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matéria

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Matéria/material [hylê)

Platão   não tem um conceito uniforme de matéria que a diferencie nitidamente do espaço (chôra) e do corpo (sôma). Ao contrário, de acordo com o contexto há outras ordenações, em que diferentes níveis de ilimitação e pluralidade desempenham um papel. A palavra hylê, com que Aristóteles   designa a causa material e distingue o “do que” de “que” “de onde” e “em virtude do que” (Física 2,3), também possui nos diálogos platônicos quase sempre o significado pré-filosófico de floresta ou madeira (Leis 843e; Crít. 118e). Onde “madeira” não significa simplesmente lenha (Leis 761c, 849d), naturalmente é de supor uma elaboração técnica (Leis 705c; Crít. 114e). No entanto, um uso terminológico, que apreende o significado pré-filosófico de matéria-prima, aparece numa única passagem. No Filebo  , Sócrates   afirma que todo instrumento e todo material (pasa hylê) são empregados em toda parte por causa da geração (genesêos heneka); e aqui a geração ocorre por causa do ser (ousias heneka) (Fil. 54c). No pano de fundo está o devir ao ser (genesis eis ousian), pensado como ligação entre o ilimitado (apeiron) e o limitado (peras) (Fil. 26). Contudo, o ilimitado mais e menos ou maior e menor (Tim. 25c), diferentemente do que dá a entender Aristóteles (Física 187a; Metafísica 987b), não é chamado de hylê por Platão. Também na doutrina oral dos princípios, que complementa o um pela dualidade ou pelo grande e pequeno, ele provavelmente também não empregou essa designação para o princípio material dos números ideais e ideias, diferentemente do que dá a entender o relato aristotélico. O mesmo se aplica à substância perceptível dos corpos, que se mostra como princípio material concreto na produção artesanal de produtos. Não há um uso terminológico da palavra nem mesmo no Timeu  , cuja cosmologia investiga detalhadamente a matéria ao explicar o cosmos como produto de um demiurgo divino. Depois de serem distinguidos diversos gêneros de causas, diz-se apenas que estes estão presentes para nós assim como a matéria está presente aos artesãos (hoia tektosin hêmin hylê parakeitai, Tim. 69a). [SHÄFER]


O que dizer da matéria?

A palavra matéria [’Ovviamente, in confronto con l’Uno, con lo Spirito e con l’Anima, la matéria non può essere concepita come una propria ‘ipostasi’, giacché ad essa non spetta per se stessa né un essere delimitato identificabile né una formei analoga alle altre forme specifiche, o una azione autooriginaria” (BEIERWALTES, op. cit., p. 44).] Plotino   a entende de três maneiras:

1 ) como kósmos noêtós, no Noûs, é denominado matéria inteligível;

2) como matéria invisível, sem grandeza e, por conseguinte, imperceptível pelos sentidos, traduzida como subjectum quoddam et susceptaculum specierum por Ficino   [“La materia es concebida fundamentalmente como privación, pura potencialidad informe, no ser, sustrato y receptáculo de formas, impasible, sólo aprehensible por medio de un ‘razionamiento bastardo”’ (SANTA CRUZ, Maria Isabel, op. cit., p. 17). Contrariamente ao Uno que é perfeitíssimo, a matéria apresenta-se negativa, como pólo oposto à primeira hipóstase. Dir-se-ia que a matéria sensível constitui a última franja do ser para além do qual nada mais existe.];

3) como mundo corporeo (material), sensível, que é uma cópia, ou seja, uma imagem – “a mais bela imagem do mundo inteligível” [En. II, 9, 4, 27].

Em sua famosa polêmica antignóstica, Plotino revigorou a convicção acerca da positividade do mundo físico. Paradoxal mente, ele afirma que a matéria é o mal. O que significa isto? Significa que, depois dela, não é possível outra coisa. [Embora um pouco longo, é digno de leitura o seguinte texto: “At the bottom of the Plotinian hierarchy lies matter. Plotinian matter is like the One in that it permits no positive characterization, but this is for exactly the opposite reasons. The One is, one might say, so full, so perfect, that it eludes any positive description. Matter, on the contrary, is such on account of its utter privation, or lack of being: it is sheer potentiality. Matter in Plotinus’ System is the receptacle of immanent bodily forms, such as colours, shapes and sizes. (...) Matter itself is not subject to change but underlies change: as Forms come and go matter re-mains unaffected. It is as such imperceptible, but reason convinces us of its existence as a purely negatively characterized substrate of forms” (EMILSSON, Eyjólfur Kjalar, Plotinus. In: ROUTLEDGE ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY (London and New York, 1998), p. 459).] Talvez mais claramente: em oposição ao Bem (Primeiro Princípio), do qual todos os entes dependem e que todos desejam, e de nada necessita, o mal pode ser definido como o informe (aneídeon), o eternamente deficiente, o indeterminado, completa passividade, pobreza total [Em sentido quase oposto, encontramos a seguinte interpretação de matéria: “At III. 6.13.19 Plotinus quotes Timaeus 52a8-b1, where Plato identifies the receptacle as chôra. So, when Plotinus further identifies the receptacle as matter, he seems to be endorsing Aristotle’s Interpretation of matter as space” (GERSON, op. cit., p. 263, nota 16).]. Esta é a essência do mal [En. 1,8,3, 13-16]. Aquilo em que inerem as figuras, as formas, os limites dos entes, aquilo é o primeiro mal, o mal absoluto [Cf. En. I, 8, 35-40]. Bem e mal, neste caso, andam de mistura [v. hamartía]. No universo corpóreo, sensível, material, o homem representa um “espetáculo divino” (daimónia ópsis) [En. III, 2, 3, 16, 17]. Sem temor de errar, podemos dizer que em Plotino se encontra a mais bela elaboração, no pensamento antigo, da realidade do homem e do seu destino sobrenatural, atingível pela epistrophê ou retorno ao Uno. O homem semelha um Ulisses desejoso de voltar à pátria [patrís]. [ULLMANN  ]