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Uno

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  
Damiani  

Plotino   fala do Uno — a suprema realidade — como sem quaisquer aspectos ... totalmente homogêneo, indivisível e sem partes — inviolado — o máximo que palavras podem expressar são usadas para imprimir em nossa mente a existência da única coisa que nosso filósofo tem certeza, e então algo de sua natureza é provocada em nosso ser mais interior. Para descrever ou revelar algo sobre este ser (universal), o arranjo ou combinação destas unidades Transcendentes que o «constituem», não importando o esquema interno — as profundezas insondáveis — e o abismo de poder que o caracteriza e sugere sua completude, o modo indistinto de seu relacionamento — Tudo isto sem falhas, concebido e executado pelos sons, transforma nossa exegese do que esta natureza do Uno pode ser em um hino de adoração. De qualquer modo, com um escrutínio impecável o domínio da razão humana, ele formula dentro desta série de citações um paradigma para nossa mente da causa sem causa, o Nirguna Brahman dos hindus (seu conhecimento indiferenciado), a ideia de Infinito Metafísico ou o Absoluto de alguns ocidentais. Não há nenhuma hierarquia dentro, que possamos apontar para, mas/e será o modelo das duas hipóstases seguintes como «aspectos» do Uno. Isto é, o Princípio Intelectual será a teleologia para o Uno e a Alma sua vida, mas esta diferenciação será para acomodar o modo de ascensão da mente... em sua silenciosa jornada ao jardim do paraíso. Uma vez lá, quem pode distinguir o que do quem exceto o divino...

Em diversos tratados das Enéades, Plotino descreve as características essenciais do Uno-Único. Para citar apenas alguns: Enéada V.4.2; Enéada VI.8.16; Enéada V.2.1. [Anthony Damiani, Astronoesis]


Ullmann  

Uno, Absoluto, Deus [theion] ou Bem sinonimizam nas Enéadas de Plotino [1]. Respigaremos, para este texto, alguns passos da obra do licopolitano, a fim de apresentar, de modo sucinto, o perfil do Uno-Deus. Guiar-nos-emos pelas palavras de Plotino e por abalizados comentaristas.

Faria uma ideia errônea do Princípio Primeiro - o Uno - quem pensasse ser ele algo de todo abstrato, despojado de toda realidade, um número cardinal ou ordinal, um abismo em que impera o vazio. A essa ideia não corresponderia nenhum ente, nenhum conteúdo, nenhuma realidade. Tais assertivas, conforme veremos, são insustentáveis, quando alguém as quer aplicar a Plotino.

Se alguém considerasse o Uno (Hén) como potência pura, isto é, matéria prima, em oposição a ato, também não estaria concorde com o pensamento do filósofo de Licópolis, porquanto Plotino deixa claro que a dynamis não é potência receptiva: "O Uno é a potência (dynamis) de todas as coisas, porém não no sentido em que se afirma que a matéria está em potência, pois esta, sendo passiva, somente recebe" (En. V, 15, 34). O Uno é a dynamis de tudo, isto é, tem o poder de tudo gerar. A esse aspecto retornaremos.

De outro lado, Plotino diz, paradoxalmente, que o Uno não pensa, que ele não é o Bem, nem que ele é. Depois afirma que ele é Super-Pensamento, Super-Bondade, Super-Ser. O Uno é epekeina tes ousias, isto é, além do ser ou acima do ser. "Ele basta a si mesmo, nada precisa procurar fora de si, estando acima de todas as coisas (hyper te penta onta)" (En. VI, 7, 30-32). "Quando dizemos dele ‘o Bem’, não lhe conferimos um atributo, como algo que lhe pertence. Ele é ele mesmo" (En. VI, 7, 38, 4-6). Não há mister usar o verbo "ser", dizendo: "Ele é o Bem". Uno e Bem são convertíveis e constituem perfeições simples.

E mais. Ele (Uno) não é tudo, nem parte do todo: "Ele é acima das coisas, é a sua causa e ele não é essas coisas" (En. V, 5, 13, 19-20). Noutras palavras, ele transcende a tudo, mas, ao mesmo tempo, está em toda parte. "Se ele estivesse apenas em toda parte, seria o todo" ( [2]. Isso significa que no Uno as criaturas se encontram eminenter [3]. Por outra, "a causa não é a mesma coisa que o causado" (En. VI, 9, 6, 54-55); "a causa de todas as coisas não é nada delas (ouden esti ekeinon)" (En. VI. 9, 6, 56). "O Uno não pode ser uma das coisas às quais ele é anterior" (En. V, 3, 11, 19).

Por ser a arche de tudo, o Uno é mais perfeito e melhor que seus efeitos: "O criador (poioun) é melhor do que as coisas criadas, porque é mais perfeito (teleioteron)" (En. V, 5,13, 38).

Por essas indicações, que se poderiam multiplicar, já percebemos, com clareza, a distinção do Uno e do múltiplo e, ao mesmo tempo, a origem do múltiplo a partir do Uno. [Ullmann:33-35]


O texto apresentado permite distinguir duas faces do Hen em Plotino: de um lado, a indeterminação do Uno e, de outro, atributos a ele conferidos, como: ato primeiro, causa de tudo, simplíssimo, perfeitíssimo, etc. Dessarte, chega-se à origem do múltiplo, a partir do Uno. E seria impossível explicar os entes existentes sem uma causa eficiente, sem um Absoluto, sem o Uno.

Eis, em rápido escorço, alguns tópicos sobre o Uno-Deus de Plotino, o qual, sem dúvida, pode ser denominado arauto e anunciador de muitos aspectos da filosofia patrística e medieval, bem como da teologia do medievo. Basta recordar o emprego da teologia negativa (o conhecimento apofático de Deus) e a influência do licopolitano sobre a mística do Ocidente. [Ullmann:39]



LÉXICO: Uno

Observações

[1"L’Uno (al quale spetta propriamente il nome di Dio), ossia il primo principio o rorigine in sé, non è essere ma è piuttosto ’sovra-essere’ (...)" (BEIERWALTES, Werner, Agostino e il neoplatonismo cristiano (Milano, 1995), p. 96).

[2Princípio, para o licopolitano, não se reverte de sentido lógico aristotélico, mas tem significação ontológica, porque o Uno gera o que vem depois dele, não-movido por cego instinto, mas porque é plenitude transbordante.">En. III, 9, 4, 3] deles. Por conseguinte, necessariamente lhes é superior. A existência deles dá-se por participação (Cf. En. V, 5, 4), ou seja, foram feitos. Tendo sido feitos, eles não se identificam com quem os fez [[O Uno é "diverso de tudo"- panton heteron (En. V, 4, 1, 6); "Ele é só e desprovido das demais coisas" – monon kai eremon ton allon esti (En. V, 5, 13, 6); "Ele é para além do Ser"- epekeina tou ontos (En. VI, 6, 5, 38); "Ele é o primeiro e acima do ser" – protos autos kai hyperontos autos (En. VI, 8, 14, 43). À saciedade comprovam esses textos que Plotino confere um lugar de destaque ao Uno, acima das demais realidades.

[3"Since the One is the cause of the being of everything else, they are in the One. How? Virtually or eminently, and not in the manner in which they exist as finite beings" (GERSON, L. P., God and Greek Philosophy (London and New York, 1994), p. 208). Claras são a esse respeito as palavras de Plotino: "Mas como o Uno é princípio de todas as coisas? (...) Porque as possuía já. (...) Sim, já as possuía, mas não-distintas. Distintas são apenas no segundo momento, no Logos, onde já estão em ato. O Uno somente é a potência de tudo" (En. V, 3, 15, 28-33). Cf. etiam En. VI, 7, 32, 13-15; En. VI, 8, 21, 24-25.