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dogmatismo

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

gr. δόγμα, dogma


Por dogmatismo (do grego dógma, doutrina estabelecida) entendemos a posição epistemológica para a qual o problema do conhecimento não chega a ser levantado. A possibilidade e a realidade do contato entre sujeito e objeto são pura e simplesmente pressupostas. É auto-evidente que o sujeito apreende seu objeto, que a consciência cognoscente apreende aquilo que está diante dela. Esse ponto de vista é sustentado por uma confiança na razão humana que ainda não foi acometida por nenhuma dúvida.

O fato de que, para o dogmatismo, o conhecimento não chega a ser um problema, repousa sobre uma visão errônea da essência do conhecimento. O contato entre sujeito e objeto não pode parecer questionável se não se vê que o conhecimento apresenta-se numa relação. É o que ocorre com o dogmático. Ele não vê que o conhecimento é, essencialmente, uma relação entre sujeito e objeto. Ao contrário, acredita que os objetos de conhecimento nos são dados como tais, e não pela função mediadora do conhecimento (e apenas por ela). Ele desconsidera esta Última. E isso vale não apenas para o campo da percepção, mas também para o do pensamento. Segundo a concepção do dogmatismo, os objetos da percepção nos seriam dados diretamente, corporeamente, e assim também os objetos do pensamento. Num caso desconsidera-se a percepção por meio da qual determinados objetos nos são dados; no outro, desconsidera-se a função pensante. O mesmo ocorre quanto ao conhecimento dos valores. Também os valores estão, para o dogmático, pura e simplesmente aí. O fato de pressuporem uma consciência valorativa permanece, para ele, tão oculto quanto o fato de todos os objetos de conhecimento exigirem uma consciência cognoscente. Aqui como lá, ele desconsidera o sujeito e sua função.

Segundo o que foi dito, pode-se falar de um dogmatismo teórico, ético e religioso. A primeira forma de dogmatismo diz respeito ao conhecimento teórico; as duas últimas, ao conhecimento dos valores. O dogmatismo ético lida com o conhecimento moral; o religioso, com o conhecimento religioso.

Sendo a atitude do homem ingênuo, o dogmatismo é, tanto psicológica quanto historicamente, o primeiro e mais antigo dos pontos de vista. No período inicial da filosofia grega, ele predominou de modo quase generalizado. As reflexões epistemológicas estão, de modo geral, afastadas do pensamento dos pré-socráticos   (os filósofos jônios da natureza, os eleatas, Heráclito  , os pitagóricos). Esses pensadores são inspirados ainda por uma confiança ingênua na eficiência da razão humana. Completamente voltados para os entes, para a natureza, não percebem o conhecimento como problema. Isso só irá acontecer com os sofistas. Eles levantam pela primeira vez o problema do conhecimento e tornam o dogmatismo, tomado em sentido estrito, para sempre impossível no campo da filosofia. Dos sofistas em diante, encontraremos em todos os filósofos, de uma forma ou de outra, reflexões críticas sobre o conhecimento. É verdade que Kant   acreditava que a designação "dogmatismo" deveria ser aplicada aos sistemas metafísicos do século XVII (Descartes  , Leibniz  , Wolff). Essa palavra, porém, tinha para ele um significado mais estrito, como sua definição de dogmatismo na Critica da Razão Pura nos leva a reconhecer ("Dogmatismo é o proceder dogmático da razão pura, sem a crítica de sua própria capacidade"). Dogmatismo, para ele, é fazer metafísica sem ter antes examinado a capacidade da razão humana. Neste sentido, os sistemas pré-kantianos da filosofia moderna são, de fato, dogmatismos.

Isso não quer dizer que falte a esses sistemas toda e qualquer reflexão epistemológica e que ainda não tenham percebido o problema do conhecimento em geral. Isso acontece em todos eles, como mostram as discussões epistemológicas em Descartes e Leibniz. Não se deve falar aqui num dogmatismo geral e axiomático, mas num dogmatismo especial Não se trata de um dogmatismo lógico, mas de um dogmatismo metafísico. (Johannes Hessen, Teoria do Conhecimento)


(do gr. dogma, opinião)

a) Entre os gregos era a posição filosófica que se opunha ao ceticismo. Enquanto os defensores desta posição negavam a possibilidade do conhecimento, os dogmáticos afirmavam-na plenamente.

b) Kant emprega o termo em sentido pejorativo e o considera não apenas oposto ao ceticismo, mas também a crítica por ele estabelecida. Vide Criticismo.

c) Chama-se dogmatismo moral a concepção que explica e legitima a certeza pela ação.

d) Emprega-se em geral para indicar a afirmação de doutrinas que não admitem em si mesmas nada de imperfeito ou errado. O dogmatismo moral opõe-se ao dogmatismo intelectual (vide). Aquele afirma que nossos conhecimentos espontâneos são a expressão dos nossos desejos, e que as nossas atitudes intelectuais, em suma, dependem dos interesses humanos. O dogmatismo intelectual afirma a independência do nosso conhecimento quanto aos nossos interesses. Vide Interesse.

e) Dogmatismo negativo, nome que se dá geralmente ao ceticismo porque, ao afirmar a impossibilidade do conhecimento verdadeiro, faz uma afirmação dogmática, enquanto se chama de positivo o dogmatismo contrário. [MFS]

LÉXICO: dogmatismo; dogmata; dogma