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o todo

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

A inteligência (pelo que dela entreluzo) começa sempre por conceber um todo: só posteriormente é que pensa as partes, pensando-as como partes desse mesmo todo, — compreendendo-as no todo previamente dado. Parte-se de um todo que depois se retoca. Se começo a enunciar uma certa frase, o todo preexiste no meu intelecto: quando não, nunca se ligaria o final com o início, e a frase não chegaria a formar sentido. De maneira análoga, quando nós emitimos qualquer juízo — por exemplo: «a gaivota voa» —, não há nesse ato (como pensa a lógica do velho Aristóteles) primeiro a ideia da gaivota mais a ideia de voadora, só depois conectadas por tal juízo; não, nada disso: partimos da percepção de um todo concreto, que se devolve em objeto de tal juízo quando nós o dividimos nas duas partes: gaivota, voo. (Assim como o todo precede as partes, a atividade relacionante precede os termos.) O juízo não é uma associação de conceitos: o conceito é que é um abstrato do juízo; a classe não é anterior à proposição: a classe é o conjunto dos valores para os quais a proposição é Verdadeira. Analogamente, a frase é anterior à palavra (e de acordo com tal lei do intelecto se usam hoje os métodos globais para ensinar às crianças a leitura). O astrônomo, se pensa na trajetória de um certo planeta, entra por supor uma elipse perfeita, uma curva completa, e portanto um todo: insinua-lhe depois as «perturbações» necessárias e calcula elementos da trajetória. Parte-se de um todo, e a um todo se volta. Achar a causa ou a razão de um fato é chegar a perceber a relação do fato com um todo de pensamento em que se ele inclui; inteleccionar um determinado fenômeno, uma certa experiência, — é ver como se liga a um pensamento total. [António Sérgio, Ensaios, t. v, pp. 184-185]

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