter uma medida, uma norma do tamanho padrão de altura das casas. No entanto, pode ser que nem exista uma casa no tamanho da norma ou da medida. Portanto, vê-se, que o que é normal serve como “endireitador” da [102] existência. Pelo padrão de normalidade, corrige-se o existente. A existência é submetida à lei, nomos, em grego, e à norma, regra em latim. Para Canguilhem (2000), lei e regra podem ser tomados, aqui, como sinônimos. Nesse sentido, o anormal é o existente que está simplesmente fora da regra. Contudo, num horizonte hermenêutico próprio, há um valor que estabelece o anormal como patológico, quando, descritivamente, ele apenas é “fora da regra”. Nessa trilha de pensamento, tudo que é diverso, plural e diferente, ou seja, anormal, é valorado como patológico ou como doente ou, minimamente, estranho. Estranho, doente e patológico foi como Kovrin foi julgado. Conforme a lei vigente, o mais frequente é que pessoas não “vejam” entes que “não existem”, ainda mais, se falarmos com eles ou os sentirmos. O que Kovrin fazia no contexto de uma norma metafísica científica, não podia ser percebido como diverso, plural, diferente, anormal; descritivamente, considerado como não frequente apenas. Nesse sentido ainda, Canguilhem disserta sobre a origem da palavra anomalia. Em grego omalos significa o que é uniforme, regular, Uso. Estritamente, anomalia aponta para o que não é “omalos”, para o que é tão somente irregular ou rugoso. Portanto, anomalia pode ser lida como irregularidade, rugosidade, saliência que produz diversidade, aquilo que não é liso. Novamente, vemos que um valor pode ser atribuído à anomalia para considerá-la como sinônimo de patológico, doente. Assim, os entes anômolos e anormais, num horizonte hermenêutico específico, serão considerados como patológicos e não mais, essencialmente, como fora da regra e irregulares, diversos no final das contas. Podemos prosseguir a reflexão e considerar que, num horizonte hermenêutico diverso, os entes anômolos e anormais, nem seriam anômolos e anormais. Pois o logos próprio, a vigência reunidora de um tempo histórico, faz surgir e desaparecer valores, significados, crenças, imagens, percepções, emoções, sentimentos, ideais, entes e seus sentidos que, aparentemente, podiam ser vistos como que essencialmente próprios aos entes. [WAGNER DE AZEVEDO, Patrick. A mística, a serenidade e a espiritualidade: A fenomenologia hermenêutica de Heidegger  , as experiências espirituais e a daseinsanálise. Rio de Janeiro: Via Verita, 2019]


LÉXICO: uniforme; equidade; extraordinário; normal e afins; anomalia