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quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

André Chouraqui  Salmos   Caminhos - CAMINHOS DOS SALMOS

O justo, o Sadiq, está no centro do caminho de perenidade. Ele realiza a ordem real do mundo e redime na luz o caos desencadeado por seu homólogo decaído, o Satanás - príncipe das trevas. As duas figuras se correspondem como as imagens invertidas pelo secreto defeito de um prisma. Na inocência do ser, um é portador da vida; o outro encarna uma mentira e espalha a morte. E cerca de uma centena de nomes designam também, no Saltério, o herói da luz: o oprimido, o aflito, o despojado, o indigente, o humilde, o pobre, o homem sofrido, o fiel, o sábio, o que estremece, o homem correto, o estrangeiro, o meteco do mundo, o mendigo, o fervoroso de YHWH Adonai, o espreitador de seu rosto, de sua bênção, de sua luz, o inocente, o aliado de YHWH Adonai, o herdeiro da perenidade, o olho lúcido, o coração puro, a mão íntegra, o arauto do verbo, o realizador das justiças, a árvore da vida, enraizada na margem das grandes águas; forte e sábio, heroico e renunciado, fecundo e puro, lúcido e sem querer próprio, seguro de sua vitória e trêmulo por ela, apaixonado pela vida e sofrendo paixão cie morte, exilado na carne medonha e que morre nos ardores de seu sofrimento ou de sua ascese, cativo da esperança que o vota às redenções, e por elas inimigo do abismo onde o não-ser resplandece; em seu combate, uma voz o salva dos fogos do revoltado, dando-lhe a arma invencível do verbo: ele é para sempre o guardião da aliança, o detentor dos testemunhos, o portador das luzes, o anunciador do Nome redentor, nas fronteiras onde sucumbe a expansão da sombra; ele se situa na nova aurora para onde o conduz, rompidas todas as amarras, sua verdadeira busca de justiça e de verdade. Ali, ele não é outro senão o que ele anuncia, o eleito, o amante e o amado, o servidor e o amigo, o inspirado e o filho mais velho, o messias. Uma recusa inicial, uma revolta que obtém sua veemência no amor, o arranca às seduções do caminho das trevas. Ele conhece todos os desvios desse caminho, sua esterilidade e seu término. Ele ama YHWH Adonai e quer estar unido a ele em perenidade: uma vigilância extrema deve conduzi-lo para além do escárnio, da mentira, da iniquidade.

Um primeiro movimento o opõe ao mal; uma leitura mesmo superficial do Saltério nos mostra a violência absoluta com que ele se recusa a fazer concessões. Ele é capaz de cólera, sua coragem o impele a combater o iníquo. Erguido desde o início contra o criminoso, suas imprecações fazem tremer; ele opõe ao ódio uma frente de combate implacável, à iniquidade uma recusa compacta, ao assassínio um ódio mortal: ele declara guerra à guerra do raivoso. Suas maldições, seus constantes apelos à vingança de YHWH Adonai não devem nos ocultar a verdadeira natureza de seu procedimento: é no intemporal que ele situa suas armas. Terão percebido suficientemente o caráter fantástico de sua guerra? Terá sido suficientemente sublinhado que às flechas que o atravessam ele opõe apenas sua voz? Suas mãos estão nuas; somente Elohims é sua arma, sua fortaleza: para livrar-se dos inimigos, o inocente jamais conta com sua força material; ele não se cansa de repetir - temos sabido ouvi-lo? - que o verdadeiro triunfo não pode vir dos caminhos humanos, nem das armas, nem das estratégias, nem da violência (20, 8-9; 44, 4-6).

Ele vai ao combate de rosto descoberto: o socorro, ele o sabe, não vem do homem, a força jamais é decisiva e as armas não podem arrancar o destino das mãos que o governam. Todos os Salmos - sobretudo os que parecem mais belicosos - animam-se de um perfeito desprezo pela força material e brutal; não se trata de uma renúncia heroica, mas de uma certeza objetiva: a força não serve para nada, não funda nada, não leva a nada; ela é a amante sangrenta do criminoso; quanto ao justo, ele está engajado na ação triunfante da justiça e da verdade.

Essa escolha não é abstrata: na noite da qual quer livrar-se, o inocente deve necessariamente recusar a lei das trevas para escapar à sua angústia, ainda que ao preço de sua vida.

Pois sua revolta se alimenta de sua lucidez: ele se sabe cativo. Em parte alguma a impaciência dos limites foi tão total, animou gritos mais urgentes, surgidos da mais cruel objetividade do estrangeiro. Rostos da miséria e do sofrimento, ele conhece todo o peso de sombra da mentira que o cerca; em sua guerra terrestre, vê-se entregue aos inimigos que o assaltam, que o apanham nas redes, que o lançam no fosso. E a própria terra lhe aparece como uma obscura prisão, sufocante, miserável (69,34; 79,11; 102,21); ele é cativo de sua própria esterilidade, de sua impotência, de seus crimes; conhece sua condição carnal enferma e condenada: o que é a vida, a duração dos dias? Uma erva que murcha, uma fumaça que se dissipa; ele se vê conduzido "ao vale de sombra-morte", ao lugar onde não há mais esperança: o mundo inteiro lhe aparece como um deserto, um vale de lágrimas coberto de sombras e de sangue. Assim a vida não é senão uma longa agonia (87,16). E nada pode resgatar o homem lançado nessa louca aventura, não há preço algum que se possa pagar para escapar ao mortal turbilhão; nossa estrada nos arrasta sem parada, sem descanso possíveis.

O desenrolar dos dias transmite ao salmista o pavor do perecível; sua fragilidade o empareda antes mesmo que seja entregue ao apodrecimento do túmulo. Concebido na carne, ele é filho da morte. A intensidade de sua visão precisa os contornos dela: sua vida é um sopro, uma miragem, uma ilusão, um sonho. Consciente de sua solidão, o justo é um estrangeiro no meio dos seus. É o guér, o goï, o zar, o nokhri, o toshab. Estrangeiro e meteco na terra, semelhante a seus pais no Egito...

Exílio, sono e morte são assim os termos que definem a situação real do homem separado do Ser que o funda.