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quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Demonstração (apodeixis)

I. O emprego coloquial de apodeixis (incluindo os verbos correspondentes apodeiknym ou deiknymi) tem em grego um espectro amplo: revelação, publicação, mostrar, apresentar, assim como — sobretudo na RETÓRICA — argumentação ou demonstração. Platão também o utiliza nesse sentido desde os diálogos iniciais (Apol. 20d; Cárm. 169b; Prot. 323c e outros; Górg. 454a e outros) aos tardios (Parm. 129b; Sof. 256c; Pol. 277b; Leis 893b).

Empregos de “demonstração” no sentido mais estrito são raros nele. Isso se deve, de um lado, ao fato de Platão evitar fixações terminológicas e, por isso, frequentemente empregar o conceito geral logos (= palavra, conceito, argumento, explicação, justificação) ou — com menos frequência — tekmêrion (= testemunho, atestação, cf. Apol. 24d, 32a, 40c; Féd.   70d, 72a; Teet. 158b; Parm. 127e-128b) ou sêmeion (Teet. 153a; Sof. 237d; Tim. 71e).

Às vezes, também se encontram combinações (cf. Híp. menor 369c: “Eu te mostrarei [apodeixô] por um argumento suficiente [hikanô logo], baseado em várias atestações [tekmêria], que Homero   representou Aquiles como melhor do que Odisseu”; Teet. 158b: que testemunho [tekmerion] teremos de apresentar [apodeixai] se alguém no presente nos perguntasse se estamos dormindo ... ou despertos”). De outro lado, o procedimento informal da maior parte dos diálogos não é bem compatível com uma pretensão de rigor de seus resultados (ou também apenas para argumentos parciais). Embora muitos dos diálogos intermediários e tardios cheguem a resultados positivos, estes não são apresentados como doutrinas dogmáticas, mas como acordos obtidos em conjunto; isso se aplica, por exemplo, à “primeira apodeixis” (Rep.   580c) da superioridade da justiça sobre a injustiça pela descrição da vida infeliz do tirano, à qual se seguem ainda três outros argumentos (apodeixeis) para fundamentação da superioridade do prazer do filósofo sobre o de todos os outros. Em vez de demonstração, esses argumentos oferecem apenas explicações dos diferentes tipos de prazer e sua avaliação.

Por isso, apodeixis e apodeiknymi indicam em Platão procedimentos bastante diversos: mostrar (mediante exemplos, comparações, símiles), provar (por casos de ANALOGIA, análises conceituais, indícios) e justificar um ponto de vista por argumentações mais ou menos rigorosas. Isso também vale ainda para os diálogos tardios, em que nem tanto pessoas mas posições filosóficas estão sob escrutínio, ou até mesmo se deve executar um “trabalho encomendado”, como, por exemplo, a tarefa do “estrangeiro eleata” de expor a diferença entre o sofista  , o político   e o filósofo. Os métodos aí preferidos de determinação conceitual pela diérese recebem um grau de confiabilidade de Platão, mas não o status de demonstração.

Apodeixis tornou-se terminus technicus no sentido da demonstração estritamente dedutiva apenas na silogística de Aristóteles (cf. Analytica posteriora, especialmente 1,1-10). A reserva de Platão em relação à força de suas demonstrações não deve levar a concluir que ele ainda não conhecia o procedimento de demonstração no sentido próprio. Ao contrário, ele estava totalmente familiarizado com o procedimento dedutivo, desenvolvido pelos matemáticos de sua época. Isso é apoiado por várias referências à MATEMÁTICA (Eutid. 12c-d; Prot. 357a; Górg. 453e, 508a), pelos exemplos matemáticos (Mên. 82b-85b; Teet. 147d- 148b) e por sua avaliação do procedimento hipotético na matemática (Mên. 86e-87b; Rep. 510c-511b). Esse conhecimento manifesta-se nas exigências de prova ou nas discussões de sua aceitabilidade, como por exemplo nas demonstrações ou argumentos em favor do aprendizado como REMINISCÊNCIA; Féd. 77c: Cebes censura o fato de que a demonstração da existência da alma antes do nascimento só proporciona a metade da demonstração de sua imortalidade; em 87e-88b, ele objeta que não se pode confiar no logos de que a alma continua a existir após a morte, e exige uma demonstração (apodeixai) de que ela não é aos poucos consumida; Símias concede que (92d) ele aprovou sem demonstração (apodeixis) a teoria de que a alma é uma harmonia, embora soubesse que não são confiáveis os argumentos (apodeixeis) na base de plausibilidades (dia tôn eikotôn logôn). A despeito dessas diferenciações, Platão não dá a conhecer se ele também considera válidas apenas suas últimas demonstrações da IMORTALIDADE da alma. A segurança de Sócrates (107b) de que seus interlocutores aderirão ao logos depois de um exame mais detalhado das premissas, tanto quanto isto está no poder do homem, e não mais investigarão quando elas estiverem claras, deixa em aberto a questão da rigorosidade do logos.

Prima facie, no entanto, a reserva de Platão parece se coadunar mal com a impressão de agudeza e consequência lógica nos diálogos socráticos e também com a exortação a não se contentar com o meramente PROVÁVEL. Por outro lado, é preciso lembrar que essa impressão se restringe à prática da refutação (ver ELENCHOS). Ainda que os meios lógicos aí nem sempre sejam inofensivos, Sócrates revela ser um mestre da reductio ad absurdum. Contudo, os resultados das refutações (elenchoi) não são exatamente o que a palavra grega apodeixis exige segundo seu sentido literal, a saber, “demonstrações”. [SHÄFER]